Ano 22 - Semana 1.113

 

 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 de fevereiro, 2019


GRANDES CANTORAS DA MPB (4):

Joyce moreno


Cândido Luiz de Lima Fernandes

Nunca pude me esquecer daquele 2 de dezembro de 1968, quando comemorávamos, em Belo Horizonte, os 20 anos de Toninho Horta e chegou na festa uma linda mulher, também com 20 anos, olhos claros, longos cabelos pretos e vestida de azul escuro. Era Joyce, ainda no início de uma brilhante carreira de cantora e compositora, calcada em um repertório caracterizado pela sensibilidade e pela inteligência melódica e poética, que veio se afirmar como uma vigorosa voz feminina na MPB.

Nascida e criada na Zona Sul do Rio, Joyce começou a tocar violão aos 14 anos de idade, observando seu irmão, o guitarrista Newton, amigo de músicos da bossa nova como Roberto Menescal e Eumir Deodato.
Em 1963, participou pela primeira vez de uma gravação em estúdio, no disco "Sambacana", de Pacífico Mascarenhas, convidada por Roberto Menescal. Em 1967, classificou sua canção "Me disseram" no II Festival Internacional da Canção. No ano seguinte, lançou seu primeiro LP, "Joyce", com texto de apresentação assinado por Vinicius de Moraes na contracapa.
Em 1969, gravou seu segundo disco, o LP "Encontro marcado".
Entre 1970 e 1971, fez parte, juntamente com Nélson Ângelo, Novelli, Toninho Horta e Naná Vasconcelos, do grupo vocal e instrumental “A Tribo”, chegando a gravar algumas faixas no disco "Posições", lançado pela Odeon.
Em 1973, gravou, com seu primeiro marido, Nélson Ângelo, o LP "Nélson Ângelo e Joyce", único registro profissional da cantora no período compreendido entre 1971 e 1975, no qual se dedicou exclusivamente às filhas Clara e Ana, hoje também cantoras (Clara Moreno e Ana Martins).
Retomou a carreira em 1975, substituindo o violonista Toquinho, ao lado de Vinicius de Moraes em turnê pela América Latina. Com o sucesso das apresentações, foi convidada, em seguida, para participar dos shows do poeta pela Europa, já com Toquinho de volta ao grupo.
Esta turnê europeia gerou, na Itália, a gravação do LP "Passarinho urbano", produzido por Sérgio Bardotti, em 1976. Nesse disco, a cantora interpretou músicas de compositores brasileiros que, naquele momento, estavam tendo sua obra censurada pela ditadura militar, como Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Maurício Tapajós e o próprio Vinicius de Moraes.
Em 1977, apresentou-se em temporada de seis meses em Nova York, gravando mais um LP internacional, "Natureza", em parceria com Maurício Maestro. A partir do ano seguinte, começou a ter suas músicas gravadas por outros intérpretes como Milton Nascimento, Elis Regina, Maria Bethânia, Boca Livre, Nana Caymmi, Quarteto em Cy, Joanna, Fafá de Belém e Ney Matogrosso, entre outros.
Em 1980, participou do Festival de Música Popular Brasileira da TV Globo, classificando "Clareana", canção de ninar escrita em Roma, em 1976, para suas filhas, e que já sugeria a caçula Mariana (que só nasceria três anos depois, de sua união com o baterista Tutty Moreno, com o qual é casada até hoje) no verso "... Clara, Ana e quem mais chegar...".
Nesse mesmo ano, gravou o disco "Feminina", com destaque para a canção título, e "Clareana", sucesso de vendagem e responsável pela primeira grande exposição da cantora na mídia.
Ainda na década de 1980, lançou os LPs "Água e luz" (1981), "Tardes cariocas" (1984), "Saudade do futuro" (1985), "Wilson Batista: o samba foi sua glória" (1986), "Tom Jobim: anos 60" (1987), uma homenagem aos 60 anos de vida do compositor, que escreveu o texto de contracapa, "Negro demais no coração" (1988), um tributo a Vinicius de Moraes, e "Joyce ao vivo" (1989).
Em 1990, foi a vez do LP "Music inside" e, no ano seguinte, do LP "Language of love".
Em 1994, lançou "Revendo amigos", songbook de seus sucessos na interpretação de outros cantores e "Delírios de Orfeu" Em 1995, lançou dois discos: "Live at Mojo Club" e "Tom Jobim: Sem você", uma parceria com Toninho Horta em segunda homenagem ao grande compositor. Em 1996, foi a vez de "Ilha Brasil". Em 1997, publicou o livro "Fotografei você na minha rolleyflex", uma coletânea de crônicas e histórias da música popular brasileira.
Entre 1998 e 2000, lançou os discos "Astronauta" (1998), um tributo a Elis Regina, e "Hard bossa" (1999).
