(Final
da Entrevista à Oleg Almeida)
OA: Numa das
suas entrevistas você diz: “Se pudesse voltar ao passado e primeiro livro,
não assinaria Carlos Trigueiro e, sim, algo como Karlowz Tryghwro, pois a
preferência brasileira (...) prima por autores com Y, K e W no nome”.
Seria monstruoso, se não fosse verdade, não é? Como explicaria tal
desinteresse pela literatura nacional? Por que o princípio de que “tudo
quanto vier de fora é melhor” está tão difundido, se não dominante, no
meio dos leitores?
CT: Essa pergunta é uma bomba atômica sobre o
”cartel” –– aqui um eufemismo de “quadrilha” que domina a produção,
distribuição e marketing dos produtos do nosso parque editorial. Basta ler
a lista dos livros mais vendidos em qualquer veículo da mídia: há
raríssimos livros de autores nacionais, principalmente na Ficção, a menos
que seja de autor vinculado ao ramo artístico e já tenha projeção nacional
nas mídias e TV principalmente. Creio que, além do mencionado, de sermos
compradores de direitos autorais literários em vez de vendedores, essa
situação contém ainda fatores marcadamente culturais. No século XIX,
Machado de Assis, por exemplo, ironicamente e bem ao seu estilo, descrevia
a curiosidade (de quem recebia) sobre a procedência dos chapéus masculinos
(com selo estrangeiro ou nacional no lado interno da aba dos chapéus)
entregues na entrada das mansões que promoviam festas. Nelson Rodrigues,
já no século XX, por sua vez, espicaçava o “nosso complexo nacional de
vira-latas” em suas crônicas nos jornais. Só a partir da segunda metade do
século XX, em atividades como no futebol ou na música popular, houve uma
espécie de reconhecimento nacional –– pelos brasileiros –– de que algo
produzido no Brasil pode ser bom.
Historicamente, o império
português implantou no Brasil uma colonização coletora de produtos
naturais (pau-brasil, ouro, pedras preciosas, etc.) e, mesmo depois do
ciclo da cana-de-açúcar, impedia qualquer tipo de indústria de bens no
Brasil. Vinha tudo da metrópole, produzido lá ou nos países aliados da
coroa lusitana, principalmente do Império Britânico. Exemplo banal: no
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, inaugurado em 1909, mais ou menos nos
moldes da “Comédie Française” e que dentre outros produtos estrangeiros
ali instalados, ainda hoje estão as louças sanitárias dos banheiros
masculinos –– produzidas na Inglaterra. De um modo geral, essa espécie de
“síndrome do estrangeiro” parece haver deixado no inconsciente coletivo do
brasileiro essa deformação cultural –– “produto nacional” é inferior ao
“produto estrangeiro” –– e isso se vê ainda hoje em vários ramos
industriais, como na indústria vinícola (apesar de termos ótimos vinhos
brancos e espumantes). Por outro lado, nossa classe política eternizou
a herança cultural recebida das donatarias portuguesas dos séculos XV e
XVI, e permanece até hoje defendendo seus interesses econômicos grupais,
familiares, cartoriais, como se o continental Brasil fosse uma aglutinação
de feudos, e assim prossegue indiferente à institucionalização da educação
como motor de desenvolvimento nacional e de afirmação do país como
civilização tropical. Esses aspectos culturais estão bem delineados no
ensaio O Jeito Brasileiro: um fenômeno cultural que publiquei nas
revistas acadêmicas (DeSignis) da Argentina, com distribuição no mundo
acadêmico de língua latina e em ROMANCE NOTES (Univ. da Carolina do Norte)
dos Estados Unidos com distribuição em outros países. Nossa classe
política permanece comprando com artifícios baratos e eleitoreiros, do
tipo “bolsa família”, “cotas raciais em universidades,” “serviços
públicos” e em outras atividades, a consciência pensante da grande massa
populacional, tal qual faziam os primeiros colonos portugueses ao comprar
com “colares de pedras de vidros coloridos –– as miçangas” –– as terras
imensas, os rios caudalosos e as matas férteis e naturais dos índios
brasileiros. Esse desinteresse da classe política brasileira pela
educação (sem falar em Saúde Pública, Saneamento, Transporte Público,
malhas rodo e ferroviária, etc.) se reflete negativamente no comportamento
violento da população. Mais de 56.000 pessoas foram assassinadas em 2012
segundo dados oficiais, ou seja, um número de mortes equivalente ao de uma
guerra como a da Chechênia que durou de 1994 a 1996, por exemplo. Nossa
classe política, deliberadamente, institui ou promulga leis frouxas e
extemporâneas quanto às penalidades destinadas aos criminosos –– já que
muitas vezes os facínoras podem ser eles mesmos: os políticos. Mas, na
verdade, tudo isso decorre do desleixo deliberado quanto aos investimentos
no conhecimento, na educação, nos aspectos civilizatórios.
