Ano 22 - Semana 1.121

 

 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 de abril, 2019


Nana Caymmi canta Tito Madi

 


 

Cândido Luiz de Lima Fernandes


Como o título já indica, Nana Caymmi canta Tito Madi é uma homenagem a Chauki Maddi (12 de julho de 1929 – 26 de setembro de 2018), compositor, cantor e pianista paulista que mergulhou com sofisticação no universo da chamada “música de fossa”, das dores de amor do samba-canção. No Brasil, não há melhor porta-voz de paixões saudosas e desejos impossíveis, temas constantes em clássicos do samba-canção, do que Nana Caymmi. Quando ainda era adolescente, ela ouviu vários exemplares do gênero na voz de Tito Madi, à época em que este se apresentava nas boates de Copacabana, no Rio de Janeiro. Uma das primeiras paixões musicais da cantora, o cancioneiro de Tito Madi sempre guardou afinidades com o canto de Nana. Tanto que, ao regravar “Cansei de ilusões” há 32 anos para o álbum Quem é da noite canta (1987), Madi convidou Nana para um dueto. Neste CD Nana presta a Madi o tributo que a cantora Claudette Soares lhe fez há 43 anos no álbum Fiz do amor o meu canto (1976) e que Emilio Santiago (1946 – 2013) não teve tempo de fazer. O projeto começou em 2013, depois que Emílio Santiago falou da ideia do tributo a um dos personagens mais robustos do samba-canção. Emílio morreu naquele ano e Nana, amiga íntima do cantor, decidiu levar a ideia adiante. Entretanto, acabou priorizando outros trabalhos, como o disco em homenagem ao pai, Dorival Caymmi, e o projeto foi adiado. Tito Madi ficou muito feliz em saber das gravações. O homenageado escutou o álbum ainda em fase de finalização e o avalizou. Dois dias depois, foi internado e morreu em 26 de setembro de 2018, aos 89 anos. "Demoramos demais", diz Nana. "Fiquei muito abatida". Planejado para ser uma homenagem em vida, Nana Caymmi canta Tito Madi passa a transcender a admiração da cantora por ele. Simboliza a vontade de que a obra de Tito não seja esquecida e possa ser redescoberta. Interpretada por uma das maiores cantoras brasileiras, ela alcança a eternidade.

Como se sabe, Tito Madi foi um farol para aqueles que, com a bossa nova, mudaram os parâmetros harmônicos e poéticos da canção brasileira. Todavia, mesmo convidado para as reuniões do movimento no apartamento de Nara Leão por admiradores como Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal, ele jamais apareceu. Entretanto, não deixou de dar sua contribuição ao estilo com o clássico “Balanço Zona Sul”, que fecha o disco da cantora. Nana Caymmi dá voz às ilusões e paixões de Tito Madi de um modo impecável. Hoje com 77 anos, encontra-se em plena forma vocal, entendendo mais do que nunca as dores (e algumas delícias) do amor. Sua voz está brilhante, emocionada, precisa. É como se Nana esperasse desde a juventude o momento exato para interpretar uma obra de alta voltagem emocional que lhe serve de referência. Em Nana Caymmi canta Tito Madi, a cantora interpreta onze canções clássicas de Tito Madi, em uma rigorosa produção de estúdio, da qual participam José Milton, produtor dos discos da cantora há 25 anos e os arranjadores Dori Caymmi, irmão que Nana define como uma pessoa-chave em sua trajetória, e o pianista Cristóvão Bastos, um dos autores do sucesso “Resposta ao Tempo”, por ela divinamente interpretado.

As duas primeiras faixas do CD são os standards da obra de Tito Madi, como a valsa “Chove lá fora” (1957) e o samba-canção “”Cansei de ilusões” (1956) – com a melancolia acentuada pelo trompete com surdina soprado por Jessé Sadoc. A seguir, Nana canta lindamente “Carinho e Amor” (1959), emendando com “Não Diga Não” (1954), com arranjo e violão de Dori e piano de Itamar Assiere. "Não Diga Não" entrou na trilha sonora da novela "Babilônia" (2014), após Gilberto Braga, autor da trama, ligar para Nana solicitando uma música para a trilha sonora da novela. “Não diga não” já havia sido também gravada, com arranjo de voz e piano, no belo álbum Voz e suor (1983), dividido pela cantora com Cesar Camargo Mariano. Em seguida, entra o bandolim de Marcílio Lopes em “Quero-te assim”, valsa originalmente gravada pelo cantor Luiz Cláudio em 1957, sendo posteriormente registrada pelo próprio Tito Madi e pelo Trio Nagô, entre outros. Nas faixas “Canção dos olhos tristes” (1961), “Graças a Deus você voltou” (1961), “E a chuva parou” (de autoria de Ribamar, Victor Freire e Esdras Pereira da Silva, 1957) – única das onze músicas sem a assinatura de Madi, mas de presença justificada no CD pelo fato de ter sido lançada pelo cantor em disco de 1957 – e “Sonho e saudade” (1960) o álbum caminha por um registro nostálgico, noturno, invernal, sem pressa e sem gingas. Nana obedece à dinâmica dos pianíssimos da primeira gravação, usando um tom mais baixo, mas chegando onde quer e com a voz sobrando. Sua emoção está lá, intacta e verdadeira. Na penúltima faixa, “Gauchinha bem querer” (1957), o acordeon tocado pelo pianista Itamar Assiere chega a soar bissexto e Nana canta com sutil sotaque que identifica a prosódia do povo do sul do Brasil. A última faixa, “Balanço zona sul” (1963), espécie de “Garota de Ipanema” do cancioneiro de Madi, Nana registra a bossa perseguida com improvável leveza, com a adesão vocal de Dori Caymmi, no arranjo feito por Cristovão Bastos. Em “Balanço zona sul” Nana faz a primeira parte aliviando a marcação da bateria de Jurim Moreira, reforçando o piano de Cristóvão Bastos e deixando o esquenta para a entrada da voz de Dori.

Nana Caymmi demorou dez anos para lançar um álbum solo após Sem poupar coração (2009). Mas está procurando compensar o tempo perdido. Na sequência quase imediata da edição do disco Nana Caymmi canta Tito Madi, lançado no fim do mês de março de 2019, a cantora entra em estúdio para gravar um outro songbook dedicado ao cancioneiro de um compositor. Desta vez, um disco com músicas do grande compositor Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994). Nana pretende começar a gravar este outro álbum na segunda quinzena de abril, mês em que completará 78 anos de vida, na cidade natal do Rio de Janeiro. O álbum será gravado com orquestra e com arranjos de Dori Caymmi. O repertório incluirá músicas como “As praias desertas” (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958).

Procurem nas plataformas digitais ou comprem no site da Biscoito Fino, mas não deixem de ouvir este belo disco de Nana Caymmi que fez em homenagem a Tito Madi.

 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email: candidofernandes@hotmail.com






 

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