Ano 24 - Semana 1.197 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 de novembro, 2020

Vanusa (1947-2020)



Cândido de Lima Fernandes


Na madrugada do domingo, dia 8 de novembro, perdemos a cantora Vanusa, que se destacou no cenário musical brasileiro com sua beleza e voz possante, especialmente na década de 70. Com dezoito discos lançados ao longo de sua carreira e mais de três milhões de cópias vendidas, a cantora e compositora era mais identificada com a canção popular do que com a MPB, mas flutuou entre gêneros como rock, funk americano e samba.

A cantora morreu de insuficiência respiratória, aos 73 anos, na casa de repouso onde vivia há mais de dois anos em Santos, no litoral de São Paulo. Não aparecia em público desde 2017, quando foi internada em uma clínica psiquiátrica para tratar de depressão e outros problemas gerados pelo uso excessivo de medicamentos controlados, que a deixaram muito debilitada. Entre os meses de agosto e setembro, ela esteve internada por algumas semanas no Complexo Hospitalar dos Estivadores com um quadro de pneumonia e anemia.

Vanusa Santos Flores nasceu em 22 de setembro de 1947 na cidade de Cruzeiro (SP), mas foi criada em Uberaba (MG), tendo começado sua carreira aos 16 anos, como crooner do conjunto Golden Lions. Em 1966, fez sucesso com a canção “Pra nunca mais chorar” e passou a se apresentar na TV Excelsior. Sua estreia se deu no programa de Eduardo Araújo. A cantora chamou a atenção da gravadora RCA Victor, que lançaria seu primeiro LP dois anos depois, com composições de sua autoria.

Também passou pela TV Record, onde participou das duas últimas edições do programa Jovem Guarda e atuou em "Adoráveis Trapalhões", ao lado de Renato Aragão e Wanderley Cardoso.

Em 1971, participou da sexta edição do Festival Internacional da Canção, onde apresentou "Namorada", música feita em parceria com Antônio Marcos, com quem se casou em 1972. O cantor participou diretamente da carreira de Vanusa com outras músicas, como “Coração americano”, escrita em parceria com Fagner. Com Antônio Marcos, Vanusa teve duas filhas, Amanda e Aretha. Ela também é mãe do ator Rafael Vanucci, fruto de seu casamento com o diretor de TV Augusto César Vanucci.

Ao longo da carreira, a cantora passou por diversos estilos musicais, desde a Jovem Guarda de suas primeiras apresentações até o rock em "What to do", faixa de seu álbum de 1973, que lhe rendeu comparações com a banda Black Sabbath. Depois de fazer muito sucesso com a canção, “Sonhos de um Palhaço”, de Antônio Marcos e Sérgio Sá, Vanusa gravou, em 1975, seu álbum mais ambicioso, “Amigos Novos e Antigos”. O título do disco vem de uma das faixas, composta por João Bosco e Aldir Blanc. A lista de autores reflete uma clara virada de Vanusa em busca de um repertório mais sofisticado. O mesmo álbum lhe traria seu grande sucesso: a canção "Manhãs de setembro", feita em parceria com Mário Campanha. Nessa faixa, Vanusa se arriscou como compositora e levou ao país os versos libertários da canção: “Eu quero sair/ eu quero falar/ eu quero ensinar o vizinho a cantar/ nas manhãs de setembro...”. O álbum conta também com músicas de Milton Nascimento, Fernando Brant, Fagner, Carlinhos Vergueiro, Luiz Melodia e Belchior, que concedeu a Vanusa o maior sucesso de sua carreira, “Paralelas”. Sua interpretação desta canção é impecável, com os versos contundentes “No Corcovado quem abre os braços sou eu/ Copacabana, esta semana, o mar sou eu/ como é perversa a juventude do meu coração/ que só entende o que é cruel, o que é paixão”.

O estilo romântico da faixa acabaria por marcar a trajetória de Vanusa. Nos anos seguintes, ela insistiu em compositores talentosos. Gravou de Assis Valente a Caetano Veloso, e conseguiu pelo menos mais um sucesso “Mudanças” (1979), parceria com Sérgio Sá, em que retorna ao mote da mulher em busca de superação: “Hoje eu vou mudar/ vasculhar minhas gavetas/ jogar fora sentimentos/ e ressentimentos tolos”. Em 1982 gravou a dramática "Basta um dia", de Chico Buarque, que faz parte da trilha da peça “Gota d’Água”, de autoria de Chico Buarque e Paulo Pontes, derivada de um trabalho de Oduvaldo Vianna Filho, que adaptou a peça grega clássica de Eurípedes sobre o mito de Medeia, para a televisão.

Vanusa é vista como uma precursora, ainda na década de 1970, na defesa pela luta das mulheres na MPB, ao lado de Rita Lee. Hoje um tema bastante explorado na música pop, a violência contra mulheres não ganhava a devida atenção do mundo artístico em 1981, quando Vanusa lançou a música "S.O.S. mulher". Composta pela artista, a canção abre com os versos "A mão que te acaricia/ É a mesma que te esbofeteia/ E a boca que te beija/ É a mesma que injuria/ O braço forte que lhe ampara/ É o mesmo que te bate na cara!".

A artista fez aparições no cinema, nos filmes "Pobre príncipe encantado", de Daniel Filho (1969), e "Com a cama na cabeça", de Mozael Silveira (1972). Ela também abriu espaço na carreira para seu lado de atriz no teatro e na televisão. Já tinha alguns trabalhos no currículo, inclusive o musical “Hair”, e em 1977 encabeçou o elenco de “Cinderela 77”. Nesta novela da TV Tupi, em clima de conto de fada, a atriz fez par romântico com Ronnie Von.

Nas décadas seguintes, Vanusa manteve a carreira ativa com o lançamento de discos e participações em diversos festivais de música no país e no exterior, como Uruguai, Coreia do Sul e Chile.

Em 1998, publicou sua autobiografia, intitulada "Vanusa - Ninguém é mulher impunemente", mas o livro foi apreendido no dia de seu lançamento devido a um impasse judicial com o cantor Wanderley Cardoso. A obra só voltaria às prateleiras um ano depois.

Em 2005, participou de eventos e shows comemorativos dos 40 anos da Jovem Guarda.

Em 2009, Vanusa protagonizou um episódio vexatório num evento na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ela cantou o Hino Nacional de forma bizarra, errando a letra e desafinando, e o vídeo viralizou na internet, o que lhe trouxe uma série de problemas psicológicos. Na época, ela contou que remédios para labirintite a deixaram desorientada na ocasião. Pouco tempo depois, sofreu um acidente doméstico, segundo ela também provocado pela labirintite. Por causa da queda, a artista precisou se submeter a três cirurgias na clavícula.

Em 2015, a cantora teve um novo momento de brilho em sua carreira com o álbum de inéditas “Vanusa Santos Flores”, projeto criado para ela por Zeca Baleiro. Lançado pelo selo do cantor, Saravá Discos, o álbum tem canções de compositores como Angela Ro Ro, Zé Ramalho e o próprio Baleiro.

Pouco tempo depois, começou a mostrar sinais de Alzheimer, interrompendo uma carreira de 18 álbuns e um reconhecimento popular como cantora extraordinária.

Descanse em paz, Vanusa!


Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com






 

Direção e Editoria
IRENE SERRA
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