Ano 22 - Semana 1.105

 

 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 de dezembro, 2018


GRANDES CANTORAS DA MPB (3):

NARA LEÃO


Cândido Luiz de Lima Fernandes



Nara Lofego Leão (1942-1989) foi uma das mais virtuosas cantoras do Brasil, tendo sido fundamental a sua contribuição para o lançamento de novos estilos e novos compositores na história da música popular brasileira.

No início da década de 60, Nara e seus amigos começaram a se reunir em seu apartamento da Avenida Atlântica, em Copacabana, para buscar novos ritmos e fazer uma música diferente. Sua casa tornou-se o ponto de encontro de artistas como Roberto Menescal, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli e João Gilberto, que, juntamente com outros grandes nomes da música brasileira, criaram a Bossa Nova. Ela própria já tinha se tornado uma das principais cantoras no estilo.

Sua imagem delicada ganhou novos e surpreendentes contornos. Em 1964 Nara Leão se afasta da Bossa Nova, surpreendendo ao interpretar sambistas do morro, como Zé Kéti, Cartola e Nélson Cavaquinho, no seu disco de estréia, “Nara”. Neste ano lança também “Opinião de Nara” e, em 1965, “Manhã de liberdade”. A partir daí, popularizou-se como a mulher corajosa, ícone da juventude brasileira engajada contra a ditadura nos anos 60. Foi a estrela do show “Opinião”, ao lado de João do Vale e Zé Kéti, um dos mais aclamados da MPB. Só teve que sair por problemas de saúde, escolhendo para substituí-la a então desconhecida cantora baiana Maria Bethânia, que, logo após, estourou nas paradas de sucesso com a música “Carcará”, marco inicial de sua brilhante carreira. Depois de “Opinião”, Nara estreou o espetáculo “Liberdade, Liberdade”, que foi censurado após pouco tempo em cartaz.

Ao interpretar “A Banda”, de Chico Buarque, Nara ganhou o 2° Festival de Música Popular Brasileira, em 1966, tornando-se bastante conhecida em todo o território nacional e dando um impulso fundamental à carreira do principiante compositor, do qual se tornou uma mais consagradas intérpretes.

Em 1967 surpreendeu novamente ao integrar o movimento tropicalista de Caetano Veloso e Gilberto Gil, participando do disco-manifesto do movimento, “Tropicália ou Panis et Circensis”, como intérprete de “Lindonéia”, de autoria de Caetano.

Entre 1967 e 1969 lançou os discos “Vento de maio (1967), “Nara” (1967), “Nara” (1968) e “Coisas do mundo” (1969).

Cantora de profundo bom-gosto e à frente de seu tempo, Nara lançou vários compositores e inúmeras músicas ganharam fama em sua voz, como "Pedro pedreiro", "Olê, olá", “Quem te viu e quem te vê” e “Com açúcar e com afeto (de Chico Buarque); "Maria Moita" e “Marcha da quarta-feira de Cinzas” (de Carlos Lyra / Vinicius de Morais); "Corisco" (de Sérgio Ricardo/ Gláuber Rocha); "Esse mundo é meu" (de Sérgio Ricardo; "Maria Joana", "Pede passagem", “A estrada e o violeiro” e “O circo” (de Sidney Miller); "Recado" (de Casquinha/ Paulinho da Viola), "Coisas do Mundo, minha nega" (de Paulinho da Viola), "João e Maria" (de Sivuca / Chico Buarque), "Apanhei-te, cavaquinho" (de Ernesto Nazareth), além de praticamente todos os clássicos da Bossa Nova. Sua visão definitiva da Bossa Nova está registrada no antológico disco “Dez anos depois”, gravado em Paris, quando ali residiu, então casada com o cineasta Cacá Diegues, o qual foi lançado no Brasil em 1971.

Após passar três anos em Paris, onde nasceu sua primeira filha, Isabel, Nara retornou ao Brasil e teve o seu segundo filho, Francisco, refugiando-se dos holofotes. Durante um tempo, cuidou de sua vida particular, da criação dos filhos e foi estudar Psicologia na PUC-RJ. Neste período lançou, em 1975, um disco lindo, “Meu primeiro amor”, produzido por seu amigo de juventude Roberto Menescal, em que gravou as canções que tocava ao violão para seus filhos pequenos.

Em 1977, após o período dedicado aos seus estudos de psicologia e aos filhos, Nara retorna ao universo da música popular, gravando o disco “Meus amigos são um barato”, interpretando canções de alguns de seus amigos da Bossa Nova, como Tom Jobim, João Donato, Menescal e Bôscoli, amigos compositores, como Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso e Edu Lobo e novos amigos, como Dominguinhos e Sivuca.

