01/09/2023
Ano 26
Semana 1.332




ARQUIVO


 



História

Cultura

Tradição

 



Rosh Hashana

e Iom Kipur


Jane Bishmacher de Glassman


No 1º dia do mês de Elul, Moisés subiu ao monte Sinai para pedir a Deus as novas Tábuas da Lei. A partir daí, durante 40 dias, o povo fez penitência pelo pecado da idolatria, esperando que Moisés obtivesse o perdão de Deus. Também hoje em dia, recita-se, durante 40 dias, preces especiais para implorar o perdão de Deus. Os dias de mais estrita penitência são os 10 últimos, do 1º ao 10º dia de tishrei - asseret iemei teshuvá.

Estes dias, em que o 1º é Rosh haShaná e o 10º é Iom Kipur, são considerados Iamim Noraim (“dias temíveis”) porque, ao se concluir o ano é necessário fazer um balanço sobre o que foi realizado, submeter-se a um juízo consigo mesmo, e comprometer-se com a teshuvá (retorno, arrependimento).
Seli’hot (preces penitenciais, literalmente = desculpas), são recitadas durante toda a semana anterior a Rosh haShaná.

Teshuvá - frequentemente traduzida como arrependimento, na realidade significa retorno. O judaísmo enfatiza que nossa natureza essencial, a centelha divina da alma, é boa. O verdadeiro arrependimento é atingido não por meio da severa auto-condenação, mas pela percepção de que o mais profundo desejo é fazer o bem, retornar ao bem.

ROSH HASHANÁ

Rosh haShaná significa, literalmente, “cabeça do ano” e se refere à celebração do Ano Novo Judaico, iniciando as grandes festas. Cabeça do ano pois o homem também usa a cabeça (cérebro) para organizar sua vida, suas ações. O ano novo judaico celebra o aniversário da criação do mundo. É época de reavaliação da qualidade de nosso relacionamento com Deus. Quando Moisés intercedeu em favor dos hebreus (por terem cometido idolatria) o povo ouviu ressoar o shofar, que anunciava a presença de Deus. É um espaço temporal que serve para refletir e se comprometer com um plano de ação.

Denominações:

- O conceito de Ano Novo como é hoje, aparece na Mishná: ”O começo do calendário, no dia 1o de Tishrei”;
- Na Bíblia é o 7º mês e é denominado Iom Teruá (dia do toque do shofar) ou Zicaron Truá (recordação do toque do shofar);
- Na liturgia: Iom Zicaron (dia da recordação) e Iom ha Din (dia do juízo)

Rosh haShaná coincide com o outono (no hemisfério norte) - época em que os judeus iniciavam um novo ano agrícola (bem como os outros povos, no mesmo tempo e espaço).

A essência do ano novo judaico não é uma ocasião para o excesso e o júbilo incontrolado. Entra-se num período de reflexão, de auto-exame e também de recordação. O símbolo principal deste evento é o toque do shofar durante o mussaf. O shofar é como um alarme, que chama à reflexão o piedoso e, à consciência adormecida, o homem desinteressado.

Leis e costumes de Rosh haShaná:

1. Formula-se votos de um feliz ano novo aos próximos. Costuma-se enviar cartões com bênçãos e votos para o ano novo. Exemplos: Shaná Tová U-metuká (um ano bom e doce), Le-shaná Tová Tikatev (que seja inscrito para um ano bom).

2. Na véspera de Rosh haShaná as mulheres acendem velas (como na véspera de Shabat) e abençoam (acender vela de Iom Tov além da bra’há Shehe’heianu).

3. Veste-se roupas brancas, representando a pureza da alma.

4. Come-se comidas que representem o bem, a plenitude e a feliz renovação do ano. Um costume antigo é mergulhar um pedaço de halá, sobre o qual se faz a bra’há, não no sal e sim no mel, simbolizando a doçura do ano que vem. Judeus ashkenazim costumam assar halot redondas representando o ano redondo (cíclico) e pleno, e judeus sefaradim costumam encher um cesto com frutas e escondê-lo, simbolizando que o ano que vem também é “oculto” e não se sabe o que trará. Há muitos que comem peixes, simbolizando que “nos multipliquemos e frutifiquemos” como peixes, cenoura, como símbolo de realização material ou melancia, representando segurança; uma cabeça de peixe,cordeiro ou cabrito - para que “sejamos cabeça e não rabo”. Quase todos comem uma maçã no mel (tapua’h bedvash) - para um ano bom e doce.

