Ano 22 - Semana 1.137

 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 agosto, 2019


“Claros breus”

a nova turnê de Maria Bethânia

 


 

Cândido Luiz de Lima Fernandes

Maria Bethânia completou em junho 73 anos de vida e, no mês seguinte, retornou aos palcos com o novo show, “Claros breus”. Desta vez, antes de iniciar sua turnê, que percorrerá Brasil e Portugal a partir de agosto, fez quatro apresentações no intimista Clube Manouche no Rio de Janeiro. Conta-se que a cantora gracejou: “Enfim, sós!” no palco do Manouche para os cerca de cem privilegiados espectadores que assistiram à estreia do show na noite de quinta-feira, 4 de julho.

Este show percorrerá algumas capitais brasileiras a partir de agosto, em palcos maiores. Começou em São Paulo, onde a cantora se apresentou nos dias 02 e 03 de agosto, no Credicard Hal. Depois a turnê seguirá para Portugal (Lisboa e Porto) em setembro, retornando ao Brasil para shows no Rio de Janeiro, nos dias 04 e 05 de outubro, no Km de Vantagem Hall; em Porto Alegre, no dia 5 de novembro, no Salão de Atos da PUC-RS; em Belo Horizonte, no dia 23 de novembro, no Palácio das Artes; em Recife no dia 30 de novembro, no Chevrolet Hal e em Salvador, no dia 8 de dezembro, na Concha Acústica. Outras datas e locais ainda serão agendados.

Neste show, Bethânia fica em estado de poesia, cantando, na melhor das formas vocais, um roteiro de 37 músicas, que inclui muitas canções inéditas, outras inéditas na sua voz, músicos que tocam com ela pela primeira vez e também nova direção musical e arranjos. A cantora quis fazer diferente desta vez: mostrar as músicas inéditas ao público no show e depois registrá-las mais tarde em disco. O lançamento de seu novo trabalho, “Claros breus”, está previsto para o segundo semestre, cinco anos depois de “Meus quintais”.

O maestro baiano Letieres Leite (mentor da Orkestra Rumpilezz) assina a direção musical e arranjos, acompanhado de Jorge Hélder (contrabaixo), único parceiro de outros shows e trabalhos; de Carlinhos 7 cordas, (violões de 6 e 7 cordas); de Pretinho da Serrinha (percussões acústica e eletrônica); e dos também baianos Marcelo Galter (piano e sintetizador) e Luisinho do JêJe (percussões acústica e eletrônica). A direção e o cenário são de Bia Lessa e o desenho de luz é de Binho Schaefer e Bia Lessa.

Além de arranjos diferentes, a cantora traz parcerias inusitadas. Bethânia mostra músicas inéditas da Adriana Calcanhoto, Chico César e Roque Ferreira. Canta também Lenine, Suely Costa, Chico Buarque e Caetano, entre outros. No show estão canções ainda desconhecidas do público, como “A flor encarnada”, de Adriana Calcanhoto, “Músicas, música”, de Roque Ferreira” e “Luminosidade”, de Chico César, ao lado das muito conhecidas “Sábado em Copacabana”, de Dorival Caymmi e Carlos Guinle; “Tocando em Frente”, de Almir Sater e Renato Teixeira; “Gente” e “Sampa”, de Caetano Veloso;”Sangrando” e “Grito de alerta”, de Gonzaguinha; “Brincar de viver”, de Guilherme Arantes e Jon Lucien; e “De todas as maneiras”, “Olhos nos olhos” e “Rosa dos ventos”, de Chico Buarque.

O show começa com “Pronta pra cantar”, de Caetano Veloso, seguida de “Drama”, do mesmo autor. Logo após, Bethânia canta ”A flor encarnada”, música inédita de Adriana Calcanhoto. Brilha na interpretação da balada “O universo na cabeça do alfinete”, de Lenine e Lula Queiroga. Emenda, em seguida, “Quando eu soltar a minha voz“, o primeiro verso de “Sangrando”, a bela composição de Gonzaguinha. "Não me peça o que eu não quero ter", sentencia a cantora, imperativa, em verso de ”Juntar o que sentir” de Renato Teixeira, outra música surpreendente do roteiro. A seguir vem “De todas as maneiras”, de Chico Buarque, com toda intensidade.

