16/01/2022
Ano 25
Semana 1.256

 




Arquivo
"Conversa com
o paciente"

 

 


 

Imprensa médica para leigos


Pedro Franco



Confesso-lhes que julgo a imprensa médica para leigos assaz difícil e perigosa. Minha experiência, no dia a dia levou-me a esta inabalável convicção. Sempre procurei abordar os assuntos de origem médica de modo genérico, enfatizando sempre a importância da consulta pessoal, que engloba a anamnese, o exame físico rigoroso e os meios subsidiários de diagnóstico (radiografia, laboratórios, eletrocardiograma, etc). Na grande maioria das vezes, e as exceções não contam, artigos de jornais sobre matéria médica e ou principalmente sobre enfermidades pessoalizadas atrapalham mais do que curam. Podem ser aceitos os artigos que abordam determinados aspectos médicos de uma maneira global, desde que o autor focalize bem o fato de que só um médico, o assistente do leitor, em relação direta com o mesmo, poderá preconizar a conduta mais adequada. O articulista nunca deverá visar a promoção ou a propaganda pessoal, ambas as condutas proibidas sabiamente pelo código de Ética Médica. Mas, apesar de toda a cautela de quem escreve, tenho muitas vezes constatado que o leigo, por ser leigo, não apreende bem os conceitos científicos, encarando-os de modo diversos da realidade médica atual, torcendo os conceitos ao seu bel prazer. Pior ainda, por ter lido um determinado artigo, abandonou um médico que vinha se conduzindo acertadamente, ou parou um tratamento difícil, que vinha sendo muito bem orientado e, quando tenta voltar à trilha certa, já tinham fugido as possibilidades de recuperação... Dificilmente também, em único artigo, poder-se-ia abordar as múltiplas facetas de uma doença. Ainda mais quando as doenças existem nos livros, pois, na prática, todos sabemos, temos em mãos, doentes.

Doentes todos diversos, todos humanamente pessoalizados, sem permitirem comportamentos estereotipados. Em diversas ocasiões encontrei a divulgação de determinadas descobertas científicas mal conduzidas perante o público, visando apenas os fatores comerciais envolvidos na questão, valorizando-a além da conta, sensacionalisticamente, maleficamente perante os doentes, que poderiam se beneficiar com a descoberta. O que um profissional consciencioso vem elaborando meses a fio, consulta após consulta, é posto em dúvida por um articulista estrangeiro, de título pomposo, ex-chefe de serviço de uma faculdade desconhecida, que nunca examinou o enfermo e que, por artes "científicas", descobriu um novo e prodigioso tratamento com excelentes resultados em 999,3 em 1.000 casos e que derroga os demais métodos clássicos.

Por sorte de todos nós, enfermos e o Ministério da Saúde e os Conselhos Regionais de Medicina vêm tomando posição, às vezes sem alarme, contra tal estado de coisas. Uma estação de televisão é chamada às falas, ou uma revista importante, ou mesmo um apresentador de TV famoso. Para não citarmos o poder benéfico e fiscalizador que desenvolvem perante a classe médica. Ninguém deve usar meios de divulgação para prejudicar alguém. Ninguém, sem escopo científico verdadeiro, tem o direito de, com intuitos meramente comerciais, enveredar por assuntos médicos, que devem ser tratados nos consultórios. Já não me reportarei aos casos incuráveis, nos quais, às vezes, tentamos dourar a pílula amarga da verdade, com explicações nem de todo verdadeiras e um artigo, inadvertidamente e sem intenção, destrói nossa elaborada estória, tirando a fé do nosso doente, deixando um lastimável estado psicológico.

Será preferível, no futuro, em uma sociedade utopicamente formada ou em país inteiramente desenvolvido, fazer campanhas tipo VACINE-SE SEMPRE EM ACORDO COM A CIÊNCIA. Chegaremos lá, pois, é ir aparando arestas, agora invisíveis, e ir buscando revelações mais perfeitas. Haverá sempre lugar para a imprensa médica para leigos, desde que ela seja criteriosa e seus deveres estejam sempre sob fiscalização de Conselhos e de autocrítica. E dizendo sempre nas entrelinhas dos seus artigos!

Genericamente o assunto é este, mas quem sabe do seu problema é seu médico. Ele vai curá-lo.

 



Manuscrito bizantino do século XI em que o juramento de Hipócrates está escrito em forma de cruz.
(Biblioteca Vaticana)



Pedro Franco é médico cardiologista
RJ
pdaf35@gmail.com

 

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