Em 2000, seu CD "Astronauta" foi indicado para o Grammy Latino, na categoria Melhor Disco de MPB. Este CD é maravilhoso, contendo 14 músicas do repertório de Elis, inclusive “Essa mulher”, linda parceria de Joyce e Ana Terra. Também em 2000, gravou o disco "Tudo bonito", que contou com a participação de João Donato.
Em 2001 lançou o CD "Gafieira moderna", contendo suas canções "Samba da Silvia" (com Silvia Sangirardi), "Risco" (com Léa Freire), "Quatro elementos" (c/ Paulo César Pinheiro), "Forças d’alma", "Na casa do Villa", "Pega leve", "The band on the wall", "Bota de sete léguas", "Diz que eu também fui por aí" e "Azul Bahia".
Em 2002, apresentou-se no Japão e na Europa.
No ano seguinte, lançou o CD "Banda Maluca", contendo suas canções "Os medos" e "Cartomante", ambas com Rodolfo Stroeter), "A Banda Maluca", "Chuvisco", "Na paz", "Samba do Joyce", "For hall", "Mal em Paris", "Pause, Bitte" e "Tufão", além de "L’étang" (Paul Misraki), "Galope" (Rodolfo Stroeter) e "A hard day’s night" (Lennon e McCartney).
Lançou, em 2005, o DVD "Joyce & Banda Maluca - Ao vivo".
Em 2006, lançou, com Dori Caymmi, o CD "Rio-Bahia", contendo suas canções "Daqui" (c/ Rodolfo Stroeter), "E era Copacabana" (com Carlos Lyra), "Rancho da noite" (com Paulo César Pinheiro), "Demorô" e a faixa-título, além de "Mercador de siri", "Flor da Bahia", "Jogo de cintura" e "Saudade do Rio", todas de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro, "Fora de hora" (Dori Caymmi e Chico Buarque), "The colors of joy" (Dori Caymmi e Tracy Mann), "Saudade da Bahia" (Dorival Caymmi), "Joãozinho boa pinta" (Geraldo Jacques e Haroldo Barbosa) e "Pra que chorar" (Baden Powell e Vinicius de Moraes).
Em 2008, lançou, com Tutty Moreno, o CD “Samba-Jazz & Outras Bossas”, uma celebração dos 30 anos de parceria afetiva e musical de ambos e o ótimo “Joyce ao Vivo”, comemorando seus 40 anos de carreira, tendo como convidados especiais João Donato, Dori Caymmi, Leila Pinheiro e Mônica Salmaso. Em 2009, foi a vez de “Slow Music”.
Dividindo o palco com o violonista Alfredo Del-Penho, apresentou-se, em 2012, no Instituto Moreira Salles, no Rio de janeiro, na série “Grandes Discos”, cantando o repertório do LP de estreia do compositor Sidney Miller. Este belo show está sendo lançado agora em CD e DVD pela Biscoito Fino.
Em 2013 lançou o CD “Tudo”, com suas canções “Quero ouvir João” e “Dor de amor é água”, ambas com Paulo César Pinheiro, “Estado de graça” (com Nelson Motta), “Sem poder dançar” (com Teresa Cristina), “Pra você gostar de mim” (com Zé Renato), “Boiou”, “Puro ouro”, “Aquelas canções em mim”, “Claude et Maurice”, “Tringuelingue”, “Domingo de manhã”, “Choro do anjo” e a faixa título .
Em 2014, lançou o CD “Raiz”, em 2015, “Cool”.
Celebrando sua cidade natal, lançou, também em 2015, o CD “Rio de Janeiro”, contendo, além de alguns temas de sua autoria, como “Puro ouro”, canções de outros autores, entre as quais “Desde que o samba é samba” (Caetano Veloso), “Com que roupa?” (Noel Rosa), “Feitio de oração” (Noel Rosa e Vadico), “Mascarada” (Élton Medeiros e Zé Kéti), “Cidade Maravilhosa” (André Filho), “Valsa de uma cidade” (Ismael Neto e Antonio Maria) e “Vela no breu” (Paulinho da Viola e Sérgio Natureza). 2017 foi o ano de “Palavra e Som“.
Em 2018, ao completar 70 anos, regravou, canção a canção, o seu primeiro LP, lançado quando tinha 20 anos, com músicas compostas por ela (como “Não muda não”, “Improvisado”, “Superego”, “Cantiga de procura” e “Me disseram”) e outras cuidadosamente escolhidas na época, feitas por amigos de vinte e pouco , como Marcos Valle, Ruy Guerra, Paulinho da Viola, Jards Macalé, Caetano Veloso, Francis Hime, Toninho Horta e Ronaldo Bastos. Ao repertório original do primeiro LP, Joyce acrescentou duas canções novas: “Com o tempo”, feita com Zelia Duncan e participação vocal da parceira, que reflete sobre a passagem do tempo. No samba-manifesto “A Velha maluca”, Joyce faz uma genealogia de seu estilo: “A velha, quando era moça /Queria ser diferente/ Zombava dos pretendentes/ Queria não se casar/ Casou com a filosofia/ Dormiu coma literatura/ Pra harmonia fez jura/ E o resto eu não sei contar”. Um dos motivos de Joyce ter regravado seu primeiro disco é justamente esse: retomar, sob seu projeto artístico já tão consolidado, os seus primeiros e naturalmente imaturos gestos musicais, ou seja, retomar as ousadias da menina com a segurança da cantora e compositora que construiu um violão (que hoje manda em tudo, do canto aos arranjos) e uma vasta obra autoral.