5. Intensifica-se a tefilá (reza) e o estudo da Torá. Também são acrescentados trechos nas rezas, como na Amidá e no Kadish.

6. Depois do serviço da tarde do 1º dia de Rosh haShaná, aproxima-se de um rio ou do mar e pronuncia-se: Mi El Camo’há ? (Quem é Deus como tu?) e se sacodem as roupas, para simbolizar o desprendimento dos pecados.

7. Se o 1º dia de Rosh haShaná cai num Shabat, cumpre-se esta cerimônia (tashli’h) no 2º dia. Ela simbolicamente se refere às palavras do profeta Miquéas, cap.6: “E atirarás para as profundezas do mar todos os teus pecados...”

É bom que se tenha peixes na água pois estes nunca fecham os olhos, representando a vigilância constante de Deus. Um motivo deste costume encontra-se no Midrash, que conta a lenda de quando o Patriarca Abraão estava indo sacrificar seu filho Isaac, Satã criou uma poça de água como obstáculo no seu caminho, mas Abraão continuou em frente até que a água atingisse seu pescoço. Então Abraão rezou a Deus e a água desapareceu. Em Rosh haShaná costumamos ir junto à água de um poço, rio ou mar para despertar a misericórdia divina em lembrança do sacrifício de Abraão.

8. Toca-se o shofar no 1º e no 2º dias de Rosh haShaná como mitzvá (ouvir truat shofar). Cada dia devem soar 100 toques divididos em 3 tipos: tekiá, truá e shevarim. De acordo com o costume sefaradi, toca-se 101 toques. O shofar também está associado ao sacrifício de Isaac, que foi salvo por um cordeiro preso em seus chifres, o qual foi sacrificado em seu lugar.

9. Quando Rosh haShaná cai no Shabat não se toca o shofar.


O SHOFAR

Primitivo chifre de carneiro.
É um dos primeiros instrumentos musicais de sopro da humanidade.
Até hoje se mantém sua forma e uso das notas tradicionais.
Seu som anuncia o ano novo e convoca ao arrependimento.

Na antiguidade foi utilizado nos seguintes acontecimentos:
- Sobre o Sinai, na entrega das Tábuas da Lei;
- As muralhas de Jericó caíram com seu som;
- O dia em que Ehud matou milhares em Moab.

Em épocas pós-bíblicas o som do shofar foi escutado:
- Em caso de alarme, incêndio ou inundação;
- Figurou magicamente na cerimônia para a chuva;
- Seu som convoca à reflexão e à ação de vincular-se como povo, como nação e como Estado.

(Fontes: Ex30,1-10;Nm29,17;Lv25:9-16,29:34,23:24;Ez40:7;Jr8:1-11).

Tem sido usado de 3 formas diferentes através da História:
- Antigo Israel (antes do Rei David): uso cotidiano para congregação do povo, marcha, convocações santas.
- Período do Templo: serviços religiosos.
- Tempo moderno: só em Rosh háShaná e Iom Kipur: chamado moral. Assim, o shofar até hoje anuncia o Ano Novo e convoca o povo ao arrependimento.


IOM KIPUR

Iom Kipur, Dia da Expiação ou do Perdão, 10º dia de tishrei, marca a culminância dos 10 Dias de Penitência e é considerado um dos pontos máximos do calendário judaico. O jejum e a abstenção de todo prazer físico são uma expressão extrema da intenção de submeter a natureza material ao domínio do espírito. Embora sejam dias solenes, não são tristes, pois em Iom Kipur recebe-se o presente mais sublime de Deus: Seu perdão. Quando uma pessoa perdoa outra, é por causa de um profundo senso de amizade e amor, que não leva em conta o efeito de qualquer coisa errada que tenha sido feita. O perdão de Deus é uma expressão de seu amor incondicional. Quanto mais plenamente demonstrarmos nossa união essencial agindo com amor e amizade entre nós mesmos, mais plenamente o amor de Deus se revelará.

Iom Kipur enfatiza os seguintes ensinamentos do judaísmo:

1. O pecado é uma fraqueza do homem e está sempre sob seu domínio, caso o homem deseje dominá-lo; não é obra de poderes malignos que tramam a decadência do homem.
2. O homem tem certeza de que seu Pai o receberá sempre bem e perdoará seus pecados, se ele realmente se arrepender.
3. Não existe nenhum intermediário entre Deus e o homem. Para que o homem seja perdoado basta que ele realmente se arrependa e se proponha a levar uma nova vida.
4. Deve-se pedir perdão ao próximo antes de pedir a Deus.

