03/05/2013
Ano 16 - Nº 838
 



 

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W.J. Solha




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W.J. Solha



BREVÍSSIMOS ENSAIOS MUITÍSSIMO ILUSTRADOS – Número 1

GÊNIOS & CIA muito LTDA.

W.J.Solha - CooJornal

A trilogia O Senhor dos Anéis, produzida e dirigida por Peter Jackson, custou 280 milhões de dólares.


Já no Avatar de James Cameron, produzido pela Lighstorm Entertainment e distribuído pela 20th Cenruty Fox - outro avanço considerável em termos de tecnologia cinematográfica - foram gastos quinhentos milhões.


Dinheiro. Meios.

Atrás disso emigraram da Paraíba Assis Chateaubriand, Zé Ramalho, o maestro José Siqueira, Santa Rosa, Chico César, Sérgio Lucena, Antonio Dias, Augusto dos Anjos, Zé Lins, Pedro Américo, Walter e Vladimir Carvalho, Zé Dumont, Luiz Carlos Vasconcelos e muita gente boa. Atrás disso arribaram da Espanha, no começo do século XX, artistas do porte de Picasso, Miró, Dali, Buñuel e Lorca, quando Paris era o centro mundial das artes. Atrás disso, durante a Renascença, Leonardo saiu de seu povoado, Vinci; Rafael largou Urbino; Miguelângelo se mandou de Caprese. Atrás disso Shakespeare abandonou Stratford-upon-Avon, rumo a Londres.

Este é Almeida Júnior:

Quando todo mundo, no Brasil dos finais do século XIX, buscava a europeização de nossa arte, enchendo-a de quadros sacros e históricos, esse matuto de Itu – a cem quilômetros de São Paulo - adquiriu certo prestígio reproduzindo caipiras e paisagens do interior paulista.


Um belo dia, recebeu uma visita em seu ateliê:

Pedro II, impressionado com o que viu, deu-lhe uma bolsa de estudos... em Paris. A data do nascimento do pintor – oito de maio - passou a ser, depois de sua morte, o Dia do Artista Plástico Brasileiro.

Na verdade, as grandes viradas na História da Arte se deram, todas, de uma associação feliz de capital e trabalho, ou de Poder e Gênio. O primeiro exemplo de que me lembro aconteceu cerca de 1350 anos antes da era cristã. A arte egípcia vivia de uma tradição altamente estilizada...

... quando ocorreu a estupenda revolução religiosa do faraó Akhenáton, que botou a santíssima trindade Hórus-Ísis-Osíris...

...no lixo, e fundou uma fé monoteísta centralizada em algo bem mais concreto:
                                                    o Sol.





A radicalização no modo de ver o mundo transbordou pra Arte. A escultura foi a primeira a despertar, passando a nos deixar, por exemplo, o registro fiel – realista - da feiura do soberano...



... e da contrastante e elegante beleza de sua mulher Nefertiti:

... conforme peças encontrados na oficina de seu escultor, que uns chamam de Djehutymes, outros de Tutmés.


Já da paixão de outra rainha do Nilo – Hatshepsut - pelo escultor e arquiteto Senmut, surgiu uma das mais ousadas e criativas incorporações da natureza numa obra de arte: o palácio-túmulo dela:

 


E é claro que ninguém poderia omitir, na abordagem deste tema, a sociedade perfeita composta de Péricles, o grande administrador de Atenas no século V A.C., e seus arquitetos Ictinos e Calícrates, mais o engenheiro e escultor Fídias:

Vi, no Museu Britânico, o extenso e maravilhoso friso dos cavaleiros, em relevo de mármore, que Lord Elgin recolheu das ruínas dessa obra magnífica, quando ninguém dava a mínima para o que havia lá:

               

Mas outra grande virada grega viria um século mais tarde, com outro belo consórcio
Poder & Arte: o de Alexandre o Grande, que aqui está...

... e seu escultor Lisipo. Esse artista quebrou – como ocorrera no Egito de Akhenáton – a tradição da arte vigente, essencialmente preocupada com a sobre-humana perfeição dos deuses, criando um estilo realista, calcado no que ele via à sua volta. E, mais: ao esculpir seu Ares Ludovisi, representou Marte prosaicamente sentado, com as mãos apoiadas num dos joelhos, revolucionando ainda mais a Arte, ao incorporar à obra o inédito vazio entre os braços e o corpo do deus da guerra.


