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Pessach, a libertação

Jane
Bichmacher de Glasman
“No primeiro mês (nissan), aos 14 dias do mês, às
vésperas, é Pessah para o Senhor. E aos 15 dias deste mês é a festa dos pães
ázimos para o Senhor; por sete dias comereis pães ázimos.”(Lv. 23, 14-15). Assim
se lê na Torá (Pentateuco). O nome Pessah deriva do hebraico passah que
significa saltar, passar por cima, e assim se chama esta noite, por ter o Anjo
que matou os primogênitos dos egípcios, passado sem se deter pelas casas dos
hebreus, que, deste modo, foram poupados. Com efeito, o Senhor pediu aos hebreus
uma prova de confiança Nele. Ordenou-lhes que, no 10º dia do mês de Nissan,
tomassem um carneiro ou cabrito, sacrificassem-no na tarde do 14º dia e
aspergissem seu sangue na porta e que comessem a carne à noite. Assim fizeram os
israelitas e o Anjo, vendo a porta manchada com o sangue, passou sem se deter.
Significado de Pessah
Pessah comemora a libertação dos judeus do
cativeiro no Egito e isto lhe imprimiu um caráter especial: é a celebração da
liberdade, a história da mobilização do povo para a conquista da liberdade. Para
o povo judeu, recordar o fato de “escapar do Egito”, significa ultrapassar os
limites naturais que impedem a realização de seu pleno potencial. O “Egito” de
uma pessoa pode ser visível em seu egoísmo, desejos primitivos, vícios. Pessah é
uma oportunidade de transcender as limitações e realizar o infinito potencial
espiritual em cada aspecto da vida.
A comemoração de Pessah não foi
sempre a mesma. Mudou com o passar dos tempos. Mas o essencial na epopeia
judaica é a luta incessante pela liberdade. Tudo pode mudar, transformar-se. Mas
o cerne e o eixo de tudo é a liberdade. O objetivo principal do Seder é incutir
no judeu desde menino, o amor à liberdade em seu sentido pleno.
No
princípio, segundo historiadores, as comemorações de Pessah eram uma festa da
primavera. Era uma festa agrícola que ampliou seu sentido. “Observa o mês da
primavera e guarde o Pessah do Senhor teu Deus pois no mês da primavera o Senhor
teu Deus te tirou do Egito à noite”(Dt 16:1).
Desde o século I, após a
expulsão dos judeus da sua terra, a comemoração de Pessah passou a ser decisiva,
para que o povo não desaparecesse, cultivando a tradição de Pessah como luta
pela liberdade (o que justifica, por toda a sua carga simbólica, ter sido
mantida pelos Marranos através dos séculos, por exemplo). Quando Rabi Gamaliel
instituiu o Seder, ele estava preocupado em manter viva a esperança do povo. Com
o tempo foram acrescentadas lendas do povo à grande festa.
O Seder é uma
representação de um relato histórico, ao vivo, no seio de cada família, com um
narrador, em geral o pai da família, o que se repete todos os anos em cada lar
judeu. E na vida moderna urbana, quando os horários e ocupações não combinam, o
Seder representa um novo papel. Pelo menos durante uma semana de reunião, a
família repensa grandes temas pelos quais vale a pena lutar, como liberdade e
esperança.
As principais mitzvot (preceitos)
Na noite de Pessah, as
casas judias devem estar limpas e arrumadas, louças e talheres que foram usados
durante o ano são postos de lado e tira-se dos armários o serviço destinado a
esta festa. Se a casa não tem dois serviços, todas as panelas que são de uso
ordinário são escaldadas, “casherizadas”.
Na ante-véspera, ao por do sol, a
dona de casa limpa todo vestígio de pão, massa ou qualquer fermento, e à noite,
segue-se o pai na procura do hametz. (Hametz é a designação genérica para toda
comida e bebida feita de trigo, cevada, etc, proibidos de se comer em Pessah,
pois são levedados). Daí em diante, por 8 dias, ou melhor, por 9, contando a
véspera, não entrarão nas casas judias massas fermentadas.
Na véspera de
Pessah os primogênitos costumam jejuar em lembrança de terem sido poupados pelo
Anjo.
Principais mitzvot: comer matzá; narrar a história do Êxodo ao recitar
a Hagadá; explicar os significados dos itens do Seder; beber quatro cálices de
vinho tinto doce; recitar o Halel.

O Seder
Nas duas primeiras
noites de Pessah as famílias se reúnem para recitar a Hagadá, ao redor da mesa
do Seder. A Hagadá não é somente o conto do êxodo dos judeus do Egito, mas
também a encenação simbólica dos feitos históricos e os ensinamentos que deles
se depreendem. A palavra Seder quer dizer ordem. Toda ceia de Pessah é ordenada
segundo um rito especial.

