Ano 22 - Semana 1.141

 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 de setembro, 2019


Milton Nascimento será agraciado com o

Prêmio do Compositor Brasileiro


pelo conjunto da obra

 

Cândido Luiz de Lima Fernandes


Milton Nascimento é o artista escolhido este ano para ser agraciado com o Prêmio do Compositor Brasileiro, criado pela União Brasileira de Compositores (UBC), em 2017. A entrega do Prêmio será no próximo dia 15 de outubro, em cerimônia restrita a convidados na sede da UBC, no Rio de Janeiro. Este prêmio já foi concedido a Gilberto Gil na primeira edição, em 2017, e a Erasmo Carlos, em 2018.

Esta homenagem a Milton Nascimento é mais que merecida. O nosso Bituca, nascido no Rio de Janeiro em 26 de outubro de 1942, é reconhecido mundialmente como um dos mais influentes e talentosos cantores e compositores da MPB. O menino criado em Três Pontas, no Sul de Minas Gerais, levou seu canto para além das montanhas e tornou-se um cidadão do mundo. Tornou-se conhecido nacionalmente, quando a canção "Travessia", composta por ele e Fernando Brant, ganhou o segundo lugar no Festival Internacional da Canção, de 1967. Cantou com amigos de todo o mundo e de todas as tendências musicais. De Wayne Shorter aos Povos da Floresta, passando por Elis Regina, Peter Gabriel, Tom Jobim, Herbie Hancock, Jon Anderson, Chico Buarque, James Taylor, Mercedes Sosa, Pena Branca e Xavantinho, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Já recebeu 5 prêmios Grammy. Em 1998, ganhou o Grammy de “Best World Music Album in 1997”. Ao longo de sua carreira apresentou-se em diversos países da América do Sul, América do Norte, Europa, Ásia e África.

Centenas de cidades em todo o mundo já registraram sua admiração pelo cantor. Apresentou-se em Viena, na mesma sala onde Mahler apresentou sua Segunda Sinfonia. Em Paris, o então presidente François Mitterrand adiou a reabertura do Museu do Louvre para poder assistir ao show de Milton no Park de La Villete. Em Los Angeles, teve seu nome registrado no Royce Hall, onde Einstein apresentou sua Teoria da Relatividade. Na Filadélfia, recebeu uma réplica do Sino da Liberdade. Em suas andanças pelo mundo, Milton se aliou a várias campanhas e recebeu diversas homenagens. Foi agraciado com a Ordem do Rio Branco, a Medalha da Inconfidência e a Medalha Alferes Tiradentes. Recebeu a chave da cidade de Nova York; foi feito Cavalheiro das Artes e das Letras da República Francesa. Participa da Aliança dos Povos da Floresta, da Anistia Internacional, da Fondation France Libertés; atua junto ao Greenpeace. O sucesso nos palcos dos mais de vinte países onde Milton sempre cantou o Brasil é a legitimação de seu talento. Talento que lhe rende aplausos de pessoas que falam as mais diversas línguas, numa única linguagem: a do coração, expressa na sua música. Talento que colocou seu nome diversas vezes nas listas dos melhores das publicações "Down Beat" e "Billboard".

Sem qualquer semelhança com nenhum compositor pré-existente, Milton construiu uma obra única que fundiu, com mistura fina, sons da MPB, do jazz, da música latino-americana, do samba-jazz, da música sacra, das trilhas das Gerais – inclusive o barulho do trem que atravessa toda a obra desse compositor de origem acidentalmente carioca e alma mineira – e do rock feito no universo pop dominado nos anos 1960 pelos Beatles.

Não pretendo abordar aqui toda a vasta obra de Milton Nascimento. Até agora, Milton Nascimento já gravou 34 álbuns Somente o cancioneiro criado entre 1967 e 1979 – com os parceiros Fernando Brant, Márcio Borges e Ronaldo Bastos – já seria suficiente para inserir o artista entre os maiores compositores do mundo em todos os tempos. É difícil dizer de qual disco dele que gosto mais. O primeiro contato que tive com sua música foi através do compacto simples, “Barulho de Trem”, de 1964. Eu era estudante no Colégio Estadual de Minas Gerais e um dia entrou na sala de aula um jovem e tímido compositor vendendo, ele mesmo, este compacto. Em 1967 foi lançado o LP “Travessia”, que escuto até hoje, no qual destaco, além da canção-título, as lindas músicas “Crença”, “Irmão de Fé”, “Canção do Sal”, ”Morro Velho” e “Outubro”. Do LP “Milton Nascimento”, de 1969, me emocionam “Tarde”, “Beco do Mota”, “Aqui Ó” e “Pai Grande”.