Em Roma, o primeiro grande patrocinador das artes foi o imperador César Augusto.

Através de Caio Mecenas - nobre riquíssimo e muito culto - deu cobertura principalmente a poetas - como Propércio, Horácio e

... mas sua mão se estendeu sobre as outras atividades nobres, que patrocinou em todo o mundo. Em Pompeia temos, por exemplo, o impacto de duas obras em suportes diferentes, financiadas por ele: o mosaico em que se representa a enorme cena da batalha de Dario e Alexandre em Isso,

...e o vasto afresco retratando as cerimônias religiosas dos então chamados Mistérios.


Somente na Idade Média surge outro grande incentivador da Arte:

Graças à Igreja, temos a insuperável beleza das catedrais góticas...

... que, em sua enorme novidade arquitetônica, acrescentou um outro suporte para os artistas plásticos.






Mas o tempo – e a imposição religiosa - acabaram por criar nova época de estilização na Arte. Para evitar toda vinculação à carne e suas misérias, a Natureza foi eliminada nas representações dos santos:


Justamente ao dar fim a isso, o Renascimento, que veio em seguida, foi uma revolução artística equivalente à dos tempos de Akhenáton e Alexandre. A causa? Francisco de Assis, que um belo dia irrompeu cantando, com intenso amor à vida:
- Louvado sejas, meu Senhor com todas as tuas criaturas,
especialmente pelo senhor irmão Sol!

 
Assim, quando Giotto foi contratado pra fazer os murais da igreja erigida em memória do santo, viu-se obrigado a quebrar as rigorosas regras artísticas vigentes, de figuras chapadas contra fundos dourados, e encheu as paredes de imagens de pássaros e árvores.
 

 

Mas a Renascença floresceu não só do intenso patrocínio da Igreja. Aflorou, também, graças ao apoio substancial de príncipes cultos e riquíssimos, como

... Lourenço de Médici, em Florença, acima retratado por Miguelangelo... ... e Francisco Sforza, em Milão,

aqui num esboço de Pollaiuolo. Os dois eram magnatas políticos que viviam cercados de poetas, filósofos e artistas. Daí que a matemática proveniente da Grécia Clássica domina e controla a arte de tal modo, na época, que Leonardo não apenas ilustra o livro De Divina Proportione (Sobre a Divina Proporção), de Fra Luca Paccioli, aqui num retrato atribuído a Jacopo de Barbari...

...como adota o número de ouro (ou seção áurea) – já utilizado no Pártenon – para a obtenção do equilíbrio perfeito de seus quadros. Surge, ainda, triunfalmente, a perspectiva, graças ao arquiteto Brunelleschi. Aqui mostramos seu traçado, de que resultou a nave central da florentina Basílica de São Lourenço:


Na Holanda aparecia, nesse ínterim, outro tipo de patrocinador: o grande empresário protestante, acionista de multinacionais tipo Companhia das Índias Orientais – que explorava o Sudeste Asiático -, ou Companhia das Índias Ocidentais -, que se apropriaria do Nordeste brasileiro no século XVII, a exemplo deste Pieter van den Broecke, retratado por Frans Hals:


Esses milionários, orgulhosos das próprias performances, é que patrocinaram uma nova reviravolta na Arte, que foi a eclosão do Barroco, movimento cheio de grandes retratistas como o que fez esse quadro, e Rembrandt. É quando surge, também, nova linha de mecenas: a dos reis, como Filipe IV, da Espanha, aqui em retratos feitos pelo contido Diego Velázquez e pelo exagerado Peter Paul Rubens:


Um século depois, na França, surgiu outro rei amigo das artes: Luís XIV.


Como toda ação provoca reação igual e contrária, aparece em seguida, nesse mesmo país, outro grande patrocinador, esse com a paixão pelos césares, da qual surgiria o neoclassicismo:

Graças a Napoleão temos museus repletos de grandes retratistas seus, como David, Gros, Meissonier e Ingres.


Já no século XX irrompe novo personagem: o colecionador, cujo grande protótipo foi o milionário americano Leo Stein,

... irmão de Gertrude Stein, aqui retratada por Picasso.