Em “Claros breus”, Bethânia também se deixa seduzir pelas femininas “Pernas”, de Sérgio Ricardo, nos contornos de samba inédito na voz da artista. “Não tire da minha mão esse copo", ordena novamente, através de verso de “Gota de sangue” de Ângela Ro Ro, música que gravou há 40 anos. Não poderia deixar de cantar “Lama”, de Paulo Marques e Aylce Chaves, canção de 1952 que diz: “se meu passado foi lama, hoje quem me difama viveu na lama também”. Depois vem a linda “Sampa”, de Caetano Veloso, música inédita na voz de Bethânia.

Bethânia dá novas asas a “Anjo exterminado”, de Jards Macalé e Waly Salomão e interpreta lindamente o samba “Cobras e lagartos” de Sueli Costa e Hermínio Bello de Carvalho – “Nunca mais vai beber as minhas lágrimas” – antes de cair no suingue do samba do Recôncavo da sua terra Bahia na cadência aliciante de “A beira e o mar”, de Roberto Mendes e Jorge Portugal.

No segundo ato, faz o público arrepiar ao interpretar “Olhos nos olhos”, de Chico Buarque e “Grito de alerta”, de Gonzaguinha, a capella . Surpreende com “Evidências”, clássico do sertanejo eternizado por Chitãozinho e Xororó. Sorve toda a sensualidade feminina contida em “Da taça“, embriagante e abolerada canção sentimental de autoria de Chico César. Reconduz o espectador ao seminal porto afro-brasileiro com “Yayá Massemba”, de Roberto Mendes e José Carlos Capinam, tema que evoca negritudes ancestrais na sequência do arrebatador solo de percussão de Luizinho do JêJe.

Ao dar voz a esse Brasil negro que pulsa nas entranhas do nosso povo, Bethânia encontra sentidos ocultos em “Sinhá”, de João Bosco e Chico Buarque e reconta “História pra ninar gente grande”, de autoria de Tomaz Miranda, Deivid Domênico, Mama, Márcio Bola, Ronie Oliveira, Danilo Firmino e Manu da Cuíca, samba-enredo campeão da Mangueira em 2018.

A seguir, interpreta “Caipira de fato”, de Adauto Santos e “Águia nordestina”, de Chico César. Vem logo após a belíssima “Sonho impossível” (“The impossible dream”), de Joe Darion e Mitch Leigh, em versão em português de Chico Buarque e Ruy Guerra.

A canção “Luminosidade” – inédita de Chico César – põe “Claros breus” em altar sagrado. E, nesse altar, a deusa música e o canto são reverenciados por Bethânia nos versos de “Sete trovas”, de Consuelo de Paula, Rubens Nogueira e Etel Frota, com o mesmo fervor e devoção com que a vida é louvada em “Músicas, música”, inédita do compositor Roque Ferreira. A seguir, canta “Imagens”, de Sueli Costa, sobre poema de Cecília Meireles. Não poderia faltar “Tocando em frente”, de Almir Sater e Renato Teixeira, que deixa o público extasiado: “ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais”... Canta com força e alma a belíssima “Rosa dos ventos”, de Chico Buarque.

Arrasa em “Bar da noite”, de Bidu Reis e Haroldo Barbosa e volta, antes de o pano se fechar, para interpretar divinamente “Encanteria”, de Paulo César Pinheiro. No bis, canta “Purificar o Subaé”, de Caetano Veloso e “O que é o que é”, de Gonzaguinha.

Para os cariocas que não tiveram a oportunidade de assistir ao show no mês de julho, recomendo que comprem logo seus ingressos para o dia 04 ou 05 de outubro, antes que esgotem. Não percam este show realmente iluminado, que, mais uma vez, ratifica o imensurável dom de Maria Bethânia.


 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email: candidofernandes@hotmail.com






 

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IRENE SERRA
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