16/09/2021
Ano 24
Número 1.240

 

 

ARQUIVO
CARLOS TRIGUEIRO

Carlos Trigueiro



SALA DE AULA NO FIM DO CORREDOR

 

Carlos Trigueiro - CooJornal

 


Cá estou entre os primeiros alunos da turma na paixão pela jovem Helena, professora de História. Finjo prestar atenção ao que ela diz, mas, em verdade, devoro-a com os olhos, com o nariz, com os ouvidos, e com o semideus que, embaixo do meu uniforme, pulsa.

Somando intuição, paixão e imaginação, creio que Helena é uma daquelas semideusas das enciclopédias de papel acetinado que, três vezes por semana, salta voluntariamente das páginas heroicas da Magna Grécia para a sala de aula.

Hoje, anda com as mãos empoeiradas de giz e esboça no quadro-negro os caminhos da helenização do Oriente. Desejo-a tanto que finjo me submeter à espada do seu olhar conquistador.

Mas Helena percebe o meu fingimento, pois já sabe quanto eu a amo. Meu piscar de olhos, minha respiração, minha petulância juvenil desvelaram o bárbaro amante que aflora pelos poros. E tenho certeza de que sabe ler no meu olhar a súplica do aluno apaixonado: "Quero ser helenizado!"

Então, a semideusa reage com rubor. Nas suas faces há matizes de cornalina. Helena foge. Claro que a persigo - nos meus sonhos e devaneios - por entre as figueiras perfumadas que enfloram ao amanhecer e circundam os burgos coríntios onde ela pisa, vagueia e flutua. Primeiro, vejo-a com a túnica descaída, seminua. Mais adiante, sem a túnica, finalmente nua.

Um discreto arrastar de pés me desperta, acho.

Ruídos estudados perpassam. Na sala de aula, ouço cochichos. Sim, cochichos de cumplicidade. É hora de prova oral, que em outros tempos chamávamos de "Arguição". A professora Helena me chama ao quadro-negro. Hesito, porém, vou. Sinto-me helenizado. Percebo a turma toda boquiaberta. Aqui e ali um riso pianíssimo. Encabulado, baixo os olhos. De fato, o semideus que há pouco pulsava dentro de mim agora levita.

(Em "Ajuste de Contos", Inédito)


(01 de fevereiro/2013)
RT, CooJornal nº 825
 


Carlos Trigueiro é escritor
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2006), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil). RJ

carlostrigueiro@globo.com
www.carlostrigueiro.com


Direitos Reservados