16/09/2021
Ano 24
Número 1.240


 

ARQUIVO
SHEILA SACKS

Sheila Sacks



“Querido mundo...escolho amar você”




Sheila Sacks, colunista - CooJornal







Autor do best-seller “Quando Coisas Ruins acontecem às pessoas Boas”, lançado em 1981 e com mais de 4 milhões de exemplares vendidos, Harold Kushner, em 2015, publicou o livro Nine Essential Things I’ve Learned About Life (Nove Coisas Essenciais que Aprendi sobre a Vida, em tradução livre do inglês).

Então com 80 anos, o líder espiritual da pequena comunidade judaica de Natick, em Massachusetts (EUA), lista “as coisas” que diz ter aprendido ao longo de seus estudos e experiências pessoais. Dentre elas: “Deus não é um homem que vive no céu”; “perdoar é um favor que você faz a si mesmo”; “para se sentir melhor consigo mesmo, encontre alguém para ajudar “; “Religião é o que você faz, não o que você acredita”.

Sua carta ao mundo - “Querido mundo... escolho amar você” - incluída ao final das nove coisas que aprendi sobre a vida, foi republicada pela revista canadense Zommer e nela o rabino nascido no Brooklyn explica que amar o mundo torna mais fácil ter esperança no amanhã. Com mais de uma dúzia de livros publicados, sua obra traz conforto e alento a milhões de leitores que enfrentam momentos difíceis em suas vidas.

A carta de Kushner

Querido mundo

Já passamos por muita coisa juntos nas últimas oito décadas, você e eu - casamentos, nascimentos, mortes, realizações e decepção, guerra e paz, tempos bons e tempos difíceis... Houve dias em que você se tornou maior. Houve dias em que você parecia tão dolorosamente belo que mal pude acreditar que você era meu, e dias em que você partiu meu coração e me levou às lágrimas.

Mas com tudo isso, escolho amar você. Eu te amo, quer você mereça ou não (e como se mede isso?). Amo você em parte porque você é o único mundo que tenho. Eu te amo porque gosto de quem sou melhor quando faço. Mas principalmente, eu te amo porque te amar torna mais fácil para mim ser grato por hoje e ter esperança no amanhã. O amor faz isso.
Fielmente seu,
Harold Kushner

Relembrando: Pessoas boas versus coisas ruins

Traumatizado com a morte do filho de 14 anos que sofria de uma doença genética incurável, Kushner repassou para o papel toda a sua experiência de dor e sofrimento, e também a sua inabalável fé no Criador.

Citando a figura bíblica de Jó, homem íntegro que vê os filhos morrerem, os negócios falirem e a doença atacar o seu corpo, Kushner dá o seguinte recado: mesmo nas adversidades, não ceda à tentação de abandonar a fé em Deus. Entretanto, essa tragédia pessoal faz o rabino repensar tudo o que ensinava sobre Deus e os caminhos de Deus.

A visão do tapete

No livro acompanhamos os inúmeros casos verídicos de adultos bons, decentes e fiéis em suas crenças, e de crianças alegres e inocentes, os quais, em um momento de suas vidas, são atingidos por um infortúnio ou mesmo pela tragédia.

Kushner observa que muitas dessas pessoas e as que estão ao seu redor têm a ideia de que possíveis tropeços e desmandos possam ser as causas de suas desgraças. Isso é, que Deus dá a cada um o que cada um merece. Uma culpa que geralmente se mistura à revolta e a inevitável questão: “Que razões poderia ter Deus para fazer o que fez, já que não sou pior do que o meu vizinho?”.

O rabino lembra que no livro “O Oitavo Dia” (1967), o escritor norte-americano Thornton Wilder (1897-1975) dá uma visão interessante dos desígnios de Deus. A história descreve um homem bom cuja vida é arruinada pela má sorte e hostilidade. Ele e sua família sofrem, embora sejam inocentes. E não existe final feliz. O que Wilder apresenta, destaca Kushner, se assemelha à imagem de um lindo tapete. Olhando do lado direito, é um trabalho de arte, muito bem tecido, reunindo fios de diferentes tamanhos e cores para formar um desenho inspirado. Mas, virando o tapete pelo avesso, percebe-se uma confusão de fios, uns curtos outros compridos, alguns cortados, outros amarrados.

Logo, seria dessa forma que veríamos o mundo, do nosso ponto de vista, ou seja, olhando o tapete de baixo, enxergando o seu avesso. E dessa maneira, os padrões de recompensa e punição poderiam parecer arbitrários e sem lógica porque não temos a capacidade de compreensão e o entendimento divino. Kushner assinala em seu livro que nem sempre há uma razão para os males que nos afligem: “Será que somos capazes de aceitar a ideia que há fatos que surgem sem qualquer razão, de que no universo existem circunstâncias fortuitas?”.

Muita gente não se conforma com o conceito de casualidade e procura nexo e sentido em tudo que lhes ocorrem. Outras enxergam a mão de Deus atrás de tudo o que acontece. Mas suponhamos, escreve o rabino, que Deus não tenha terminado toda a sua obra no sexto dia, de acordo com a metáfora bíblica da Criação, e o processo de colocar ordem no caos ainda esteja em andamento.

Pela vida

Sobreviventes do Holocausto também são bons exemplos quando se aborda os desígnios de Deus. No livro “Por Aqueles que eu amo”, Martin Gray, que sobreviveu ao Gueto de Varsóvia e ao Holocausto, conta que depois da guerra se casou e constituiu uma família feliz. Entretanto, um incêndio em sua casa no sul da França matou a esposa e seus filhos. Ainda que arrasado com a tragédia, Gray preferiu não ir atrás de possíveis culpados e aplicar os seus recursos em um movimento para proteger as florestas de incêndios. A vida, explicou o sobrevivente, tem que ser vivida por alguma coisa, não contra alguma coisa.

Kushner também cita o trecho de um livro escrito por um sobrevivente de Auschwitz (A Fé e a Dúvida dos Sobreviventes do Holocausto, de Brenner) sobre a vontade de Deus e a matança de milhares de inocentes nos campos de concentração nazista. Afirma o sobrevivente: “Nunca me ocorreu questionar o que Deus fez ou deixou de fazer, enquanto eu fui um habitante de Auschwitz... Eu não fiquei menos ou mais religioso com o que os nazistas nos faziam... Nunca me ocorreu associar a calamidade que estávamos experimentando a Deus, censurá-Lo, deixar de crer, porque Ele não vinha em nosso socorro. Devemos a Deus nossas vidas, pelos poucos ou muitos anos que vivemos, e temos a obrigação de cultuá-Lo e fazer o que Ele nos ordena. Para isso estamos na terra – a serviço de Deus, para cumprir a Sua vontade.”

No mais, o rabino Harold Kushner, nascido em 1935, escreveu vários livros de sucesso (Quando Tudo não é o Bastante; Quando as Crianças perguntam sobre Deus) e foi considerado pela organização católica norte-americana “The Christophers” uma das 50 pessoas que na última metade do século 20 tornaram o mundo melhor.

Atualmente, com 86 anos, ele diz perceber que as pessoas olham para trás e julgam que deixaram de fazer muitas coisas. “A diferença entre uma pessoa que tem uma velhice feliz e uma pessoa que tem uma velhice infeliz não é o quão bem-sucedidas elas foram, mas o quanto as coisas em que falharam continuam a perturbá-las.” E dá um conselho:” Se você não for capaz de silenciar aquela vozinha de decepção, você nunca será feliz. "

6/9/2021


Sheila Sacks é jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
http://sheilasacks.blogspot.com

 


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