Dos discos lançados nos anos 70, um dos meus preferidos é “Milton”, de 1970, no qual, acompanhado pelo Som Imaginário, canta “Para Lennon & McCartney”, “Clube da Esquina”, ”Canto Latino” e Durango Kid”. Em 1972 foi lançado o clássico “Clube da Esquina”, com 21 faixas, em que canta “Tudo o que você podia ser”, “Cravo e Canela”, “ Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, “Clube da Esquina nº 2”, “Paisagem da Janela”, “Me Deixa em Paz” (com Alaíde Costa) e “Nada Será como Antes”, além tantas outras lindas canções. 1973 foi o ano de “Milagre dos Peixes” e 1974, de “Milagre dos Peixes ao Vivo”, com 16 faixas, inclusive a belíssima “Cais”. “Minas” (título formado pelas primeiras letras do seu nome e sobrenome), de 1975, nos traz “Fé Cega, Faca Amolada”, “Saudades dos Aviões da Panair” (que seria depois imortalizada na voz de Elis Regina), “Beijo Partido” (do querido Toninho Horta) e “Ponta de Areia”, entre outras canções. No “Milton”, de 1976, destaco “Raça”, canção de força indescritível. Também desse ano, “Gerais” nos brinda com “Calix Bento” (do meu amigo Tavinho Moura), “Fazenda” (do meu colega de Colégio Estadual, Nelson Ângelo), a emocionante “Menino” (“Quem cala sobre teu corpo consente na tua morte...”), a impressionante interpretação de “O Que Será” (“À Flor da Pele”), de autoria de Chico Buarque, parceiro em ”O Cio da Terra”, além de “Volver a los 17”, que canta lindamente com Mercedes Sosa. Em 1978 foi a vez de ”Clube da Esquina 2”, no qual destaco “Credo”, “Paixão e Fé” (parceria com Tavinho Moura), “Mistérios (de autoria de Joyce e Maurício Maestro), a belíssima “Nascente” (de autoria dos meus amigos Flávio Venturini e Murilo Antunes), “O que Foi Feito de Vera (O que Foi Feito Deverá)”, que canta com Elis Regina e a maravilhosa “Maria, Maria”, que, mais tarde esta cantora também gravou.

Dentre os discos lançados nos anos 80, não poderia deixar de destacar o “Sentinela”, de 1980, que, em que, além da canção-título e outras lindas músicas”, Milton canta “Canção da América”, também imortalizada na voz de Elis Regina. “Caçador de Mim”, de 1981, nos traz a canção-título, de Sérgio Magrão e Luís Carlos Sá, além de “Nos Bailes da Vida” “Coração Civil” e outras canções.. “Ânima”, de 1982, nos presenteia, entre outras, com “Comunhão”, “Certas Canções” e a música-título, composta.em parceria com Zé Renato. “Milton ao vivo”, de 1983, tem as belíssimas “Coração de Estudante” e “Um Gosto de Sol” . No disco “Encontros e Despedidas”, de 1985, destaco a faixa-título, composta em parceria com Fernando Brant (cuja letra diz “E assim, chegar e partir são só dois lados da mesma viagem”). “Miltons”, de 1988 nos traz, entre outras, a arrepiante ”San Vicente” e a linda “Fruta Boa”.

Dos discos lançados nos anos 90, gosto muito de “O Planeta Blue na Estrada do Sol”, de 1991 (com as interpretações de “Um Índio”, “Beatriz”, “Luar do Sertão” e “Estrada do Sol”). Aprecio muito “Amigo”, de 1995, com “Paula e Bebeto”, “Bola de Meia, Bola de Gude” e a impressionante interpretação de “Panis Angelicus”. “Nascimento”, de 1997, apresenta, entre outras “Guardanapos de Papel, “Levantados do Chão” e “O Rouxinol”. “Tambores de Minas” foi o show mais bonito a que assisti de Milton Nascimento, com direção de Gabriel Vilela. No CD de mesmo nome, de 1998, destaco as interpretações de “Canções e Momentos”, “San Vicente”, “Caçador de Mim” e “Corsário”.