Preparação da Keará (= bandeja) do
Seder
Colocam-se 3 matzot, uma sobre a outra, separadas por um pano, que
representam Cohen, Levi e Israel. e arruma-se a keará desta maneira: na fila de
cima à direita coloca-se o zeroa; à esquerda, a beitzá. Na segunda fila no
centro coloca-se o maror. Na 3ª fila à direita coloca-se o harosset; à esquerda, o karpas. Na fila de baixo no centro coloca-se o hazeret.
A arrumação
do Seder
Detalhe |
Pegamos |
Em lembrança de |
keará |
uma
bandeja grande em que se pode colocar todos os detalhes na ordem correta
|
|
matzot redondas |
3 matzot shemurot |
matzot que Israel comeu ao
sair do Egito |
karpas |
cebola cozida ou batata |
comida dos escravos em hebraico 600 mil = o número de judeus saídos do Egito |
maror e hazeret |
raiz forte |
sofrimento dos escravos |
harosset |
mistura de maçãs, nozes e vinho |
barro e tijolos feitos pelos escravos hebreus |
beitzá |
ovo duro |
sacrifício pascal |
zeroa |
asa de galinha tostada com braço estendido
|
libertação feita por Deus |
4 copos de vinho |
vinho kasher |
4 linguagens da
liberdade: tirarei, salvarei, redimirei, libertarei |
copo de Elias |
copo grande de vinho |
esperança de redenção messiânica |

O serviço
do Seder inicia com a recitação do kidush sobre o primeiro dos 4 copos de vinho
bebidos durante o Seder. Os 4 copos, (vide esquema), lembram as 4 expressões de
liberdade e redenção mencionadas na Torá, relativas à libertação do povo judeu
do Egito (Êx 6:6,7). Os 4 copos também lembram os 4 méritos que os judeus tinham
no exílio egípcio: não trocavam os nomes hebraicos; falavam a língua hebraica;
levavam uma vida altamente moral e permaneceram leais uns aos outros.
Continuando o Seder, o condutor após recitar o Kidush, lava as mãos, prova um
pedaço de karpás, molhado em água salgada. A seguir, parte a matzá do meio em 2
e esconde uma parte sob o guardanapo (o afikoman). Este ato atrai mais uma vez
as crianças que, no final do Seder, deverão procurá-lo e também relembra a
divisão do Mar Vermelho. A criança que encontrar receberá um presente.
A
2ª taça de vinho é enchida e a menor das crianças (que geralmente acaba
acompanhada pelos demais) faz as 4 perguntas que começam com:Má nishtaná halaylá
hazé mikol haleilot?(por que esta noite é diferente de todas as outras?). 1.
Por que mergulhamos karpás em água salgada? 2. Por que comemos matzá? 3.
Por que comemos ervas amargas? 4. Por que sentamos reclinados nesta noite?
A resposta inclui uma breve revisão da história, a descrição do sofrimento
imposto sobre os judeus, a relação das pragas sobre os egípcios e a enumeração
dos milagres realizados pelo Todo Poderoso para a redenção e formação do povo
judeu.
Ao recitar as 10 pragas, gotas de vinho são derramadas
demonstrando que a alegria, representada pelo vinho, não está completa quando
relata o sofrimento dos seres humanos, embora inimigos. Torna-se a encher os
copos em seguida.
Logo após a ceia que termina com o afikomán, lê-se a
bênção após a refeição (birkat haMazon); termina-se a leitura da Hagadá com o
Halel (Louvores). Durante o seder e após, costuma-se cantar canções judaicas
tradicionais. Bebe-se o 4º copo de vinho e se deseja: “No próximo ano em
Jerusalém”.
É importante lembrar que ao 3º copo de vinho,
abrem-se as portas para que entre o profeta Elias, que segundo a tradição,
visita as casas judias na noite do Seder. Conta ainda a lenda, que é o profeta
Elias que anunciará a vinda do Messias, que reconduzirá o povo à sua terra. A
lenda diz que se deve deixar a porta entreaberta para facilitar a entrada do
profeta Elias, mas sendo ele tão “milagreiro”, poderoso, a porta fechada seria
um problema para ele? O costume tem também outra origem:
Desde a Idade
Média até recentemente, o anti-semitismo usava Pessah para uma calúnia terrível
contra os judeus. A falsa acusação era que os judeus matavam uma criança cristã
para usar seu sangue na fabricação da matzá e beber seu sangue com vinho. Havia
gente tão atrasada que acreditava nisso, levando a atos de vandalismo contra
judeus.
A porta ficava aberta porque as famílias judias queriam que os
vizinhos cristãos pudessem ver a qualquer momento o que os judeus estavam
fazendo. Essa calúnia passou à história com o nome de “assassínio ritual”. Mas
nem sempre se podia deixar a porta aberta, como nos tempos da Inquisição, quando
o Pessah era celebrado na clandestinidade.
A festa de Pessah dura 8 dias.
Os 2 primeiros e os 2 últimos são festas solenes; os dias intermediários são
chamados Hol-ha-Moêd (semi-festas). Durante os dias do Moêd, todo o trabalho é
interditado, tal como no sábado, com exceção de cozinhar e servir-se de fogo.
Durante os dias de semi-festa, todo trabalho indispensável é permitido.
Na primeira noite do Seder, há sempre alguns convidados. É dever convidar
aqueles que estão tristes, sós, sem família, para que possam celebrar junto a
Festa da Liberdade.
Do livro A LUZ DA MENORÁ, de Jane Bischmacher de Glasman Publicado,
inicialmente,
na Revista Rio Total, em abril de 1996.
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Direção e Editoria
Irene Serra
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