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Um amor especial
Quando Jéssica veio ao mundo,
trazia a cabeça amassada e os traços deformados, devido ao parto
difícil vivido por sua mãe. Todos que a olhavam faziam careta, dizendo
que ela se parecia com um jogador de futebol americano espancado.
Todos tinham a mesma reação, menos a sua avó. Quando a viu, tomou-a
nos braços e seus olhos brilharam. Olhando para aquele bebê, sua
primeira netinha, emocionada, falou: "linda."
No transcorrer do desenvolvimento daquela criança, a avó estaria
sempre presente. E um amor
mútuo, profundo, passou a ser compartilhado.
Quando, anos depois, a avó recebeu o diagnóstico de Mal de Alzheimer,
toda a família se tornou especialista no assunto. Parecia que, aos
poucos, ela ia se despedindo. Ou eles a estavam perdendo. Começou a
falar em fragmentos. Depois, o número de palavras foi ficando sempre
menor, até não dizer mais nada.
Uma semana antes de morrer, seu corpo perdeu todas as funções vitais e
ela foi removida, a conselho médico, para uma clínica de doentes
terminais.
Jéssica, então com 15 anos, insistiu para ir vê-la e seus pais a
levaram. Ela entrou no quarto onde a avó estava e a viu sentada em uma
enorme poltrona, ao lado da cama. O corpo estava encurvado, os olhos
fechados e a boca aberta, mole. A morfina a mantinha adormecida.
Lentamente, Jéssica se sentou à sua frente. Tomou sua mão esquerda e a
segurou. Afastou daquele rosto amado uma mecha de cabelos brancos e
ficou ali, sentada, sem se mover, incapaz de dizer coisa alguma.
Desejava falar, mas a tristeza que a dominava era tamanha, que não a
conseguia controlar.
Então, aconteceu... A mão da avó foi se fechando em torno da mão da
neta, apertando mais e mais. O que parecia ser um pequeno gemido se
transformou em um som, e de sua boca saiu uma palavra: "Jéssica."
A garota tremeu. O seu nome! A avó tinha 4 filhos, 2 genros, uma nora
e 6 netos. Como ela sabia que era ela?
Naquele momento, a impressão que Jéssica teve foi que um filme era
exibido em sua cabeça: Viu e reviu sua avó nos 14 recitais de dança em
que ela se apresentou. Viu-a sapateando na cozinha, com ela. Brincando
com todos netos, enquanto os demais adultos faziam a ceia na sala
grande. Viu-a, sentada ao seu lado, no Natal, admirando a árvore
decorada com enfeites luminosos.
Jéssica, olhando para ela, ali, e vendo em que se transformara aquela
mulher, chorou. Deu-se conta que ela não assistiria ao seu último
recital de dança, nem voltaria a torcer pelo seu time de futebol.
Nunca mais poderia se sentar a seu lado, para admirar a árvore de
Natal. Não a veria toda arrumada para o baile de sua formatura, ao
final daquele ano. Não estaria presente no seu casamento, nem quando
seu primeiro filho nascesse.
As lágrimas corriam abundantes pelas suas faces. Acima de tudo,
chorava porque finalmente compreendia como a avó havia se sentido no
dia em que ela nascera. A avó olhara através da sua aparência,
enxergara lá dentro e vira uma vida.
Então, lentamente, Jéssica soltou a mão da avó e enxugou as lágrimas
que molhavam o seu rosto. Ficou de pé, inclinou-se para a frente e a
beijou. Num sussurro, disse para a avó: "você está linda!
Se você deseja ensinar a seu filho o que é o amor, demonstra-o. Não
lhe negue a carícia, a atenção, a palavra... O que faça ou diga é,
hoje, a semente do que o mundo colherá no passar dos anos. E o mundo
lhe agradecerá, por você ter sido alguém que lhe entregou um ser que
sabe amar, de forma incondicional e irrestrita.
Direção e Editoria
Irene Serra
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