Ano 22 - Semana 1.101

 

 

 
ARQUIVO de MÚSICA




16 de novembro, 2018


Canto Guerreiro - Levantados do Chão:

o maravilhoso CD de Renato Braz

 


Cândido Luiz de Lima Fernandes


Como já havia comentado em crônica anterior, o cantor paulista Renato Braz é dono de uma das vozes mais bonitas do Brasil. Comemorando os seus 50 anos, lançou recentemente, no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, o belíssimo e comovente CD “Canto Guerreiro – Levantados do Chão”, produção independente com um repertório poético e apurado de 17 lindas canções. Neste CD, Renato conta com a participação de Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil e Miúcha, além de grandes instrumentistas, como Dori Caymmi, Cristóvão Bastos, Jurim Moreira, Jamil Joanes, Alceu Reis, Eduardo Gudin, Guinga, Nelson Ayres, Alice Passos, Mario Gil, o saxofonista norte-americano Paul Winter, Sergio Valdeos e outros.

A primeira música, “Levantados do Chão”, composta por Milton Nascimento e Chico Buarque por ocasião do lançamento do livro Terra, de Sebastião Salgado, é interpretada de forma surpreendente pelo cantor. Renato canta dobrando a própria voz, acompanhado pelo piano de Cristóvão Bastos, pela bateria de Jurim Moreira, pelo contrabaixo de Jamil Joanes e pelo violoncelo de Alceu Reis.

A segunda música, “Canto Guerreiro”, de Luciana Rabello e Paulo César Pinheiro, é um hino à vida, com Renato cantando: ”Vai, toda dor vai desaparecer/ E aí ninguém mais vai chorar”. Acompanham-lhe Eduardo Gudin ao violão, Paulino Dias nos atabaques, Paulo Graissmann nos tamborins e Bré na percussão.

A terceira música é de arrepiar: a versão de “Sonho Impossível”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, feita em 1972. A canção original, “The Impossible Dream”, de Joe Darion e Mitch Leigh, foi composta para o musical “O Homem de La Mancha”, que recebeu a versão francesa “La Quête”, de Jacques Brel, em 1968. Chico Buarque interpreta esta bela canção num francês impecável e, em seguida entram Renato, Chico e Milton Nascimento cantando juntos a versão brasileira, acompanhados pelo violão de Dori Caymmi e pelos violoncelos de Vana Bock, Mariana Amaral, Bob Suetholz e Julio Ortiz. Impossível não se emocionar com os versos finais: ”E assim, seja lá como for/Vai ter fim a infinita aflição/E o mundo vai ver uma flor/Brotar do impossível chão”.

A quarta música é “Pajé”, de Mário Gil e Paulo César Pinheiro, em que Renato Braz toca moringa e canta acompanhado por Mário Gil ao violão, Rodrigo Ursala na flauta, Zé Alexandre Carvalho no contrabaixo e Guello na percussão.

A quinta música, “Longe de Casa Eu Choro” é um belíssimo samba, pouco conhecido, de Eduardo Gudin e Paulo Vanzolini, em que Renato se faz acompanhar de Eduardo Gudin ao violão, Cezinha Oliveira no contrabaixo, Bré na percussão, Nailor Proveta no clarinete, Alice Passos na flauta e Vânia Bock e Julio Ortiz no violoncelo.

A sexta música é arrebatadora: o clássico “Ne me quitte pas”, do belga Jacques Brel , que, além do autor, foi gravada por grandes intérpretes como Nina Simone e a nossa saudosa Maysa. Renato canta maravilhosamente, ao lado de Miúcha, sendo acompanhados por Cristóvão Bastos ao piano, Jurim Moreira na bateria, Jamil Joanes no contrabaixo e Alceu Reis no violoncelo. Para mim, esta é uma das mais belas canções de amor de todos os tempos.

Introduzindo a oitava música, Paul Winter apresenta a sétima faixa tocando saxofone em “Sun Singer”, de sua autoria. Na faixa seguinte, Renato arrasa cantando “Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, ao lado do próprio Chico, de Milton Nascimento, Mário Gil, Roberto Leão e Breno Ruiz, com Paul Winter no saxofone, Breno Ruiz no piano e Mário Gil ao violão. Nas apresentações que fez no Auditório do Ibirapuera, nos dias 19 e 20 de outubro, Renato pediu que apagassem as luzes e cantou “Cálice” no escuro: ”Pai, afasta de mim este cálice de vinho tinto de sangue”. Na gravação original de Chico e Milton ouve-se o MPB-4, com seu coro uníssono entrecortando com “Cale-se!”. Nesta também se ouve o “Cale-se” nas vozes dos cinco cantores.

Na nona música, a deliciosa “Xote”, de Rodolfo Stroeter e Gilberto Gil, Renato canta e toca triângulo, acompanhado da zabumba de Zezinho Pitoco, do piano elétrico de Nelson Ayres e do contrabaixo do co-autor, Rodolfo Stroeter.

