21/10/2006
Ano 10 - Número 499
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
Meus campos gerais |
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Durante três dias andei pelos Campos Gerais. Em pleno verão, eles estavam
verdejantes e floridos, exibindo a plenitude da grandeza. Fui observando
as coxilhas e as canhadas, os rios e os córregos, os morros e os vales.
Lugares bem conhecidos, alguns inalterados como se tivessem parado no
tempo, outros quase irreconhecíveis em virtude das modificações imprimidas
pela mão do homem, mais ainda pelas estradas asfaltadas que os cortaram em
variadas direções. Longe, longe, no horizonte distante, campos e céus se
misturam numa mancha azulada. E a saudade, devagarinho, foi enchendo o
peito e uma leve melancolia invadindo a alma. Como dizia Guimarães Rosa,
pela boca de Riobaldo, “toda saudade é uma espécie de velhice.”
Diversos lugares trouxeram lembranças que pareciam mortas e agora
ressurgiram fortes dos misteriosos escaninhos da memória. Nesta estrada,
ainda de chão batido, quantas e quantas vezes trilhei, percorrendo cada
uma das curvinhas coleantes do trajeto. Aqui neste riacho que desliza sob
um mato fechado eu costumava parar, bebendo de sua água límpida e
observando os minúsculos lambaris velozes que ali nadavam. Agora, com a
rodovia, parece ter diminuído, virou um filete d’água desmoralizado por
uma ponte de concreto. Mais além, naquela baixada, havia imenso banhado,
daqueles conhecidos como tremedal (porque atolava os animais) e agora
desaparecido. As máquinas lavraram seu solo úmido, virou plantação, e está
seco. Aqui – observei - em outros tempos existiu um cemitério, desses
recantos humildes onde descansavam as pessoas da fazenda, algumas anônimas
e esquecidas. Agora, integrado à lavoura, talvez contribuam para adubar a
soja.
Pela direita, naquela baixada, permanece um capão de mato que sempre
admirei pela perfeição. Tão redondo que parece obra de Burle Marx, embora
seja nativo. Solitário, ele se destaca na campanha verde, preservando em
si um mundo insuspeitado. Nas noites frias e chuvaradas, nele se abriga o
gado, em suas copadas busca repouso a passarada e muitos ninhos ali são
construídos. Pelo seu chão macio, farejando, animais noturnos buscam
alimento, protegidos pela escuridão. Talvez alguns fantasmas se arrisquem
a aparecer. Como dizia meu amigo Evaristo, o campo é um mundo. Repetindo,
sem saber, as palavras de Riobaldo sobre o sertão.
Lá adiante, muito além, aquele emaranhado de mato indica o início do
Taimbé. Ali começa o perau empinado e inçado que desce para o rio, lá em
baixo, aquele que separa regiões tão próximas e ao mesmo tempo tão
diferentes. Seguindo em frente, no alto do coxilhão, avisto a igrejinha
solitária ao lado de um capão que não existia. O mato cresceu! Nele o
vento que corre livre faz uma zoada forte, sacudindo de leve as copadas, e
as palavras ecoam de um jeito estranho no interior do pequeno templo. Tudo
ali parece um deserto só, mas é impressão enganosa. Para todos os lados
existem viventes, homens, mulheres, crianças, criações, bichos, pássaros,
insetos e...os que vivem na lembrança. Estes, aos poucos, desfilam pela
minha cabeça e eu me pergunto onde andarão. Olho, observo e sinto até
cansar. Depois, sem pressa e sem vontade, começo o retorno, deixando atrás
de mim os meus verdes Campos Gerais.
(21 de outubro/2006)
CooJornal no 499
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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