TESHUVÁ - TEFILÁ - TZEDAKÁ

O credo judaico não reconhece o dogma do pecado original, pois considera o homem bom e puro por natureza e livre: Deus põe em suas mãos os meios de renovar-se sempre e indica os caminhos que levam à graça: teshuvá, tefilá e tzedaká.

Teshuvá - implica arrependimento, regresso. Não existe erro ou pecado que não possa se cancelar através da Teshuvá. Consiste em 3 etapas:1.Hakarat há’het=reconhecimento do erro; 2. Teshuvá =o arrependimento;3.Azivat há’het = não voltar a cometer o mesmo erro. Tefilá = reza, oração. Tzedaká = significa, ao mesmo tempo, justiça e caridade, porque no exercício da caridade realiza-se a justiça.

Leis e costumes de Iom Kipur

1. No dia anterior a Iom Kipur, pela manhã, faz-se a cerimônia de kaparot, com um galo ou galinha.

2. Deve-se comer bem na véspera de Iom Kipur, assim como jejuar no dia seguinte. Ao entardecer, faz-se a última refeição, que deve ser de fácil digestão como carne de aves, que deve ser concluída antes do anoitecer.

4. É proibido comer, beber, lavar-se, barbear-se, calçar sapatos de couro, perfumar-se, etc.

5. Em Iom Kipur celebram-se serviços em memória dos mortos (Yzkor). Costuma-se realizar o Yzkor no último dia de cada Iom Tov (Pessah, Shavuot, Shemini Atseret). Porém em Iom Kipur é especial. Mesmo os que normalmente não freqüentam a sinagoga fazem questão de ir. Eles vêm relembrar as almas de seus queridos pais (ou avós ou outros parentes), que já se encontram no Olam haEmet (Mundo da Verdade). Geralmente essas orações são feitas mais ou menos no meio de Iom Kipur.

6. A oração que inicia os serviços de Iom Kipur é o Kol Nidrei. O fim do jejum e do Iom Kipur é marcado pelo toque do shofar após a Tefilá Nehilá.

7. Na oração min’há, além da leitura da Torá, lê-se o livro de Jonas, devido ao relato da teshuvá do povo em Nínive e para relembrar que os homens podem mudar seu destino e o Julgamento Divino através de uma Teshuvá sincera.

8. Em Iom Kipur fala-se o Vidui (confissão). Todos recitam juntos, pois considera-se que todos os judeus formam uma unidade, um só corpo. Assim, quando uma pessoa comete um pecado, o corpo inteiro é afetado. Da mesma forma, quando alguém faz uma mitzvá, traz benefício para o povo como um todo. O vidui é como um reconhecimento do erro e uma expressão de remorso, como se disséssemos que não deveríamos ter cometido esta falha.

9. Ao findar Iom Kipur faz-se com uma refeição familiar festiva.

10. Imediatamente após o término de Iom Kipur começa-se a construir a Sucá.

SUCOT

A Festa das Cabanas, em hebraico Sucot, é parte do ciclo de festividades que começa com Rosh haShaná. Sucot distingue-se por 2 ritos: a sucá, onde se deve, durante a festa, comer todas as refeições, construída para lembrar as cabanas que os antepassados dos israelitas construíam no deserto; e o lulav, que é um feixe formado de 1 palma de tamareira(lulav),3 ramos de mirta (hadás),2 de salgueiro(aravá) e a cidra(etrog). Durante as orações matutinas agita-se este feixe,lembrando ser Sucot também a festa da colheita - Hag Assif.

As 4 espécies de Sucot são semelhantes a 4 tipos de pessoas:

· Etrog - tem sabor e aroma - simboliza os conhecedores e praticantes da Torá e das mitzvót, praticantes de boas ações;

· Lulav - tem sabor mas não tem aroma - simboliza os conhecedores, mas que não praticam boas ações;

· Hadás - possui aroma mas não tem sabor - simboliza os que praticam boas ações mas não conhecem Torá nem mitzvot;

· Aravá - não possui sabor nem aroma - simboliza os que não conhecem nem praticam boas ações.

A razão básica para a sucá é a de reviver o mesmo tipo de vivenda passageira em que viveram os judeus enquanto vagavam através do deserto durante 40 anos. Pelo fato de se deixar as casas e ir habitar durante uma semana na cabana, tem-se a obrigação de se recordar também a história do povo judeu. A sucá simboliza as perseguições, as diásporas que foram impostas por outros povos através da história judaica. Não lhes deram a possibilidade de habitar em sua casa pequena e acolhedora. Foram coagidos a fugir de um lugar para outro, de um país para outro, de diáspora a diáspora. Ao se deixar as casas e transferir-se para a sucá, uma pessoa pode, através da vivência, vir a entender o que sente um pobre quando vive em tal situação, exposta aos elementos naturais e pode apreciar ainda mais as bênçãos de Deus, que nos permitiu ter uma casa segura.