Em 1978 surpreende mais uma vez, ao fazer as pazes com a Jovem Guarda. Lança o disco “E que tudo mais vá para o inferno”, dedicado inteiramente à obra de Roberto e Erasmo Carlos, em que, em vez de guitarras elétricas, se faz acompanhar por violões e cavaquinhos de um grupo de choro do Rio de Janeiro, que trazia entre seus componentes os muito jovens violonistas Raphael Rabelo e Maurício Carrilho e a cavaquinista Luciana Rabelo.

Foi no ano de 1979 que Nara descobre os problemas de saúde que irão se agravar nos dez anos seguintes, fazendo-a partir tão precocemente. Lutando contra o câncer, Nara deu prosseguimento à carreira, fazendo shows, turnês e gravando vários discos.

Em 1980 lança o disco “Com açúcar e com afeto”, que, assim como o disco anterior, era todo dedicado ao repertório de um compositor, desta vez seu grande amigo Chico Buarque.

Em 1981 grava “Romance Popular”, feito em parceria com Fagner e Fausto Nilo. Além desses compositores, o LP conta com participações de músicos como Robertinho do Recife e Geraldo Azevedo e arranjos de músicos como seu amigo Menescal, Oberdan, Lincoln Olivetti e Eduardo Souto Neto.

Em 1982 lança “Nasci para bailar”, com as excelentes interpretações de “Luz do sol” (Caetano Veloso), “Supõe” e “Imagina só” (do cubano Sílvio Rodriguez, com versão de Chico Buarque) e “Maravilha curativa” (Miltinho e Kleiton Ramil).

Em 1983 é a vez de ”Meu samba encabulado”, gravado em parceria com a Camerata Carioca, Paulo Moura e os ritmistas Bira, Ubirani e Joviano, do Cacique de Ramos. O disco tem o repertório todo dedicado ao samba, com novos e antigos compositores do gênero.

Em 1984 lança o disco “Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim”, produzido por Roberto Menescal, com arranjos e participação do pianista César Camargo Mariano. Este disco marca o novo retorno de Nara ao repertório da Bossa Nova.

Em 1985 Nara faz uma bem sucedida mini-temporada de voz e violão na boate People, no Rio de Janeiro. Grava, novamente com Roberto Menescal, dessa vez tocando violão, mais um disco com o repertório relacionado à Bossa Nova e outros estilos: “Um cantinho e um violão”, que foi bem recebido pela crítica e pelo público. Ainda neste ano, recebe convites para apresentações no exterior, em Paris e em várias cidades de Portugal e do Japão. As apresentações em cidades japonesas foram acompanhadas por Roberto Menescal e a Camerata Carioca. A viagem ao Japão ainda rende a produção do primeiro Compact Disc (CD) de um artista brasileiro. Gravado durante o mês de junho na Polygram do Japão e com o repertório todo dedicado à Bossa Nova, o título escolhido foi “Garota de Ipanema”. O CD foi lançado no Brasil em 1986.

Em 1987 lança “Meus sonhos dourados”, com versões de clássicos norte-americanos (algumas feitas por ela), como “Moonlight serenade”, “Tea for two”, “Misty”, “As time goes by” e “What’s new”. No ano seguinte, elabora e divide com Nelson Motta uma nova série de versões de músicas norte-americanas (“My funny Valentine”, “But not for me”, “Smoke gets in your eyes”, “Summertime”, “Night and day”, “Someone to watch over me”, dentre outras) em seu último disco de carreira, encomendado pela Polygram do Japão e intitulado “My foolish heart”. A versão de “My foolish heart”, batizada de “Descansa, coração”, soa como um canto de despedida: “Descansa, coração, e bate em paz”. Seu último show ocorreu em março de 1989, no Iate Clube de Belém do Pará. Aos 47 anos, na manhã de 7 de junho de 1989, Nara veio a falecer na Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro, devido a um tumor inoperável no cérebro.

Sou fã incondicional de Nara Leão. Tenho todos os LPs, compactos simples e duplos e CDs que ela gravou e não me canso de escutá-los. Admirava sua simplicidade e sua simpatia. Tive oportunidade de assistir a muitas de suas apresentações em teatro e de conversar com ela e guardo até hoje os autógrafos que me concedeu em discos e programas de shows. Com sua voz aguda e frágil, sua coragem e independência, seu bom gosto na escolha do repertório e sua importância na descoberta de novos compositores, Nara ocupa um lugar de destaque na história da música popular brasileira.

 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email: candidofernandes@hotmail.com






 

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