   

O espanhol caiu nas graças da poeta, que orientou o irmão no sentido de tirá-lo da apertura financeira e do anonimato, mediante aquisição, divulgação e revenda – na Europa e Estados Unidos - de um grande lote de suas obras.


Mais famosa do que Leo Stein, Peggy Guggenheim, que aqui vemos no trono bizantino de sua coleção,


... recebeu, aos vinte e um anos, com a morte do pai no naufrágio do Titanic, a fortuna com que, transferindo-se para Paris, passou a comprar obras de arte, orientada pelos amigos Marcel Duchamp e Constantin Brancusi.

Durante a Segunda Grande Guerra adquiriu uma quantidade enorme de arte abstrata e surrealista, alavancando a carreira de muitos pintores, como o americano Jackson Pollock e o alemão-francês Max Ernst.

E ela teve um precedente na família: o tio Solomon Guggenheim, que contratara o maior arquiteto norte-americano da época para construir nada menos que o ..
 

 

... Museu Guggenheim, de Nova Iorque. Sua fundação criou mais quatro grandes museus, mundo afora, inclusive o de Bilbao, na Espanha:



Antoni GaudìA mesma sorte de Picasso, de Tutmés, de Lisipo, de Max Ernst e de Almeida Júnior teve o enorme arquiteto catalão - mestre do art nouveau na Espanha - Antoni Gaudì,
Eusebi Guell

... ao cair nas graças do riquíssimo empresário Eusebi Guell,

 

.... ou não teríamos tantas obras-primas em Barcelona:


Mas o mérito da realização ou projeção de grandes obras não fica apenas para esses apaixonados ricos ou poderosos. No hemisfério norte há enormes incentivos governamentais para quem investe em Arte, daí a existência do Crystal Bridges, inaugurado recentemente no estado do Arkansas, num empreendimento da colecionadora Alice Walton, herdeira da rede de supermercados WallMart:


Daí, também, o Art Centre da Ellipse Foundation, instalado em Cascais, na grande Lisboa, iniciativa do banqueiro português João Oliveira Rendeiro:


e, ainda, a Neue Galerie, de Nova York, obra de Ronald Lauder, herdeiro da empresa de cosméticos Estée Lauder:


Paralelamente, no século XX, surgiram no mundo todo as...

... bienais, com a proposta de sempre apresentar a última palavra nas artes plásticas, acabando por criar (através de grande estardalhaço na mídia) tendências radicais. O paraibano José Rufino


... teve seu prestígio nacional e internacional avalizado pela XXV Bienal de São Paulo; pela Bienal Barro de América Roberto Guevara, na Venezuela; pela VI Bienal de Havana; pela 1ª Bienal de Arte Contemporânea do Fim do Mundo, na Argentina e pela II BIENAL DE ARTES VISUAIS DO MERCOSUL.
 

 


Resumindo:
Embora não pareça “nobre” a dependência da genialidade ao mecenato, seja ele individual ou coletivo, público ou privado, ela existe. Os que ficam fora dele, ficam... de fora. Nada de voos maiores, como o de um teto de Sistina, de um Parque Güell, de um 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Não que tais artistas deixem de ser geniais por isso, mas ficam, também, sem mídia, e arte, antes de tudo, é comunicação. Exemplo óbvio? Van Gogh. Mas seu caso não foi isolado. Houve, em sua época, uma multidão de pintores notáveis, os naturistas, que - mais infelizes ainda, pois pelo menos ele teve reconhecimento póstumo - ficaram como estão até hoje: no limbo, com seu movimento abafado pelo sucesso impressionista e, depois, pelo cubista. Dura realidade. Mas realidade.

Conclusão: ao Brasil não faltam gênios. Mas Alexandres, Akhenátons, Lourenços de Médici, Césares Augustos, Eusebis Güell e Peggys Guggenheim...

 

(03 de maio/2013)
CooJornal nº 838



Waldemar José Solha é escritor, poeta, dramaturgo, roteirista, ator e artista plástico.
Tabalhou no filme premiado internacionalmente ‘O SOM AO REDOR”, de Kléber Mendonça Filho  e em “Era uma vez eu, Verônica”.
wjsolha@superig.com.br 


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