16/05/2022
Ano 25
Semana 1.272

 




Arquivo

Conversa

com o paciente



 

 


 

Festas e dispépticos


Pedro Franco



Nossa conversa na Revista Rio Total não é pertinente ao médico. Interessa mais a alguns doentes e por eles o assunto me foi trazido. A obrigatoriedade de comer e beber socialmente e ir a festas para determinadas pessoas é um verdadeiro martírio, pois alguns anfitriões julgam o seu visitante pela voracidade e "capacidade hidráulica". O coitado que carrega uma enfermidade digestiva tem três alternativas, em relação a recepções:

1. não ir. A família reclama, idem os amigos e se insiste em se meter em casa fica insociável, retraído, pouco lembrado e até profissionalmente pode se prejudicar;
2. ir e comer. Há os dias subsequentes, com enxaquecas, náuseas, vômitos, tonteiras, cólicas etc. Assim não dá;
3. ir e não comer e nem beber. Talvez seja a opção mais válida, porém mais difícil de manter em sociedade. Come, está uma beleza! Fui eu quem fez, com tudo fresquinho! Um pouquinho não faz mal! Você está ficando um "chato". Não bebe nada! Que mal faz um "uisquinho escocês?" Isto é "psicada". Vá lá, tome um golinho desta batida especial! E haja paciência para não comer ou beber, para dizer não, para não ser indelicado. Às vezes, contam os doentes, a pressão social é forte, a anfitriã exigente, o anfitrião agressivo bebedor. Ou brigo ou bebo. Ou como. E se bebe o vinho do Rio Grande do Sul especial ou se degusta a maionese de camarão. E perde-se os próximos quatro dias com sérios problemas digestivos. Ou os hiperlipidêmicos são obrigados a ingerir gorduras de origem animal, (— Não acredite neste negócio de colesterol ou triglicerídeos, isto é invenção dos médicos), ou fazem os diabéticos comerem fatacazes de bolo. (— Um dia só não faz mal. Gostou? Então mais uma fatiazinha). E o cafezinho para os ulcerosos, as frituras para os portadores de colecistites, o sal para os hipertensos. A lista seria inutilmente grande.

Relatei as ocorridas e as tensões desencadeadas. O enfermo procura uma das três alternativas, consecutiva e sucessivamente, cambinando de ordem. Alguns referem o seguinte. Adoram ir a festas. Gostam de conversar, mesmo com água mineral. Encantam-se com os "papos", com a convivência. Não são enjoados ou invejosos, por não comerem ou beberem. Acham a comunicação mais importante nas recepções que os secos e molhados, por incrível que possa parecer. Preferem um bife mal passado com batatas cozidas e arroz em um jantar elegante, pois o que querem mesmo é gozar as companhias e as ideias. Valorizam mais o intelectual do que o gustativo, por estranho que seja. A presença destas pessoas é um preito aos donos da festa. Vieram para rever amigos, conversar, rir, contar piadas. Mas não podem pagar o alto preço de passarem dias adoentados, até porque têm de ganhar seus sustentos, nos dias seguintes às festas, se os donos da casa são insistentes e obsequiosos em demasia.

Quem sabe se o senhor ou a senhora, excelentes anfitriões, por excesso de cuidados não estão colocando para correr um bom e excelente conviva, mental, pois sendo, digamos, fraco de estômago, abandonará sua casa, ao se ver obrigado a comer e beber, ou caindo na negativa, vê o senhor ou a senhora ficarem magoados. Aceitem seus amigos como são, Acreditem, no caso, em Rabelais (Faz o que desejar). Come e bebe quem pode e quer. Quem não se "amarrar" na mesa, viverá as outras distrações das suas festas. Agindo assim estarão deixando um convidado se divertir, como a natureza lhe permite. Não pense que um bom conviva, um bom amigo, se mede pelo grau de glutoneira ou capacidade alcoólica. Acredite, um mau "gourmet" pode ser um excelente "papo" e visita alegre. E apresenta mais uma vantagem, nunca corre o perigo de se tornar alegre em excesso...



Pedro Franco é médico cardiologista
RJ
pdaf35@gmail.com

 

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Direção e Editoria
Irene Serra