Joyce Moreno tem em sua bagagem uma extensa discografia de 40 discos e cerca de 400 gravações de músicas suas por alguns dos maiores nomes da música popular brasileira, como Elis Regina, Maria Bethania, Monica Salmaso, Gal Costa, Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Edu Lobo, Emilio Santiago, Boca Livre, Nana Caymmi, Zizi Possi, Elizeth Cardoso, Simone, Leny Andrade e muitos outros. Na área internacional, tem sido gravada por nomes de peso como Annie Lennox, Wallace Roney, Omara Portuondo, Black Eyed Peas, David Sanchez, Jon Lucien, Claus Ogerman, Gerry Mulligan, Till Brönner e Flora Purim.

Sobre Joyce escreveu Caetano Veloso em 2011: “A capacidade musical que possui me surpreendeu quando, anos depois, ela ressurgiu tocando violão como os melhores (na terra de João Gilberto, Dori, Gil e João Bosco, isso não é pouca brincadeira), cantando com afinação precisa, compondo com imaginação harmônico-melódica original.”

E, para fechar, as palavras do maestro soberano, Antonio Carlos Jobim, proferidas em 1987 : “Uma das maiores cantoras de todos os tempos!... Como se não bastasse, Joyce é grande compositora e toca todo aquele violão! Eta mulhézinha danada!"

 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email: candidofernandes@hotmail.com






 

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