01/06/2017
Ano 20 - Número 1.031

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CARLOS TRIGUEIRO

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Carlos Trigueiro



Pra início de conversa

Carlos Trigueiro - CooJornal

 Entrevista à Oleg Almeida publicada nas Revistas digitais: “EisFluências”  (Ano V, nº XXX,  Lisboa/Portugal e Recife/Brasil, agosto/2014),  GERMINA/Literatura (Volume 10, nº 2, agosto/2014, Brasil), RIOTOTAL (Ano 18, nº 913, Nov. 2014, Brasil) e no BLOG do GALENO, 2014.

 

“Foi a escritora Cida Sepulveda, minha amiga de longa data, quem me apresentou Carlos Trigueiro. “É um cara fantástico!” – disse-me ela. – “Que pena a imprensa lhe dar pouco espaço”. Conseguindo na Internet os dados biográficos desse autor, fiquei um tanto desconfiado. “Estudou Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas... Trabalhou no Banco do Brasil... Fez uma pós-graduação em Disciplinas Bancárias na Universidade de Roma... Abordou diversos temas socioeconômicos em seus artigos...”. E daí, perguntei a mim mesmo, o que é que esse currículo tradicional de um economista tem de tão extraordinário assim?

Comecei a folhear o romance Libido aos pedaços, recém-lançado pela Editora Record (2011), e minha opinião sobre Carlos Trigueiro mudou, quase de imediato, da água para o vinho. À medida que lia sua prosa arguta, inteligente, bem persuasiva na captura dos mais finos matizes da psique humana e, ainda por cima, escrita naquele belo português dos tempos clássicos que hoje em dia parece invulgar, se não exótico,  surgia-me vez por outra a impressão de que realmente o santo de casa não faz milagres.

Cheguei a comprovar tal hipótese ao conhecer as demais obras de Carlos Trigueiro e, sobretudo, ao travar uma conversa amigável com ele próprio, esse homem sábio, irônico, instruído ou, quem sabe, desiludido pela sua vida em que duas atividades antagônicas, a economia e a literatura, formam um arabesco singular e harmonioso. Acho que está na hora de compartilhar com nossos leitores o essencial dessa longa conversa...”

Oleg Almeida: Logo de início farei a minha pergunta costumeira e mesmo um pouco batida. Quando você resolveu ser escritor, ou melhor, com que idade é que se interessou pela literatura? O que queria saber é se foi algo espontâneo – digamos, um sonho ainda infantil que se realizou – ou uma escolha consciente, amadurecida.

Carlos Trigueiro: Perfilho a opinião daqueles que dizem que o indivíduo já nasce músico, ou pintor, ou poeta, ou ator, ou escritor, etc. Porém, se a arte que nasce com o indivíduo e nele evolui e se expande, e se refina, e se concretiza num patamar fora do comum, é outra história: depende de muitos fatores. No meu caso nada extraordinário: tive uma infância livre e rica em variedades de experiências, desde o contato com a natureza exuberante da floresta e dos rios amazônicos às brincadeiras com outros molecotes da mesma idade pelos areais, ondas e dunas das praias cearenses.

Tais encontros somados à impressão que me causavam os respectivos costumes regionais (dos caboclos e suas canoas nos igarapés do Amazonas, e dos pescadores, jangadeiros e suas jangadas nos mares e praias do Ceará, além de sentir de perto a vida no agreste e no sertão, origens dos meus ancestrais maternos e paternos) cedo despertaram minha curiosidade para registrar cenários, paisagens, costumes e aventuras.

Acho que comecei a escrever espontaneamente ainda menino, “de” e “na” memória (tanto assim que o meu primeiro livro foi Memórias da Liberdade), talvez porque eu não tinha máquina de escrever, ou fotográfica ou filmadora, para registrar aquelas vivências e emoções. Bastava abrir os olhos e o coração para o mundo ao redor e percorrê-lo de peito aberto, sem histórico, medos nem compromissos, tal como no poema Meus oito anos de Casimiro de Abreu: com “pés descalços, braços nus, correndo pelas campinas, a roda das cachoeiras, atrás das asas ligeiras, das borboletas azuis”. Enfim, na linguagem dos poetas, tornar-me escritor foi metade sonho da consciência, metade consciência do sonho.