OA: Qual
é, a seu ver, o futuro das belas letras no mundo? A literatura séria
sobreviverá ao dilúvio de escritos vampirescos e afins ou acabará indo a
pique?
CT: Bem, As Mil e uma Noites, A Ilíada e A Odisseia,
Édipo Rei, A República, Dom Quixote, Os Lusíadas, Guerra e Paz, Madame
Bovary, Romeu e Julieta, A Comédia Humana, estão aí mesmo, apesar de
escritos já se vão muitas gerações. Penso que os “modismos” vampirescos,
tal como aconteceu com os do Tarzan, da família Marvel, do Batman não se
perpetuarão nos moldes da “grande literatura”. O “consumismo” literário
capitalista visa o entretenimento passageiro e está fortemente ligado aos
interesses da mentalidade lucrativa, enquanto que a grande literatura, de
uma forma ou de outra, questiona e desmascara as limitações e os
sofrimentos humanos –– dentre tantos, o martírio da própria consciência
quanto à constatação de sua temporalidade face à eternidade universal, e a
angústia de sermos imperfeitos, frágeis, corruptíveis, efêmeros e
miseravelmente transitórios, ou seja: mortais.
OA: Seu recente
livro Meu brechó de textos contém algumas obras chamadas de “poemas
de segunda mão”. Poderia comentar um pouco sobre o papel que a poesia
desempenha em sua vida? Não é porventura um poeta em potência?
CT:
Meu poetar foi sempre caseiro, doméstico. Só muito recentemente tive
coragem de desengavetar alguns poemas antigos e publicá-los em coletâneas.
Um dos responsáveis por isso foi o poeta Affonso Romano de Sant’Anna que
ao ler meus livros de Ficção, em prosa, me escreveu dizendo que os meus
textos continham “densidade poética sem pieguismo e que, com certeza, eu
deveria ter poemas escondidos e engavetados.” (sic).
OA: O que
significa escrever para você: cumprir uma missão, submeter-se a um impulso
incontrolável ou simplesmente passar o tempo como lhe aprouver?
CT:
Nisso, não sou nada original, aliás, sou totalmente adepto do pensamento
de Ernesto Sábato: “O escritor é testemunha do seu tempo, de seu drama
consciente face às imperfeições dele próprio, da sua solidão e dos
desconcertos do mundo ao redor. São mártires de uma época e não escrevem
com facilidade, mas com dilaceramento”.
OA: Que conselhos você
poderia dar aos escritores iniciantes, a quem aspira, de certo modo, a
seguir seus passos? Vale a pena um jovem de hoje se dedicar à escrita
literária ou é mais prático e seguro optar, por exemplo, pelo serviço
público?
