16/09/2022
Ano 25
Semana 1.288

 




Arquivo

Conversa

com o paciente



 

 


 

Persuasão versus fumo


Dr. Pedro Franco



Os médicos, seja qual for a classe socioeconômica de sua clientela, tem um problema comum: a necessidade de persuadirem seus clientes a seguirem determinadas condutas. Neste aspecto o tabagismo ganha um relevo primordial. O médico do pobre, o do rico, o da classe média, o do operário, o do burguês, do intelectual, todos enfim percebem, perante determinados doentes, que seus remédios, sua sofisticada aparelhagem, ou sua semiologia-experiência serão ineficazes, se o seu poder de persuasão falhar. E, seja qual for o método empregado, a zanga, a peroração, a explicação, a intimidação, a palestra, todos os meios podem fracassar e o doente, fumando e fumando, caminha para a morte, às vezes uma morte estúpida, precoce, sofrida, triste, seja pelo enfisema pulmonar — doença pulmonar obstrutiva crônica "cor pulmonale" crônico, ou pelo câncer pulmonar, ou pelas arterites periféricas, ou pelo enfarto do miocárdio, ou pela arteriosclerose, ou, e ficaria colocando uma lista de quando a meta é chamar a atenção para o descalabro (quase ousei dizer burrice! ) que é fumar.

Por que se fuma? Por muitos motivos, já bem conhecidos e estudados, principalmente pelas companhias de cigarro. Quem tem os mais bonitos anúncios da TV? Subrepticiamente o indivíduo é induzido a fumar e até as mulheres, como afirmação feminina, com as desculpas ao Women's lib)), passaram a fumar mais, apesar de apresentarem, sob o ponto de vista anatômico, um aparelho respiratório mais débil.

O médico se sente impotente e inútil perante a teimosia daquele enfermo, que não parece ainda enfermo, mas que inexoravelmente chegará lá. Ausculto roncos e sibilos, pela bronquite tabágica, ocorre a tosse matinal, algumas ondas do eletrocardiograma já estão alteradas. São 20 ou 30 cigarros por dia e "vou diminuir", “estou fazendo força", "parei e recomecei" e os meses passam, a doença evolui e continuam os conselhos, as "broncas", as explicações, às vezes o "pare de fumar ou troque de médico" e nada adianta, até que o irremediável ocorre: a doença ganhou.

E eu, pensa o médico, olhando uma radiografia, avisei tanto! Por que não tenho um dom de persuasão maior? Divido a culpa com a sociedade, que deixa venderem cigarros, com a desculpa dos impostos. O que os Governos perdem e gastam com as doenças provocadas pelo fumo nestas pessoas? Mas isto é uma outra história. Triste e mundial história!
Alguém dirá: Este hoje estava sem assunto e recorreu ao fumo. Talvez um tabagista inveterado pense assim e queira fugir do assunto. Não, havia outros temas para a "Conversa com o paciente", muitos outros, porém escolhi este porque é dos mais importantes, como problema de saúde pública. E, como todo médico, também estou engajado, permanentemente, na campanha antifumo, encampada até pela Associação Médica Brasileira, dizendo e onde posso, que precisamos parar de fumar, para viver melhor.


Obs: Cigarros eletrônicos não são soluções. Representam de fato outro problema para a saúde. Merecem ser abolidos.


Pedro Franco é médico cardiologista
RJ
pdaf35@gmail.com

 

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Direção e Editoria
Irene Serra