OA: Segundo a sua biografia, um dos primeiros livros que contribuíram para sua vocação vir à tona foi Tom Sawyer de Mark Twain. É curioso: quando garoto, eu também gostava desse livro... Você poderia citar outras obras que o influenciaram, de alguma forma, no começo de sua carreira literária? Não me refiro aos autores que lia então, mas precisamente às obras que foram importantes para a sua aprendizagem.

CT: O livro As aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, publicado em 1876 e lido por mim 77 anos depois, em 1953, em Fortaleza / Ceará, quando o ganhei como prêmio escolar, foi a pedra angular dos meus devaneios literários. Muito do livro tinha a ver com o que eu mesmo vivera e vivia, familiarmente, próximo à exuberância dos rios (Amazonas, Negro, Tapajós, principalmente) e florestas (Estados do Amazonas e Pará) nos meus primeiros oito anos de existência. Então, aquele livro foi o espelho mágico onde me reencontrava e revivia. E foi o primeiro livro não didático que li e reli vezes sem conta.

Por outro lado, mais que outras obras literárias, naqueles primórdios –– porque minha família era muito modesta e não tínhamos livros em casa –– também foram influentes no meu despertar literário, a música e principalmente as letras dos hinos militares cantados por meu pai, que era Mestre de Banda militar, bem como os poemas recitados por minha mãe, sobretudo de um poeta amazonense Hemetério Cabrinha exaltando a vida e natureza amazônicas, e ainda poemas clássicos de Castro Alves, Gonçalves Dias, Fagundes Varela, Casimiro de Abreu. Mais adiante, Filgueiras Lima, poeta cearense, professor e diretor do Colégio Lourenço Filho onde estudei os primeiros três anos ginasiais (o segundo grau daquele tempo) também me influenciou no gosto pela Literatura, pois ia de sala em sala de aula dar avisos escolares e aproveitava para recitar seus poemas –– acho que para despertar nos alunos a sensibilidade e o gosto pela poesia.

Quanto às obras que influenciaram meu aprendizado literário, desordenado e multifacetado, além do Tom Sawyer posso dizer que foram muitas e muitas, mas até hoje me sinto aprendiz de escritor. No entanto, destaco ainda dentre outras:

As mil e uma noites; Confesso que vivi (Pablo Neruda); Baú de Ossos (Pedro Nava); Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis); Ana Karenina (Tolstoi); Três Contos (Flaubert); Crime e Castigo (Dostoievski); A idade da razão (Sartre); Novelas exemplares (Cervantes); A consciência de Zeno (Ítalo Svevo); Os Miseráveis (Victor Hugo); A Metamorfose (Kafka); Memorial do Convento (José Saramago); O Eu profundo e os outros Eus (Fernando Pessoa); A vida e as opiniões do cavalheiro Tristam Shandy (Laurence Stern); Perto do coração Selvagem (Clarice Lispector); O Escritor e seus fantasmas (Ernesto Sábato); Foi assim (Natalia Ginzburg); Os sofrimentos do jovem Werther (Goethe); Ficções (J. L. Borges); Histórias Extraordinárias (Edgar Allan Poe); e vários contos de Gorki, Tchekhov, Averchenko e Juan Carlos Onetti.

(Continua...)



Extraído do livro "HISTÓRIAS TIPO ASSIM: WHATS-au-au-APP",
selo IMPRIMATUR, Ed. 7Letras.

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Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email
carlostrigueiro@globo.com


(1º de junho/2017)
CooJornal nº 1.031


Carlos Trigueiro é escritor e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil). RJ
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