Sonia Alcalde
VENTURA DO OLHAR
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O menino ao lado do pai carroceiro. Seu olhar
pousou em mim. Segundos. Como a dizer-me que adorava aquele pai que
trabalhava para terem o que comer, ainda que não fosse mesa farta, mas o
suficiente para dormir de barriga sem roncar.
Tive a sensação de ter
visto outros olhos assim. Percorri a vida. Achei-os, os meus. No Jardim
Zoológico. Estranho, não?! Meu pai era um homem bom, trabalhador, com um
salário irrisório. Estava sempre procurando algum biscate que pudesse
aumentar seus ganhos. Encontrou no Zoo, de bilheteiro. Adorava acompanhá-lo
ao biscate. Sentia orgulho de meu pai dentro da casinha recebendo dinheiro.
Tudo isso é pro senhor? Não, querida. Paizinho está fazendo um biscate. Uma
parte vou receber no fim do dia. Passaremos, então, na padaria do seu
Bragança para comprar a broinha que você tanto gosta. Com essa promessa
alimentando meus sonhos de criança, corria para ver o pavão que abria seu
leque multicor. Ui, ele está vindo pra perto de mim. Olha, trouxe um
pedacinho de pão pra você. Vou jogar, viu? Papai não quer que eu dê na sua
boca, você pode me bicar, danado.
Até que um dia melhorou o salário e
não precisava mais ficar na casinha. Então, podíamos passear juntos no
Zoológico. Olharmos o pavão, os flamingos... Rir das macaquices, tremer de
medo diante da jaula do tigre de bengala. Ficar bem perto de papai e
disfarçar o temor perguntando porque ele era chamado de tigre de bengala se
não usava bengala. A resposta não era importante, ficar perto dele valia por
tudo.
Outros olhos surgem diante de mim, os da prima Quininha. Quanta
ternura naqueles olhos diante de seu pai. Ele surgiu na porta com um pacote
de bolacha. Ávida, Quininha recebeu o pacote com uma das mãos enquanto a
outra enlaçava o pescoço do pai e beijava-o. Comeu uma bolacha diante dele.
Como é gostosa, papai! Em seguida, mostrou-lhe seu caderno de desenho.
Quando ele foi embora, o pacote de bolacha permaneceu num cantinho. A tia
pegou-o e ofereceu à Quininha. Não, tia, não estou com vontade. O dia
passou, o pacote continuou esquecido. Mas foi seu pai quem trouxe...
Quininha saiu de perto sem nada dizer. A tia serviu-se de uma bolacha, não
conseguiu comer, era tão dura... Nos olhos da tia as lágrimas balançaram. Na
hora de dormir, junto à Quininha, a tia fez com que ela rezasse por seu pai
e sua mãezinha que estava muito doente. Que Deus estava cuidando deles, que
tudo ia melhorar e eles estariam juntos outra vez.
(RT, 01 de março/2008) CooJornal no 570.
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