Ano 23 - Semana 1.192 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 de outubro, 2020

Nana Caymmi canta

Tom Jobim e Vinicius de Moraes



Cândido de Lima Fernandes


Em artigo publicado em Rio Total há poucos meses, comentamos sobre o excelente álbum que Nana Caymmi lançou em homenagem a Tito Madi. Recentemente, a cantora está de volta com um novo álbum Nana, Tom, Vinicius, que presta homenagem a duas lendas da bossa nova - seu querido amigo e lendário compositor, Tom Jobim, e o poeta e letrista Vinicius de Moraes. O álbum, sob direção musical de Dori Caymmi, é composto por 12 faixas. A maioria das canções foram feitas em parceria pelos dois, mas há duas composições em que Vinicius assinou sozinho música e letra, Valsa de Eurídice e Serenata do adeus, e uma canção somente de Jobim, As praias desertas. Já está disponível na plataforma digital Sesc Digital.

Embora algumas pessoas possam criticar o disco como antigo ou mesmo previsível, ressalta-se que se trata de um álbum imune aos efeitos do tempo, pela beleza da voz de Nana, pelas canções consagradas por essa voz e pelos arranjos impecáveis de Dori Caymmi. De sua casa em Petrópolis, onde Dori vive desde que deixou Los Angeles, após 27 anos, ele escreveu os arranjos, que foram gravados pela Orquestra de São Petersburgo na Rússia. O disco possui uma qualidade excepcional que se conservará eternamente brilhante, acima dos padrões musicais de todas as épocas. Tudo em Nana, Tom, Vinicius é absolutamente sublime.

A primeira faixa, Eu sei que vou te amar, foi lançada como single em junho de 2020, tendo sido gravada em estúdio do Rio de Janeiro em abril de 2019, mês em que a cantora completou 78 anos de vida. Sua interpretação é suave, tendo ao fundo a beleza da Orquestra de São Petersburgo e o piano de Itamar Assiere.

Vem a seguir Sem você, canção pouco conhecida da dupla Tom e Vinicius, cujos versos “Você é o que resiste/ ao desespero e à solidão/ nada existe/e o mundo é triste/sem você” nos remetem às “canções de fossa” que Nana gravou no álbum em homenagem a Tito Madi. Também é pouca conhecida a terceira faixa, Luciana, em que, numa canção de aparente paz, o poeta adverte que “o amor é embriagador, mas também traz muita dor”.

Algumas das canções deste disco de Nana fazem parte do clássico álbum da divina Elizeth Cardoso (1920 – 1990) dedicado ao cancioneiro de Tom e Vinicius, lançado em maio de 1958, intitulado Canção do Amor Demais, que é celebrado por alguns críticos como o marco zero da bossa nova, por ter tido o violão de João Gilberto (1931 – 2019) em duas de suas faixas. Nas faixas As praias desertas, Janelas abertas, Serenata do Adeus, Modinha, Canção do amor demais, além da citada Luciana, a cantora experimenta tons mais suaves na interpretação de canções consagradas na voz de Elizeth, cujo estilo próprio de cantar reforça o efeito dramático.

O repertório selecionado por Nana tem também algumas interseções com o cancioneiro gravado pela cantora carioca Lenita Bruno (1926 – 1987) com composições de Tom e Vinicius, editado em 1959, um ano após o disco de Elizeth. Este é o caso de Por toda a minha vida, Sem você, Valsa de Orfeu e Soneto da Separação.

O álbum fecha com a belíssima composição Se todos fossem iguais a você (“Existiria a verdade/ verdade que ninguém vê/ se todos fossem no mundo/ iguais a você”), magistralmente interpretada por Nana. Ao cantar Tom e Vinicius, Nana Caymmi soa intensa – por vezes até dramática ou lindamente suave como no canto de Se todos fossem iguais a você – sem jamais pisar no pantanoso terreno do sentimentalismo piegas.

A excelência dos arranjos reafirma a maestria e brilhantismo de Dori Caymmi. O uso da orquestra foi feito com doses precisas. As cordas estão em todo o disco, mas sem ofuscar a delicadeza do toque do piano de Itamar Assiere ou do sopro das flautas de Daniel Allain e Teco Cardoso – e cabe ressaltar que as flautas são marcas registradas nos arranjos criados e regidos por Dori.


Afinada com esse tradicionalista universo musical, Nana jamais sai do tom. Nana é a cantora que “chora dentro do coração” em Modinha, que interioriza o desespero de Canção do amor demais e que, com a devida solenidade, faz o juramento de amor eterno que pauta em Por toda minha vida e soluça sua dor no Soneto de separação. Como a intérprete explicita no canto triste do Soneto da separação, “do momento imóvel fez-se o drama” ao longo de todo o álbum Nana, Tom, Vinicius.

No tempo eterno das canções do amor demais de Tom e Vinicius, Nana Caymmi se confirma cantora tão imortal como os compositores que louva neste álbum irretocável.


Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email:
candidofernandes@hotmail.com






 

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