01/10/2014
Ano 24
Número 1.242

ARQUIVO
CARLOS TRIGUEIRO

 

Carlos Trigueiro



O BESOURO E A LAGARTA

 

Carlos Trigueiro - CooJornal

Na linguagem dos insetos, um besouro cascudo, com asas a mil por hora, equilibrou-se no ar e, provocante, disse a uma lagarta que sanfonava o corpo, devagar, quase parando, no tronco do marmeleiro:

“Oi! Lagarta! Olha pra mim! Vês como sou resistente, esperto, rápido e voo para onde quero?! E tu, pobre lagarta, és molenga, tens o corpo flácido e te arrastas lentamente. Aliás, acho que não sabes nem mesmo se vais ou vens. Quanto a mim, o zumbido das minhas asas é exaltado mundo afora por escritores, poetas, cineastas e outros artistas. Sou citado até na Bíblia! Deus quando criou o mundo me deu uma nobre missão…”

E a lagarta que sanfonava o corpo pelo tronco do marmeleiro, ao ouvir a provocação do besouro respondeu:

“É verdade o que dizes, mas só parcialmente, pois esqueces que a principal diferença entre nós dois está na natureza da nossa missão. Tu és aquilo que chamam de produto final e acabado, tuas serventias ou missões, como queiras, são eficientes, porém limitadas, enquanto eu, lagarta molenga, sou um dos bichos escolhidos pelo Criador – que valorizou ao máximo a minha lentidão, para a mais preciosa das missões…”

O besouro ouvindo aquilo se enfureceu:

“Como te atreves, lagarta pegajosa? Por acaso tens missão mais nobre que a minha? Maior nobreza do que o zumbido que produzo com a velocidade das minhas asas? Velocidade essa que também serve de inspiração para as fábricas de aeronaves e de tantos outros instrumentos? Ora, lagarta, eu não imaginava que fosses tão presunçosa! Então me diz logo o que há de precioso na tua lentidão?”

Ao que a lagarta replicou com expressão calma, mas definitiva, fazendo o besouro zumbir e fugir:

“Bem, como eu já disse antes, tu és, na Natureza, um ser final e acabado. Enquanto eu, carrego no meu corpo lento e sanfonado uma preciosidade, pois um dia serei borboleta sedosa e dourada, ou azul, ou prateada, ou estilizada, enfim, carrego a síntese perene do Universo, ou seja: trans-for-ma-ções!”

(Em "Ajuste de Contos", Inédito)

08/02/2013 - Ano 16 - Número 826
CooJornal nº 826


Carlos Trigueiro é escritor
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2006), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil). RJ

carlostrigueiro@globo.com
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