Dos discos lançados a partir dos anos 2000 não poderia deixar de mencionar: “Gil & Milton”, de 2000, realmente um encontro histórico; o belo “Pietà”, de 2002, com “Tristesse”, “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor” e outras lindas canções; “Novas Bossas”, de 2008, com o Jobim Trio; e “...E a Gente Sonhando”, de 2010, com novos autores e novas parcerias.

Em 2019 Milton Nascimento vem apresentando em várias cidades do Brasil e no exterior um show em que reuniu, pela primeira vez, canções dos discos Clube da Esquina 1 e 2, lançados, respectivamente, em 1972 e 1978. Ao lado de Wilson e Beto Lopes (guitarras e violões), Alexandre Ito (baixo), Ademir Fox (piano), Widor Santiago (metais), Lincoln Chebib (bateria), Zé Ibarra (vocais) e Ronaldo Silva (percussão), Bituca apresenta em um lindo show dedicado a Lô Borges, autor de “Clube da Esquina no 2”, “Tudo o que você podia ser” “Paisagem da Janela”, “Nuvem Cigana”, “Trem azul”, “Um girassol da cor do seu cabelo”, dentre as 23 canções cantadas por Milton. Neste show Bituca toca violão, sanfona e piano. Um dos momentos mais especiais é “Lília”, faixa instrumental do primeiro disco, composta em homenagem a Lilia Campos, mãe de Bituca. "Essa música não tem letra, porque não existem palavras no mundo que possam definir a beleza desta mulher", afirmou.

Mais extrovertido neste show, Milton conta para o público algumas histórias do Clube da Esquina, o movimento surgido nos anos 1970 em Minas Gerais, que mudou a história da MPB. Recorda a amizade com o letrista Márcio Borges, irmão de Lô. Também volta aos tempos de infância em Três Pontas, onde foi criado pelos pais adotivos, Lilia e Josino Campos, com a recordação do primeiro violão que ganhou de presente. Outra homenageada é Elis Regina, musa de Milton, que interpretou “O Que Foi Feito Deverá (De Vera)”. Os dois dividiram os vocais nessa faixa do Clube 2.

Além das músicas citadas, Milton canta “Clube da Esquina 1”, “Clube da Esquina 2”, “Mistérios”, “Cravo e Canela”, “Casamento de Negros”, “Dos Cruces”, “Um Gosto de Sol”, “Maria, Maria” e “Paula e Bebeto”. Um dos pontos altos do show é a linda interpretação de ”San Vicente”, na voz de Zé Ibarra.

A turnê estreou na cidade de Juiz de Fora (MG), onde Milton hoje mora com o filho, Augusto Kesrouani, e três cachorros (John, Bituquinha e Txai). Em 28, 30 e 31 de março, a turnê Clube da Esquina chegou ao Palácio das Artes, em Belo Horizonte, cidade em que vai se apresentar novamente em 15 de dezembro, no Anfiteatro do Mineirão. Depois, seguiu para Jaguariúna (SP), em 6 de abril; Brasília, em 13 de abril; São Paulo, em 27 e 28 de abril; Rio de Janeiro, em 17, 18 e 24 de maio; e Curitiba, em 1º de junho. No meio do ano, Milton se apresentou na Europa – França, Espanha, Suíça, Holanda e Portugal. De volta ao Brasil, retomou a turnê, com shows em Ribeirão Preto (SP), João Pessoa (PB) e Recife (PE). Em 11 de outubro se apresentará em Santos e em 25 de outubro em Porto Alegre. Em 7 de novembro se apresentará em Brasília, em 9 de novembro em Goiânia e em 24 de novembro em Salvador. Em janeiro de 2020, faz novos shows em São Paulo (no dia 17) e no Rio de Janeiro (no dia 25), encerrando sua turnê.

Para quem ainda não viu, a agenda acima abre algumas oportunidades de assistir a este show imperdível.


 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email: candidofernandes@hotmail.com






 

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