01/07/2025
Ano 28
Semana 1.423
 



ARQUIVO



Pedro Franco


– Coração que escreve, mente que pulsa –


Há pessoas que não envelhecem - amadurecem. O tempo, nelas, não é um peso, é um perfume de história. Pedro é uma dessas pessoas.

Médico do coração, mas também cronista da vida, ele soube escutar com o estetoscópio e com a alma. Curou muitos (e ainda cura) com palavras que não saem de bula, mas do vivido. Com 90 anos, dezenas de livros, prêmios e afetos, ele tem mais a nos oferecer do que possa imaginar.

Pode ser só impressão, porém, sinto-o querendo mais silêncio, quietude. Mas quem o conhece, sabe: Pedro é feito de movimento. E onde há movimento, há vida, impulsão. Pensando nisso, propus uma conversa - que ele aceitou com a generosidade que sempre teve. Uma entrevista sim, porém, mais do que isso: um reencontro com sua trajetória, com perguntas ainda por fazer, com os amigos e a família que o envolvem.

O que você lerá a seguir é um abraço em forma de palavras. E o convite é esse: leia com o coração aberto. Depois, conte-lhe o que você também viu, viveu, lembrou. Porque um homem como Pedro não cabe numa entrevista. Mas cabe, inteiro, em uma roda de amigos.


1. Início de tudo: raízes e vocação

Irene Serra: Pedro, você se lembra de quando percebeu, pela primeira vez, que queria ser médico?

Pedro Franco:
O eletrocardiograma me trouxe à Medicina. Ia ser Engenheiro, fugazmente Advogado e então me apaixonei pelo eletrocardiograma, daí as 27 publicações sobre o tema. Para rir. Inventei um aparelho para descobrir o eixo elétrico. Publiquei-o em revista médica, não patenteei, e muito anúncio o utilizou para fazer propaganda de um medicamento. Sempre fui esperto em $, Há, há.

IS: E o escritor, nasceu antes ou depois do cardiologista?

PF:
Muito antes. Era bom aluno e mais em Matemática, e então comecei a escrever diariamente para melhorar. E até hoje estou tentando....

IS: Que memórias guarda do bairro da infância?

PF:
Cresci no Grajaú. Fiz um ano lá e saí viúvo com 88 anos. Uma vida. Fui jogador de basquetebol pelos dois clubes do bairro e cheguei à seleção carioca juvenil com 17 anos. Parece que tinha jeito, mas aí vieram trabalho, entrada para a Medicina, casamento e família. Adeus bola!

IS: Sua casa era um lugar de livros, de ciência, de música? Seus pais acompanhavam seus sonhos?

PF:
Minha querida mãe gostava de ler e lia para mim Monteiro Lobato, e muito me senti Pedrinho e até me apaixonei por uma esporádica Cléo que foi ao sítio.

IS: Falando em música, sei o quanto gosta da popular. E sobre a música clássica?

PF:
Música clássica, dita erudita, lamentavelmente e muito, zero!

2. A medicina e o humano

IS: A Cardiologia é a ciência do coração. Você acha que isso influenciou seu jeito de ver as pessoas?

PF:
Não. A Medicina sim, a Cardiologia não. Sempre me senti mais médico que cardiologista, mais generalista que preso a uma disciplina, até porque fui Professor de Clínica Médica e no currículo da UNIRIo, absurdo, não tem a Disciplina de Cardiologia. Tinha de Pneumologia, Neurologia e não de Gastro, ou Nefro, ou Cardio. Estes especialistas ficavam nas Clínicas Médicas. Fui o único não titular que recebeu o Título de Professor Emérito. Os titulares, sabendo do fato consumado, conseguiram que os não titulares, recebessem a Emerência. Sem querer, piseis calos!

IS: Há algum caso que nunca saiu da sua memória?

PF:
Contei dois na peça teatral "Veia e Esteto". Tive o cuidado de não ferir a ética médica e o Juramento de Hipócrates. Ficaram no riso, ou no choro, muitos casos culminaram com minha despedida do consultório em 17/06/ 2025, quando lá atendi 63.108 pacientes, um Maracanã cheio. Despedidas com mais choro do que esperava. Ainda estou na couvade do Adeus.

IS: Como você lidava com o sofrimento humano? A escrita o ajudava a processar isso?

PF:
Ajuda e muito. Bem ou mal sai muito em entrelinhas. Sempre respeitando a ética e o paciente.

3. O escritor múltiplo

IS: São muitos livros publicados! Como organiza tantas ideias?

PF:
Publiquei 28 livros e há de contos no prelo. Ideia é que não falta. Pena que arranjá-las literalmente seja difícil.

IS: Há algum tema que nunca sai de sua escrita, mesmo que inconscientemente?

PF:
Pode parecer que sempre, mesmo nas entrelinhas, escrevi sobre o amor, só que um tema foi várias vezes explorado e até em peças teatrais e por mais de uma vez. Prostitutas. E não por maldade ou demérito, apenas por pena, muita pena. Vender o corpo. Então várias vezes explorei o tema em contos e em peças teatrais. Coitadas e, de coração, digo coitadas.

