Ano 22 - Semana 1.117

 

 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 de março, 2019


bibi ferreira

(1922-2019)


Cândido Luiz de Lima Fernandes


Em fevereiro último nos deixou uma das maiores artistas brasileiras de todos os tempos, a querida e admirável Bibi Ferreira. Bibi, cujo nome era Abigail Izquierdo Ferreira, nasceu em 1º de junho de 1922, no Rio de Janeiro. Era filha do ator Procópio Ferreira e da bailarina espanhola Aída Izquierdo. Além de uma carreira multivariada de apresentadora, cantora, compositora e diretora, é considerada a primeira-dama do teatro brasileiro. Tendo estreado nos palcos com apenas 20 dias de idade, é considerada dentre as atrizes brasileiras aquela com uma das carreiras mais longevas. Artista multimídia, Bibi ao longo de uma belíssima carreira fez inúmeras peças, apresentou programas de TV, gravou discos e dirigiu shows. Tudo sem nunca abandonar o teatro, sua grande paixão.


Foi nos anos 1960 que Bibi estrelou dois dos musicais mais marcantes de sua carreira. O primeiro foi "Minha querida dama" ("My fair lady"), de Frederich Loewe e Alan Jay Lerner, adaptação de "Pigmaleão", de George Bernard Shaw. No espetáculo, atuou ao lado de Paulo Autran (1922-2007) e Jaime Costa (1897-1967). O outro trabalho marcante foi "Alô, Dolly!" (Hello, Dolly!), versão da obra "The matcmaker", de Thornton Wilder, com Hilton Prado e Lísia Demoro.

Já na década de 1970, Bibi foi o principal nome de "O homem de La Mancha", musical de Dale Wasserman, dirigido por Flávio Rangel e com letras adaptadas para o português por Chico Buarque. Fez o papel de Dulcinéa, ao lado dos grandes atores Paulo Autran e Grande Otelo. Esta peça ficou muito tempo em cartaz no extinto Teatro Adolfo Bloch, na Praia do Flamengo.

A artista deixou ainda seu nome marcado na casa de shows Canecão, no Rio, ao dirigir o espetáculo "Brasileiro, profissão esperança", de Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), produção inspirada na obra dos compositores Dolores Duran e Antonio Maria. No início, o show foi apresentado no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, com Ítalo Rossi e Maria Bethânia nos papéis centrais. Mas depois o musical foi reformulado e ampliado. Passou, então, a ser protagonizado por Paulo Gracindo e Clara Nunes, transformando-se em um dos maiores sucessos da história do Canecão.

Em 1975, Bibi recebeu o Prêmio Molière pela interpretação da personagem Joana, de "Gota d’água", de Paulo Pontes e Chico Buarque, montagem que ambientava a tragédia "Medeia", de Eurípedes, em um morro carioca. Traída por Jasão, Joana/Medeia vinga-se matando os filhos que tivera com ele. Tive oportunidade de assistir a este belo espetáculo nos anos 1970. A tragédia de Eurípedes, ambientada pelos autores à realidade brasileira, ganhou amplitude insuspeitada. Esta peça tornou-se marcante, inolvidável, sobretudo pela impressionante interpretação de Bibi, tomada pela personagem trágica, a ponto de levar a platéia à catarse. Nunca me esqueci de Bibi naquele palco, a gritar seu ódio de mulher traída e decidir-se pela vingança mais infame.

Em 1983 voltou aos palcos com o espetáculo “Piaf, a Vida de uma Estrela da Canção”, de grande sucesso de público e crítica. Bibi interpretou a cantora francesa com maestria e seu trabalho foi considerado tão perfeito que mesmo pessoas que conheceram Edith Piaf se espantaram com o nível de semelhança entre as duas. Por sua atuação recebeu os prêmios Mambembe e Molière, em 1984 e, no ano seguinte, da Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (APETESP) e Governo do Estado. Este espetáculo, que fez muitas viagens, permaneceu seis anos em cartaz e, em quatro anos, atingiu um milhão de espectadores, incluindo uma temporada em Portugal, com atores portugueses no elenco. Por ter cantado e contado a vida de Piaf nos palcos, Bibi Ferreira foi premiada, em 2009, com a Comenda da Ordem e das Letras da República Francesa, o prêmio máximo da cultura na França.

Nos anos 90, Bibi Ferreira completou 50 anos de trajetória artística com o espetáculo "Bibi in Concert". No início dos anos 2000, fez mais um trabalho impressionante ao interpretar a fadista Amália Rodrigues (1920-1999) no espetáculo "Bibi vive Amália". Anos mais tarde, já no final de sua carreira, interpretou músicas de Frank Sinatra. Foi enredo da Viradouro no Carnaval do Rio em 2003.

Em 2009, em homenagem ao Ano da França no Brasil, ela retornou ao Teatro Maison de France para reviver o musical "Bibi Canta e Conta Piaf". Em 2013, levou o "Bibi in Concert” para Nova York e se apresentou na Broadway pela primeira vez. Foi comparada com Ella Fitzgerald pelo jornal "New York Post" e ganhou um dueto com Liza Minelli, filha de Judy Garland, cantando "New York, New York”.

Recentemente, teve a vida e obra contadas no espetáculo "Bibi, uma vida em musical", escrito por Artur Xexéo e Luanna Guimarães, com direção de Tadeu Aguiar. Na montagem, a protagonista foi interpretada por Amanda Costa. Em março de 2018, já aos 95 anos, Bibi foi assistir a uma apresentação do musical, então em cartaz em um teatro no Rio de Janeiro e fez o público se emocionar ao chorar cantando, da plateia e sem microfone, uma música de Edith Piaf (1915-1963).

Aos 95 anos, fez sua turnê de despedida com “Bibi - Por Toda Minha Vida”, espetáculo só com músicas brasileiras. Em setembro de 2018, Bibi anunciou sua aposentadoria dos palcos, após 77 anos de carreira. Sempre ativa, com espetáculos diferentes em perspectiva, ela estava na época ensaiando um novo show dedicado ao cancioneiro de Dorival Caymmi. O repertório estava quase escolhido e a banda começava a ensaiar quando ela decidiu não mais se apresentar ao vivo. Em uma nota oficial, Bibi disse que seguiria "uma vida mais reclusa, com a família e seus amigos mais íntimos”. Morreu aos 96 anos em seu apartamento no bairro do Flamengo, no dia 13 de fevereiro de 2019, vítima de uma parada cardíaca. Grande e inesquecível Bibi. Descanse em paz.

 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email: candidofernandes@hotmail.com






 

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