Sucot é um exemplo de como o judaísmo pede mais que pensamentos e verbalizações - requer ação.

Durante cada um dos dias de Sucot recitam-se preces especiais para que o novo ano traga prosperidade para a terra e saúde aos homens. Hoshá-na = salva-nos: no sétimo dia da festa, Hoshaná Rabá, agitam-se, durante a oração da manhã, ramos de salgueiros, árvore que cresce à margem dos rios e que simboliza a água que corre em abundância. São renovados os pedidos a Deus que lave as faltas, que ajude no ano que começou. Quando o Templo existia celebrava-se a festa da água (Sim’hat Beit haShoevá). Hoje, em Israel, efetuam-se em Sucot festas populares e campestres.

A festa de Sucot dura 7 dias, dos quais os dois primeiros são festas solenes. O 7º dia de Sucot, Hoshana Rabá, inclui 7 voltas ao redor da Tevá (altar),como se fazia durante a época do Templo, rememorando as 7 voltas do povo de Israel em redor dos muros de Jericó. Este dia é considerado um dos mais sagrados do ano inteiro; os cabalistas dizem que é o dia no qual o selo final é colocado no “Livro da Vida”, determinando o destino para o próximo ano. Muitas comunidades sefaradim fazem um Tikun, ou longa noite de estudos, em honra a este dia sagrado.

SHEMINI ATZERET E SIM’HAT TORÁ

Após haver deixado para trás os dias de penitência do mês de tishrei e o júbilo da festa de Sucot, despede-se desta temporada festiva com a celebração de Shemini Atzeret e Sim’hat Torá. Em Israel, estas duas festas se celebram juntas, em um só dia; na diáspora, em dois. Na Torá, chama-se de a festa do 8º dia (Nm. 29:35). Ainda que se festejem juntas, existem diferenças. Em Sucot há muitas mitzvot; a única mitzvá de Shemini Atzeret é a de regozijar-se – talvez a mais difícil do judaísmo, porque envolve nossa psiquê. Sucot se celebra fora de casa, Shemini Atseret é festejada em casa.

Um aspecto particular de Shemini Atzeret é a oração por chuva, porque nesta época o mundo é julgado em relação à água. Nas orações se introduz a frase, que será recitada até Pessah: meshiv ha-rua’h u morid ha-gueshem (o que faz com que o vento sopre e a chuva caia). Ela dá expressão à natural ansiedade que se sente em Israel durante a estação das chuvas, já que a ausência delas significa fome, sede e enfermidade. Esta oração é deixada para o dia final da festa, para não invocar a chuva justamente quando se necessita de desfrutar de um bom tempo para habitar a Sucá.

Sim’hat Torá assinala a ocasião em que a leitura da Torá é completada e reiniciada. Embora com este nome não se ache no Talmud, a festa é citada no Zohar (Pin’has 256b). Como se finaliza a leitura da Torá, é um momento oportuno para se alegrar em sua homenagem: por isto é chamada Sim’hat Torá = alegria da Torá. Todos os rolos são retirados do Aron haKodesh (arca sagrada) e membros da congregação recebem a honra de levá-los para as Hakafot, as 7 voltas feitas em procissão em redor do átrio da sinagoga. O caráter festivo de Sim’hat Torá é revestido de um espírito de regozijo no qual as crianças têm parte especial. Para destacar a ocasião festiva, elas se juntam às Hakafot munidos de bandeiras. A pessoa convocada para a conclusão da leitura é o Hatán Torá e a que é convidada para iniciar é o Hatán Bereshit.



TEXTOS EXTRAÍDOS DE “À LUZ DA MENORÁ: INTRODUÇÃO À CULTURA JUDAICA”,
DE JANE BICHMACHER DE GLASMAN, ED. DA AUTORA, GRÁFICA STAMPA, 1999
(direitos autorais protegidos)



Jane Bichmacher de Glasman é Doutora em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica USP,
Professora Adjunta, Fundadora e ex-Diretora do Programa de Estudos Judaicos UERJ e
do Setor de Hebraico UFRJ (aposentada) e UERJ, escritora

Publicado na Revista Rio Total em 9 de setembro, 2009.







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Direção e Editoria
Irene Serra