Nas faixas 10 e 11 Renato canta duas músicas que são parcerias do grande letrista Paulo César Pinheiro, “Cordão”, com Breno Ruiz e “Pesadelo”, com Maurício Tapajós. Em “Condão”, Renato canta acompanhado de três lindas vozes femininas: Alessandra Vilhena, Alice Passos e Karine Telles e dos violões de Sergio Valdeos, Carlos Chaves, Marcos Alves e Paulo Aragão. “Pesadelo” já era conhecida pela impressionante interpretação do MPB-4 e renasce na voz de Renato, tocando violão e fazendo percussão, ao lado de Eduardo Gudin ao violão e Mário Gil no “drum samples”. Só para lembrar alguns de seus versos contundentes: “Quando um muro separa uma ponte une/Se a vingança encara, o remorso pune/Você vem, me agarra, alguém vem me solta/Você vai na marra, ela um dia volta”. Ou “Você corta um verso, eu escrevo outro/ Você me prende vivo, eu escapo morto/de repente, olha eu novo/Perturbando a paz, exigindo troco.” Ao final, Safa Jubran declama em árabe o poema “Nós vos pedimos com insistência”, de Bertold Brecht: ”Nós vos pedimos com insistência/Não digam nunca:/Isto é natural!/Diante dos acontecimentos de cada dia/Numa época em que reina a confusão/Em que corre o sangue/Em que o arbitrário tem força de lei/Em que a humanidade se desumaniza/Não digam nunca:/Isto é natural! Para que nada/Possa ser imutável”. Uma reflexão para o mundo atual e o Brasil de hoje...

A décima segunda faixa é muito emocionante. Trata-se de “Un vestido y un amor”, de autoria de Fito Paez, expoente da música e da cultura argentina e latino-americana. Esta música foi gravada pelo autor em 1992, por Caetano Veloso em 1994, no álbum “Fina Estampa”, e por Mercedes Sosa em 1995. Acompanhado apenas de Sergio Valdeos ao violão, Renato canta tão lindamente este canção de amor, que as lágrimas vêm aos olhos.

A décima terceira música é de autoria de Gilberto Gil, “O Fim da História”, cujos versos dizem: “É como se o livro dos tempos pude/Ser lido trás pra frente, frente pra trás/Vem a História, escreve um capítulo/Cujo título pode ser ”Nunca mais”/Vem o tempo e elege outra história, que escreve/ Outra parte, que se chama Nunca é demais/ (...) Quantos muros ergam/Como o de Berlim/Por mais que perdurem/Sempre terão fim” . Não é preciso dizer mais nada. Renato canta com Gilberto Gil, ao som dos violões de ambos.

A seguir vem “Meu pai” de Guinga, em que o autor acompanha ao violão o canto de Renato, juntamente com Nailor Proveta no clarinete.Logo depois “Desafio”, outra parceria de Paulo César Pinheiro, agora com o grande Dori Caymmi. Renato canta e toca agogô, acompanhado pela voz e violões de Dori, pela viola de Ivan Vilela, pelo acordeon de Toninho Ferragutti, pelo ganzá de Bré e pelos violoncelos de Vana Bock e Julio Ortiz.

A décima sexta música é “Depressa a vida passa”, de Fred Martins e Marcelo Diniz, sobre o ritmo e a brevidade da vida: “Depressa a vida passa, mal se sente/E tudo já parece diferente/O que doeu um dia hoje dormente/O amanhã não se lembra do presente”. Renata canta acompanhado por Itamar Assiere no piano, Edson Alves no contrabaixo e Vana Bock e Julio Ortiz nos violoncelos.

Para fechar o repertório, “Blackbird” de Lennon e McCartney, é interpretada por Antonio Garfunkel Braz, filho de Renato, com piano de Itamar Assiere e o violão requinto de Renato Braz. Seus versos ecoam: “Blackbird fly/Blackbird fly/Into the light of the dark black night”. Terminam com: “You were only waiting for this moment to be free”.

Com simplicidade majestosa, o CD dirigido por Mario Gil e Braz tem um repertório no qual se mesclam os sonhos impossíveis, a utopia, o amor, a esperança de um mundo melhor e a luta pela liberdade de expressão. Ou simplesmente de ser.

Recomendo aos leitores adquirirem-no com urgência. É imperdível. Como escreveu em sua coluna Aquiles Reis, vocalista do MPB-4, Renato é dessas vozes que “derrubam muros e constroem elos”. Como trata-se de produção independente, talvez seja difícil encontrar o CD nas lojas. Fica uma dica: comprei o meu pela internet em www.popsdiscos.com.br . Veio pelo correio e chegou rapidinho.

 

Cândido Luiz de Lima Fernandes é
economista e professor universitário em Belo Horizonte;
email: candidofernandes@hotmail.com






 

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IRENE SERRA
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