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Pedro Franco
 – Coração que escreve, mente que pulsa –
Há pessoas que não envelhecem - amadurecem. O tempo, nelas, não é
um peso, é um perfume de história. Pedro é uma dessas pessoas.
Médico
do coração, mas também cronista da vida, ele soube escutar com o estetoscópio
e com a alma. Curou muitos (e ainda cura) com palavras que não saem de bula,
mas do vivido. Com 90 anos, dezenas de livros, prêmios e afetos, ele tem mais
a nos oferecer do que possa imaginar.
Pode ser só impressão, porém,
sinto-o querendo mais silêncio, quietude. Mas quem o conhece, sabe: Pedro é
feito de movimento. E onde há movimento, há vida, impulsão. Pensando nisso,
propus uma conversa - que ele aceitou com a generosidade que sempre teve. Uma
entrevista sim, porém, mais do que isso: um reencontro com sua trajetória, com
perguntas ainda por fazer, com os amigos e a família que o envolvem.
O
que você lerá a seguir é um abraço em forma de palavras. E o convite é esse:
leia com o coração aberto. Depois, conte-lhe o que você também viu, viveu,
lembrou. Porque um homem como Pedro não cabe numa entrevista. Mas cabe,
inteiro, em uma roda de amigos.
1. Início de tudo: raízes e vocação
Irene Serra: Pedro, você se lembra de quando percebeu, pela primeira vez,
que queria ser médico?
Pedro Franco: O eletrocardiograma me trouxe à
Medicina. Ia ser Engenheiro, fugazmente Advogado e então me apaixonei pelo
eletrocardiograma, daí as 27 publicações sobre o tema. Para rir. Inventei um
aparelho para descobrir o eixo elétrico. Publiquei-o em revista médica, não
patenteei, e muito anúncio o utilizou para fazer propaganda de um medicamento.
Sempre fui esperto em $, Há, há.
IS: E o escritor, nasceu antes ou
depois do cardiologista?
PF: Muito antes. Era bom aluno e mais em
Matemática, e então comecei a escrever diariamente para melhorar. E até hoje
estou tentando....
IS: Que memórias guarda do bairro da infância?
PF:
Cresci no Grajaú. Fiz um ano lá e saí viúvo com 88 anos. Uma vida. Fui jogador
de basquetebol pelos dois clubes do bairro e cheguei à seleção carioca juvenil
com 17 anos. Parece que tinha jeito, mas aí vieram trabalho, entrada para a
Medicina, casamento e família. Adeus bola!
IS: Sua casa era um lugar de
livros, de ciência, de música? Seus pais acompanhavam seus sonhos?
PF:
Minha querida mãe gostava de ler e lia para mim Monteiro Lobato, e muito me
senti Pedrinho e até me apaixonei por uma esporádica Cléo que foi ao sítio.
IS: Falando em música, sei o quanto gosta da popular. E sobre a música
clássica?
PF: Música clássica, dita erudita, lamentavelmente e muito,
zero!
2. A medicina e o humano
IS: A Cardiologia é a ciência do
coração. Você acha que isso influenciou seu jeito de ver as pessoas?
PF:
Não. A Medicina sim, a Cardiologia não. Sempre me senti mais médico que
cardiologista, mais generalista que preso a uma disciplina, até porque fui
Professor de Clínica Médica e no currículo da UNIRIo, absurdo, não tem a
Disciplina de Cardiologia. Tinha de Pneumologia, Neurologia e não de Gastro,
ou Nefro, ou Cardio. Estes especialistas ficavam nas Clínicas Médicas. Fui o
único não titular que recebeu o Título de Professor Emérito. Os titulares,
sabendo do fato consumado, conseguiram que os não titulares, recebessem a
Emerência. Sem querer, piseis calos!
IS: Há algum caso que nunca saiu
da sua memória?
PF: Contei dois na peça teatral "Veia e Esteto". Tive o
cuidado de não ferir a ética médica e o Juramento de Hipócrates. Ficaram no
riso, ou no choro, muitos casos culminaram com minha despedida do consultório
em 17/06/ 2025, quando lá atendi 63.108 pacientes, um Maracanã cheio.
Despedidas com mais choro do que esperava. Ainda estou na couvade do Adeus.
IS: Como você lidava com o sofrimento humano? A escrita o ajudava a
processar isso?
PF: Ajuda e muito. Bem ou mal sai muito em entrelinhas.
Sempre respeitando a ética e o paciente.
3. O escritor múltiplo
IS:
São muitos livros publicados! Como organiza tantas ideias?
PF: Publiquei 28
livros e há de contos no prelo. Ideia é que não falta. Pena que arranjá-las
literalmente seja difícil.
IS: Há algum tema que nunca sai de sua
escrita, mesmo que inconscientemente?
PF: Pode parecer que sempre, mesmo
nas entrelinhas, escrevi sobre o amor, só que um tema foi várias vezes
explorado e até em peças teatrais e por mais de uma vez. Prostitutas. E não
por maldade ou demérito, apenas por pena, muita pena. Vender o corpo. Então
várias vezes explorei o tema em contos e em peças teatrais. Coitadas e, de
coração, digo coitadas.