CT: Escrevam, reescrevam e recomecem o que reescreveram. O
serviço público, no meu caso, me proporcionou oportunidades de sobreviver
economicamente, de constatar os desconcertos do mundo através de
experiências de vida no País e no Exterior, mas foi um caso fortuito, um
ponto fora da curva. Importante é não esquecer que fazer literatura
maiúscula pode conter um poder catártico além do testemunhal (como dizia
Sábato) e ainda o toque mágico para o renascimento do Eu profundo e dos
outros eus –– como na obra de Fernando Pessoa e seus heterônimos. Enfim, o
fazer literário é o relato de antigos ou permanentes martírios do escritor
pela voz e visão sarcásticas dos seus fantasmas. OA: Muito obrigado
pela sua entrevista. Espero que nossos leitores a tenham achado
interessante. Se, pelo menos, alguns deles forem atrás dos seus livros,
procurarem conhecê-los melhor, a nossa tarefa comum será cumprida. Não é
mesmo, amigo?
Resumos biográficos:
Carlos
Trigueiro (fonte: www.carlostrigueiro.com): Nasce em Manaus (AM), no dia
28 de fevereiro de 1943, filho de Asteclíades Henriques Trigueiro, músico,
mestre de Banda da Polícia Militar amazonense, e de D. Solange Sampaio de
Farias Trigueiro. Desde cedo viaja pelo médio e baixo Rio Amazonas, vendo
contrastes: de um lado, a exuberância das águas e floresta, de outro a
vida carente dos ribeirinhos, constatações que, mais tarde, o
influenciariam como nostálgico memorialista. Em 1951, muda-se para o Ceará
e reside em Fortaleza até 1956. De meninice livre, ora se aventura pelas
dunas e falésias, ora adentra o agreste, e mais longe, pisa o sertão.
Testemunha outros contrastes: a miséria dos retirantes e a opulência dos
coronéis. Aos dez anos, ganha, como prêmio escolar, o livro As
aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, obra que o iniciará no gosto
pela Literatura. Em 09.12.1956 deixa o Ceará e vai para o Rio de Janeiro.
Ainda menor, trabalha num sanatório para custear seus estudos. Em 1964
ingressa no Banco do Brasil. Em 1969, gradua-se em Administração Pública
na Fundação Getúlio Vargas. No biênio 1973/74 cursa pós-graduação em
Disciplinas Bancárias na Universidade de Roma (Itália) e, ao retornar ao
Brasil, começa a colaborar esporadicamente em jornais sobre temas
socioeconômicos. Entre 1980 e 1996, vive em Madri (Espanha), Macau
(China), Roma (Itália), e Chicago (EUA). Em 1996 aposenta-se no Banco do
Brasil. Começa a escrever exclusivamente ficção. Recebe o Prêmio Malba
Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União
Brasileira de Escritores, para O Livro dos Ciúmes (Editora Record),
bem como o Prêmio Adonias Filho (2006), categoria romance, para O Livro
dos Desmandamentos (Editora Bertrand Brasil).
Oleg Almeida
(fonte: https://sites.google.com/site/olegalmeida): Nascido na
Bielorrússia em 1971, Oleg Almeida é poeta e tradutor, sócio da União
Brasileira de Escritores (UBE/São Paulo), colaborador das mídias impressas
e eletrônicas. Autor dos livros de poesia Memórias dum hiperbóreo
(2008), Quarta-feira de Cinzas e outros poemas (2011) e
Antologia cosmopolita (2013) e de numerosas traduções do russo (Diário
do subsolo, O jogador e Crime e castigo de Fiódor Dostoiévski;
Pequenas tragédias de Alexandr Púchkin; Canções alexandrinas
de Mikhail Kuzmin) e do francês (Pequenos poemas em prosa de
Charles Baudelaire; Os cantos de Bilítis de Pierre Louÿs).
Extraído do livro "HISTÓRIAS TIPO ASSIM: WHATS-au-au-APP",
selo IMPRIMATUR, Ed. 7Letras.
(15 de agosto/2017)
CooJornal nº 1.041
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
contato@carlostrigueiro.art.br
www.carlostrigueiro.art.br
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