01/06/2021
Ano 24

Semana 1.226



 
ARQUIVO de MÚSICA

 



Nelson Sargento

(1924-2021)



Cândido Luiz de Lima Fernandes



Nascido em 25 de julho de 1924, filho da empregada doméstica e lavadeira Rosa Maria da Conceição, Nelson foi criado no morro do Salgueiro, onde teve contato pela primeira vez com o samba. Aos 10 anos, já desfilava e tocava tamborim na escola Azul e Branco (que em 1953 iria se fundir com a Depois Eu Digo e resultar na Acadêmicos do Salgueiro). Mas na Mangueira, para onde se mudou aos 12 anos, ele iria construir a sua história. Após perder o marido, sua mãe foi morar com o pintor de paredes lisboeta Alfredo Lourenço, o Português, compositor de fados convertido em sambista.

O garoto, que aprendeu a tocar violão com Nelson Cavaquinho e que desde cedo compunha com seu padrasto, Alfredo Português, tinha um encontro com o destino. Logo se tornaria um dos baluartes da Mangueira, autor de alguns dos sambas-enredos mais importantes da história da escola, da qual virou presidente de honra. Ao lado do padrasto, conviveu com Cartola, Nelson Cavaquinho e Geraldo Pereira. Antes de estourar na música, porém, o artista fez um pouco de tudo: pintou paredes, trabalhou em uma fábrica de vidros e, na década de 1940, serviu no Exército, onde chegou à patente de sargento. Foi lá que ganhou o apelido Sargento, adotado profissionalmente mais tarde. Mas, com apenas quatro anos de caserna, Nelson pediu baixa e passou a cerrar fileiras em outro tipo de grupamento: o dos mais inspirados compositores da história do samba carioca. Depois do Exército, emendou uma série de sucessos compondo com o seu padrasto. Juntos, venceram o concurso de samba-enredo da Mangueira em 1949, com “Apologia ao mestre”, e 1950, com “Plano SALTE”, conquistando os campeonatos para a escola nos respectivos carnavais. Compuseram, em 1955, o samba-enredo "Primavera", também chamado de “As quatro estações do ano”, considerado um dos mais belos de todos os tempos.

O sucesso no carnaval consolidou a reputação de Nelson, que se juntou a outros ícones mangueirenses, como Cartola, Carlos Cachaça e Darcy da Mangueira. Tanto que, em 1958, tornou-se presidente da ala dos compositores. Na década de 1960 integrou formações seminais na história do samba, como A Voz do Morro (com Zé Kéti, José da Cruz, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho e Anescarzinho do Salgueiro) e Os Cinco Crioulos (com Mauro Duarte e de novo Elton, Jair, Paulinho e Anescarzinho). Com eles, participou do histórico show “Rosa de Ouro”, produzido por Hermínio Bello de Carvalho em 1965, no Teatro Jovem, em Botafogo.

Em quase um século de vivências, Nelson Sargento não apenas testemunhou como participou diretamente das diferentes mutações do samba. Um gênero em eterna agonia, que ele e seus parceiros sempre socorreram “antes do suspiro derradeiro”, como diz uma de suas músicas mais conhecidas, “Agoniza mas não morre”.

Sargento compôs com reforço de Jamelão "Cântico à Natureza" (ou "Primavera"), samba-enredo da Mangueira em 1955 — ano em que a escola ficou em segundo lugar no Carnaval carioca. Nelson chegou à Mangueira com 18 anos, quando se integrou à ala dos compositores da escola, por onde desfilou ininterruptamente até o Carnaval de 2020. No Carnaval de 2019, quando a Mangueira conquistou seu último título com um enredo que enfocava personagens esquecidos pelos livros de história, Nelson desfilou representando Zumbi dos Palmares. Nelson Sargento tinha cerca de 400 canções e 30 discos gravados.

Nélson integrou o conjunto A Voz do Morro, ao lado de Paulinho da Viola, Zé Kéti, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, José da Cruz e Anescarzinho. Entre seus parceiros de composição musical, estão Cartola, Carlos Cachaça, Darcy da Mangueira, João de Aquino, Pedro Amorim, Daniel Gonzaga e Rô Fonseca Foi autor de mais de 400 composições — muitas delas compostas no mesmo violão, que o acompanhou por mais de 50 anos. O instrumento foi comprado às pressas, de segunda mão, para que pudesse integrar o show “Rosas de Ouro”, dirigido por Hermínio Bello de Carvalho. Ao lado de Zé Kéti, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Anescarzinho do Salgueiro e Jair do Cavaquinho, formou o Voz do Morro, grupo que, nos anos 1960, desempenhou o fundamental papel de levar para o asfalto o samba criado nas favelas cariocas.

Lançado em 1979, seu primeiro álbum solo, “Sonho de um sambista”, inclui clássicos como “Agoniza mas não morre”. Gravado por inúmeros intérpretes, e tratado como uma espécie de hino por Beth Carvalho, é uma exaltação à resiliência do samba. Nelson costumava dizer que fazer música era essencialmente “contar histórias”. E canções como “Falso amor sincero”, também presente em seu álbum de estreia, são exemplo da inteligência e humor com que “narrava” essas histórias. A música tem um dos versos mais famosos do artista: “O nosso amor é tão bonito/ Ela finge que me ama/ E eu finjo que acredito”.

Nos últimos anos, a longa vivência de Nelson transformou-o numa espécie de museu vivo da cultura, fonte de consulta permanente para pesquisas e produção de livros e filmes. Ele testemunhou a transformação das escolas em gigantes comerciais, e viu o samba ganhar as gravadoras e as paradas de sucesso.

Nelson também explorou outras facetas, como a de artista plástico. Ao pintar o apartamento do jornalista e compositor Sérgio Cabral, foi estimulado a expor sete quadros de sua fase abstrata, em 1973. Em 2019, teve 14 obras expostas no Espaço Favela do festival Rock in Rio. .

Mesmo após os 90 anos, continuou fazendo shows — em um dos mais recentes, “Nelson Sargento com vida”, de 2017, contou com participações de Monarco, Criolo, Diogo Nogueira, Sandra de Sá e Alcione. Em 2019, desfilou como Zumbi dos Palmares no enredo "Histórias para ninar gente grande", que deu o último título do carnaval à Estação Primeira de Mangueira.

Foi também escritor e ator. Escreveu os livros "Prisioneiro do Mundo" e "Um certo Geraldo Pereira". Atuou nos filmes "O Primeiro Dia", de Walter Salles e Daniela Thomas, "Orfeu" de Cacá Diegues, e "Nélson Sargento da Mangueira" de Estêvão Pantoja, que lhe valeu a premiação do Kikito, no Festival de Gramado, pela melhor trilha sonora entre os filmes de curta metragem..

Faleceu em 27 de maio de 2021, aos 96 anos de idade, vitimado pela Covid-19 deixando o samba de luto e o Brasil desfalcado de um dos principais nomes da cultura do samba e do Carnaval. 


Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com


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Direção e Editoria
Irene Serra