Continuação da entrevista à Oleg Almeida publicada nas Revistas
digitais: “EisFluências” (Ano
V, nº XXX, Lisboa/Portugal e
Recife/Brasil, agosto/2014),
GERMINA/Literatura (Volume 10, nº 2, agosto/2014, Brasil), RIOTOTAL (Ano
18, nº 913, Nov. 2014, Brasil) e no BLOG do GALENO, 2014.
(continuação)
OA: De 1980 a 1996 você morou no exterior. O que resultou da sua
passagem por países tão dessemelhantes como a Itália e a China: a evolução
de sua obra para o lado cosmopolita ou, quem sabe, a redescoberta do
Brasil visto, de longe, com outros olhos?
CT: Já havia estudado em
Roma (Itália) no biênio 1973/74, como bolsista metade do Banco do Brasil e
metade do Governo italiano. Depois, entre 1980 e 1996, vivi e trabalhei em
Madri (Espanha), Roma (Itália), Macau (China) e Chicago (EUA). Foram
experiências notáveis, inclusive porque o primeiro impacto pessoal que
sofri entre culturas tão diversas, apesar de ter algum conhecimento
técnico, foi o reconhecimento da minha ignorância artística, musical,
histórica e mesmo literária. A oportunidade de pisar em solos históricos
da Europa e do Oriente, de visitar museus como o Prado, o Louvre, o
Vaticano, a Academia de Artes de Florença, o Instituto de Arte de Chicago,
ou caminhar sobre as ruínas milenares do império romano, reviver a
hegemonia ibérica medieval, e sentir a milenar cultura chinesa nas
crendices do dia a dia. Assim, no plano literário, acho que, para um
espírito observador, seria inevitável adquirir uma visão cosmopolita da
aventura humana. Claro que tudo isso me proporcionou comparações com a
cultura brasileira e, depois, transpareceu direta ou indiretamente nos
meus textos.
OA: Quem é Carlos Trigueiro antes de tudo: contista de
Confissões de um anjo da guarda ou romancista de Libido aos
pedaços? Qual é seu gênero preferido?
CT: Penso que sou os
dois, ou até mais que isso, pois ainda me arrisco na poesia, tendo alguns
poeminhas publicados em coletâneas brasileiras e portuguesas. De todo
modo, eu fico mais à vontade na brevidade do conto.
OA: Diversos
críticos percebem nos seus textos, onde os entes sobrenaturais atuam ao
lado das pessoas comuns, traços característicos do dito realismo
fantástico. Você concorda com eles? Ou talvez esteja contra todos aqueles
rótulos que se costuma pôr em obras de ficção e seus autores?
CT:
Gosto do chamado “realismo fantástico”. Tem a ver com os meus devaneios,
com as minhas experiências de vida em várias culturas e mundos diferentes,
e, sobretudo, com a constatação da nossa fragilidade humana
impressionável, de natureza misteriosa aqui e corruptível ali,
inconformada com a nossa infelicidade metafísica, com a consciência da
mortalidade da carne – no dizer de Sábato – e de sermos meros figurantes –
insignificantes e infinitesimais – soprados e levados pela poeira cósmica.
OA: Seus livros parecem bem diferentes entre si no que diz respeito ao
conteúdo e, não raro, à construção estilística. Há, todavia, um tema
principal, uma ideia abrangente que os perpassa, uma espécie de “marca
registrada” de Carlos Trigueiro?
CT: Meus livros são mesmo
diferentes um do outro, ainda que o estilo seja aqui e ali mais ou menos
identificável. Na trilogia da feiura, com O Clube dos Feios (feiura
estética), O Livro dos Ciúmes (feiura sentimental) e O Livro dos
Desmandamentos (feiura social e política do Brasil) esse aspecto
apareceu claro ao crítico e poeta Ivo Barroso, por exemplo, que
identificou nessas obras um fio condutor, ou seja, “o corte visceral das
misérias humanas”. Por outro lado, o crítico, escritor, ator e cineasta W.
J. Solha identifica na minha obra certo espírito “machadiano” quanto ao
estilo irônico e repetitivo de palavras na feitura de alguns textos. O
poeta e crítico Affonso Romano de Sant’Anna registrou densidade poética
nos meus textos, bem como uma carga dramatúrgica nos meus romances. Já a
professora Monica Rector – da Universidade da Carolina do Norte / EUA – em
um longo ensaio na Revista TALLER DE LETRAS, da PUC de Santiago/Chile –
diz que meus contos em O Clube dos Feios parecem parábolas, têm
conteúdo moral e revelam a universalidade dos sentimentos do homem.
OA: Em 1995 seu livro O clube dos feios e outras histórias
extraordinárias entrou no catálogo da distribuidora nova-iorquina
Luso-Brazilian Books, espalhando-se, a partir dali, pelas universidades e
bibliotecas dos Estados Unidos. Foi um verdadeiro salto qualitativo ou
apenas uma daquelas oportunidades fortuitas que o fado nos oferece de vez
em quando?
CT: Acho que foi um desguio do destino. De repente, o
livro foi parar em várias bibliotecas universitárias norte-americanas,
talvez pelo título, talvez pelo conteúdo de “histórias extraordinárias”,
talvez porque professores brasileiros de Literatura latina em
universidades americanas conheciam bem o livro e alguns também o autor. E
o conto O Clube dos feios foi tema de palestras em universidades. O conto
Associação dos indivíduos de apelido Cheong, por exemplo, foi publicado na
revista literária “The America’s Review” da Universidade de Houston
(Texas), com tradução para o espanhol pelo editor, na época, Mario Flores.
Também me impressionou o interesse norte-americano quanto ao O
Livro dos Desmandamentos que passou a constar do acervo da Biblioteca
do Congresso dos EUA, e, ali, ter uma resenha oficial que diz sobre a
obra: “importante ferramenta não oficial para entender a realidade
sociocultural e política do Brasil”. Mais tarde, a Revista literária
METAMORPHOSES, periódico do Smith College da Universidade de
Massachusetts, publicou capítulos agrupados do mesmo livro e com tradução
de Clay Resnick.
(Continua...)
Extraído do livro "HISTÓRIAS TIPO ASSIM: WHATS-au-au-APP",
selo IMPRIMATUR, Ed. 7Letras.
(15 de julho/2017)
CooJornal nº 1.037
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
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