IS: Qual de seus livros você considera “mais
você”?
PF: Sou mais eu em contos e crônicas. Me defendo bem em dramaturgia
e caio do cavalo em romances e poesias. Tombos fragorosos e a esquecer.
IS: Já pensou em escrever sobre a velhice com a mesma naturalidade com que
escreve sobre tantos outros assuntos?
PF: Velhice dói e sempre escrevi com
esta ideia. Não é bom ser velho e não me venham com experiência de vida etc.
Velhice é uma... Deixo o palavrão ao gosto do leitor.
4. Prêmios e
reconhecimento
IS: O que significam, para você, esses mais de 600
prêmios?
PF: Não me sinto lido, até porque não sou. Continuo nas sombras
literárias e não conto com a posteridade para me fazer justiça. No máximo
escreveu direitinho. Bati na trave quando importante atriz global e premiada
se interessou em representar "Quem é Letícia". Não houve meios $ para levar a
produção à ribalta. Olha que gostei da palavra ribalta. Meus livros
prediletos, os meus, estão nos livros de contos. Podiam ter ido mais longe. E
falo em 25 prêmios no exterior. E não posso falar de boca cheia. São prêmios
modestos. E UNIRIO, onde sou Emérito, tem Escola de Teatro. Mandava minhas
peças para a mesma e em maioria nem uma resposta recebi. C'est la vie, nem
sempre "en rose". Sei, galicismos estão fora de moda!
IS: Algum prêmio
teve gosto especial? Ou veio num momento inesperado?
PF: Queria dar à vida
uma obra que mostrasse a estupidez humana, guerras, corrupções, maldades, são
temas que merecem muita Literatura universal e de boa qualidade. Com vergonha,
não encarei o "Ulisses" de Joyce.
IS: O reconhecimento público
impulsionou ou atrapalhou seu processo criativo?
PF: Reconhecimento
público não tive e não tenho. Não cheguei ao grande público e há razões e nem
sempre descobertas.
5. Família
e amigos, luto e tempo presente
IS: Como você sente sua
família?
PF:
Da FAMÌLIA sempre tive apoio e continuo tendo. É a Grande Boia da vida, mar
revolto.
IS: Como você foi selecionando seus
amigos? Conserva algum em especial? O que mais o cativa nas amizades?
PF: Amigos não foram acalentados como deviam. Passei por muitos lugares e
não tive a sabedoria de voltar e regar as amizades. Erro meu. E algumas me
decepcionaram.
IS: Como foi viver ao lado da Maria Helena, por quem você dedica amor
eterno? Ela acompanhava seu processo criativo?
PF: Viver com Maria
Helena foi dádiva. E Marias foram dádivas. Maria de Lourdes, minha mãe e Maria
Helena. Desta só não servia para minha crítica, ainda que cultura não lhe
faltasse.
IS: A viuvez
mudou sua maneira de olhar o tempo?
PF: O mundo muda, e muda e não é
para melhor. Infelizmente e até chegamos ao Trump, como pode?
6. Reencontros e o que ainda pulsa
IS: Se
hoje pudesse conversar com o Pedro de 40 anos, o que diria a ele?
PF:
Chamaria o Pedro às falas. E diria Pedro, oh, Pedro! Largue a utopia, este
excesso de moralidade é um pouco para inglês saber. Não seja utópico e volte
aos locais passados e diga da saudade que sentiu. Fui e depois aviso, passou e
estou em outra. Pedro Karabina (apelido do basquete), está com 40 anos. Pense
um pouco nos dinheiros. O futuro sempre quer mais e o futuro é caro,
caríssimo...
IS: Você sente vontade de escrever (ou reescrever) sobre algum assunto que
já abordou anteriormente?
PF: Sobre assunto especial, não o tenho.
Nisto sou eclético. Gostaria de ter gênio e arte para combater as maldades
humanas, as soberbas, a corrupção e as burrices. Nosso País tinha tudo para
não ter pobres!
7.
Finalização poética
IS: Se
o coração pedisse para escrever uma carta nesse momento, a quem seria e o que
diria?
PF: Maria Helena. Continuo com muitas saudades. Seu, Pedro.

Ouvir Pedro foi mais do que escutar lembranças: foi tocar a matéria viva de
que somos feitos. Porque há uma parte dele em cada um de nós. Naqueles que o conheceram no consultório, nos livros, nas
conversas de clube, na risada solta da academia ou nos corredores da vida.
E agora, vamos inovar? É certo que cada amigo guarda um detalhe, uma cena, um trecho
do livro que Pedro é. Vamos, então, continuar esta roda? Que esta entrevista
sirva de ponto de partida – e não de chegada. Conte-nos o que gostaria de
compartilhar. Porque Pedro pulsa. E a amizade,
essa sim, é o que mais faz o coração bater.
Contato:
Pedro Franco - pdaf35@gmail.com

Revista Rio Total Direção e Editoria
Irene Serra
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