IS: Qual de seus livros você considera “mais você”?

PF:
Sou mais eu em contos e crônicas. Me defendo bem em dramaturgia e caio do cavalo em romances e poesias. Tombos fragorosos e a esquecer.

IS: Já pensou em escrever sobre a velhice com a mesma naturalidade com que escreve sobre tantos outros assuntos?

PF:
Velhice dói e sempre escrevi com esta ideia. Não é bom ser velho e não me venham com experiência de vida etc. Velhice é uma... Deixo o palavrão ao gosto do leitor.

4. Prêmios e reconhecimento

IS: O que significam, para você, esses mais de 600 prêmios?

PF:
Não me sinto lido, até porque não sou. Continuo nas sombras literárias e não conto com a posteridade para me fazer justiça. No máximo escreveu direitinho. Bati na trave quando importante atriz global e premiada se interessou em representar "Quem é Letícia". Não houve meios $ para levar a produção à ribalta. Olha que gostei da palavra ribalta. Meus livros prediletos, os meus, estão nos livros de contos. Podiam ter ido mais longe. E falo em 25 prêmios no exterior. E não posso falar de boca cheia. São prêmios modestos. E UNIRIO, onde sou Emérito, tem Escola de Teatro. Mandava minhas peças para a mesma e em maioria nem uma resposta recebi. C'est la vie, nem sempre "en rose". Sei, galicismos estão fora de moda!

IS: Algum prêmio teve gosto especial? Ou veio num momento inesperado?

PF:
Queria dar à vida uma obra que mostrasse a estupidez humana, guerras, corrupções, maldades, são temas que merecem muita Literatura universal e de boa qualidade. Com vergonha, não encarei o "Ulisses" de Joyce.

IS: O reconhecimento público impulsionou ou atrapalhou seu processo criativo?

PF:
Reconhecimento público não tive e não tenho. Não cheguei ao grande público e há razões e nem sempre descobertas.

5. Família e amigos, luto e tempo presente

IS: Como você sente sua família?

PF
: Da FAMÌLIA sempre tive apoio e continuo tendo. É a Grande Boia da vida, mar revolto.

IS: Como você foi selecionando seus amigos? Conserva algum em especial? O que mais o cativa nas amizades?

PF:
Amigos não foram acalentados como deviam. Passei por muitos lugares e não tive a sabedoria de voltar e regar as amizades. Erro meu. E algumas me decepcionaram.

IS: Como foi viver ao lado da Maria Helena, por quem você dedica amor eterno? Ela acompanhava seu processo criativo?

PF:
Viver com Maria Helena foi dádiva. E Marias foram dádivas. Maria de Lourdes, minha mãe e Maria Helena. Desta só não servia para minha crítica, ainda que cultura não lhe faltasse.

IS: A viuvez mudou sua maneira de olhar o tempo?

PF:
O mundo muda, e muda e não é para melhor. Infelizmente e até chegamos ao Trump, como pode?

6. Reencontros e o que ainda pulsa

IS: Se hoje pudesse conversar com o Pedro de 40 anos, o que diria a ele?

PF:
Chamaria o Pedro às falas. E diria Pedro, oh, Pedro! Largue a utopia, este excesso de moralidade é um pouco para inglês saber. Não seja utópico e volte aos locais passados e diga da saudade que sentiu. Fui e depois aviso, passou e estou em outra. Pedro Karabina (apelido do basquete), está com 40 anos. Pense um pouco nos dinheiros. O futuro sempre quer mais e o futuro é caro, caríssimo...

IS: Você sente vontade de escrever (ou reescrever) sobre algum assunto que já abordou anteriormente?

PF:
Sobre assunto especial, não o tenho. Nisto sou eclético. Gostaria de ter gênio e arte para combater as maldades humanas, as soberbas, a corrupção e as burrices. Nosso País tinha tudo para não ter pobres!


7. Finalização poética

IS: Se o coração pedisse para escrever uma carta nesse momento, a quem seria e o que diria?

PF:
Maria Helena. Continuo com muitas saudades. Seu, Pedro.

Ouvir Pedro foi mais do que escutar lembranças: foi tocar a matéria viva de que somos feitos. Porque há uma parte dele em cada um de nós. Naqueles que o conheceram no consultório, nos livros, nas conversas de clube, na risada solta da academia ou nos corredores da vida.

E agora, vamos inovar? É certo que cada amigo guarda um detalhe, uma cena, um trecho do livro que Pedro é. Vamos, então, continuar esta roda? Que esta entrevista sirva de ponto de partida – e não de chegada. Conte-nos o que gostaria de compartilhar. Porque Pedro pulsa. E a amizade, essa sim, é o que mais faz o coração bater.



Contato: Pedro Franco -  pdaf35@gmail.com




Revista Rio Total
Direção e Editoria
Irene Serra