01/08/2022
Ano 25
Semana 1.282

 




Arquivo

Conversa

com o paciente



 

 


 

O acompanhante


Pedro Franco



Nesta nossa conversa, tenho mesclado tópicos eminentemente assistenciais e aspectos mais relacionados à profissão médica, fugindo sempre do tome isto, faça aquilo, pois quem sabe de seu problema médico específico é o seu clínico. Devo apenas me reportar aos assuntos genéricos da Medicina. Assim, já falei nas dietas intempestivas, das condutas dos pacientes, do fumo, dos relacionamentos, etc. Hoje abordo o acompanhante, que poderia chamar de familiar mais interessado, de enfermeiro sem diploma e que pode ser um cônjuge, irmão, pai, ou mesmo amigo, quer no hospital, residência ou consultório. E pelo tom que posso proferir depois, temo parecer que estou contra o acompanhante. Para evitar este enfoque, entro logo com um "habeas corpus" preventivo, afirmando que julgo a figura do acompanhante importantíssima e mesmo indispensável. Não desejo o cliente solitário, do tipo "quero saber tudo", escondendo os problemas da família, pois fico em situação assaz difícil, às vezes. Julgo que o doente, sempre que possível, deve saber de sua doença, para compreendê-la e me ajudar a tratá-lo. Não tem cabimento dizer: "O Senhor não tem nada, mas não pode fazer esforços, vai tomar estes cinco remédios, nos horários indicados e com rigor e, além de ter feito o eletrocardiograma, precisa fazer estes exames de sangue, urina e o estudo ecorradiográfico do coração". Esta conduta quebraria o importante elo, que deve presidir as relações do binômio médico-paciente, pois pressupõe um ignorante perante o médico, que aceita remédios fortes, restrições de hábitos e exames, sem uma motivação medica. Acima, coloquei: “sempre que possível, pois podemos estar diante de uma enfermidade grave, incurável, em doente sensível, digamos, temeroso e deprimido. Há que se dizer a verdade minimizada, expor perante um familiar, acompanhante, a verdadeira situação, para deliberarem com frieza, as melhores condutas para o enfermo e para sua família. Cada doente é um caso diferente, que requer uma solução individual, no plano técnico e emocional, alguns precisam ser cruamente alertados, outros necessitam ser envolvidos pelos acontecimentos. E um familiar, ou amigo, pode ajudar a encontrar a sintonia, se está imbuído da vontade de ajudar, se tem confiança no médico e se não tumultua.

Às vezes é a avó que quer impor seus conceitos de puericultura defasados, ou é o primo do enfermo que o acompanha ao cardiologista A, mas, só tendo confiança no B, que tratou de seu compadre. Descrê frontalmente dos remédios e dieta preconizados. Ou se imiscuiu durante a anamnese, para contar a sua enfermidade, que pode ser importante, porém nada tem a ver com o caso em foco, desviando a atenção do médico e subtraindo preciosos minutos. Ou ainda, fazendo sugestões terapêuticas, algumas absurdas, ofensivas ou pueris. Enfim, quebrando o clima de relacionamento que deve presidir à consulta. Ou ainda criando casos nos hospitais, reclamando do sofá, da comida, das enfermeiras, dos ruídos, do horário do médico, do quarto que não tem boa vista, de tudo enfim, servindo apenas para abater o ânimo do enfermo, perturbar o médico, que, às vezes, já trava uma luta desigual contra a doença, os meios, a vida profissional, o cansaço, contra a morte e vê um potencial e importantíssimo aliado, o acompanhante principal, o "suporting cast", se bandear para as "hostes inimigas", levando de roldão enfermo e família, deixando o profissional dedicado, que deve ser infalível e, infortunadamente, não é, só, solitário, abatido e derrotado, quando poderia ter vencido, se o acompanhante acreditasse, fosse sincero, não tumultuasse. Tentam, em algumas ocasiões, à socapa, com a conivência de um outro profissional menos ético, conhecer uma nova opinião. Escondido, friso e não era preciso, pois as conferências médicas, estabelecidas conforme conceitos rígidos, existem para se ouvir outras ideias. E medicam então, já que não houve o diálogo médico, escusamente, com 30% de medicamentos do Dr. A e 10% do Dr. B, mais a dieta do Dr. C, arvorando-se o acompanhante em misto de chefe de equipe e semideus, que separa o joio do trigo de cada receita. E quem perde? O mais importante personagem não é o médico ou o acompanhante, que são coadjuvantes, é o enfermo, que precisa da sua equipe afinada e coesa para lhe emprestar os benefícios da moderna tecnologia, sem esquecer o indispensável carinho e a harmonia, que deve prevalecer entre as diversas peças da mesma e que se refletem em todo o tratamento. Todos nós, hoje ou amanhã, seremos acompanhantes, mesmo os médicos, e no importante posto devemos nos colocar em posição secundária, de total ajuda e de modesta eficiência, querendo colaborar sempre sem nunca atrapalhar ou tumultuar. A função é importante e muito difícil. Mais difícil do que podem julgar os que não vivem o dia a dia da Medicina. E em algumas doenças, o sucesso do médico depende integralmente da vigilância e da colaboração dos acompanhantes, que se desincumbiram adequadamente de suas múltiplas tarefas.



Pedro Franco é médico cardiologista
RJ
pdaf35@gmail.com

 

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Direção e Editoria
Irene Serra