01/03/2021
Ano 24 - Número 1.212


 

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SHEILA SACKS

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Sheila Sacks



Teletrabalho muda a geografia urbana




Sheila Sacks, colunista - CooJornal







Em recente artigo na revista The Atlantic Magazine, Derek Thompson, redator que escreve regulamente sobre economia, tecnologia e mídia, definiu o ano de 2020 como um ano de crise na saúde pela Covid-19 e também um ano revolucionário pela expansão global do teletrabalho.

A regra comum era viver nas cidades ou regiões próximas ao trabalho e a ligação entre a casa e o local do trabalho formava uma das bases da economia urbana. Thompson lembra que até há pouco tempo a internet não era sinônimo de trabalho remoto, figurando como uma ferramenta social ou coadjuvante nos escritórios.

No mundo pandêmico, o teletrabalho mudou de status e já vem alterando a geografia urbana, esvaziando as regiões centrais das grandes cidades e produzindo mudanças que se assemelham a uma nova revolução industrial. Imaginando que apenas 10% dos americanos continuem exercendo regularmente suas funções através do teletrabalho, argumenta Thompson, categorias como a dos trabalhadores de hotéis (e também de bares, restaurantes e negócios de lazer) serão bastante afetadas. O teletrabalho tem se mostrado um divisor de águas, afirma, com implicações para o futuro da economia, o quadro de oportunidades e o destino das inovações.

Serviços urbanos

Para o colunista de arquitetura e design urbano do jornal The New York Times, Michael Kimmelman, a maioria das pandemias é antiurbana. Isso porque a densidade é um dos principais fatores que faz uma cidade funcionar, favorecendo seu crescimento econômico, cultural e político. Também é a densidade populacional que contribui e pressiona para a efetiva prestação dos serviços urbanos.

Um desses serviços que já está sendo comprometido com a adoção do teletrabalho é o transporte público, consequência direta da expressiva redução de trabalhadores que se utilizam de ônibus, trens e metrô nos deslocamentos diários. Cidades menores e mais distantes estão ganhando o foco de muitos teletrabalhadores americanos que buscam moradias de menor custo, mais espaçosas para o home office e também para o seu lazer. Uma dor de cabeça para as “superstar cities” como Nova York, Washington, Los Angeles ou São Francisco que têm nos impostos e nas taxas municipais sua base de receita. Recursos esses que ajudam a viabilizar o transporte público para aqueles trabalhadores de serviços essenciais e presenciais.

Ainda assim, a criação de empresas remotas é o futuro que se vislumbra, afirma Thompson. Ele cita pesquisa recente, realizada pelo Fundo de Investimentos Initialized, em que 42% das empresas consultadas avaliam que iniciar uma empresa remota é uma opção melhor que instituir uma sede física, considerando até a Califórnia como base. Ano passado, pesquisa semelhante mostrou que apenas 6% dos consultados julgavam essa a melhor decisão.

Traçando um paralelo entre o mundo físico e o digital, o autor do artigo acredita que é possível agregar pessoas produtivas e talentosas de cidades distintas em uma empresa remota, tipo “nowhere-everywhere” (em lugar nenhum – em qualquer parte), e criar uma cultura de trabalho que também produza oportunidades e benefícios como os decorrentes do trabalho formal em uma sede física. A dificuldade ficaria por conta da implantação de uma cultura de trabalho distribuída e remota, onde um trabalhador pode estar a centenas de quilômetros de seu colega, até com fusos horários diferentes, mas ao mesmo tempo realizando um trabalho conjunto, compartilhado e bastante eficiente.

Teletrabalho vai continuar

No Brasil, estudo divulgado em novembro de 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) contabilizou 7,3 milhões de pessoas trabalhando em regime de home office, 9,1% dos 80,2 milhões de trabalhadores ocupados.

O setor público representou 38,9% desse total, com 2,85 milhões de servidores em teletrabalho. Já no setor privado, 4,48 milhões executaram suas tarefas em home office. O Sudeste é a região onde se concentrou a maior parte desses trabalhadores (58%), seguido pela capital federal (20%). No Rio de Janeiro, o percentual foi de 15,6% e, em São Paulo, de 13,1%.

Nesse início de 2021, com a observada redução de despesas, mais de 30 órgãos públicos federais confirmaram o prosseguimento do teletrabalho voluntário de seus funcionários, com tendência de se ampliar no pós-pandemia. Vários ministérios, como os da Economia, Cidadania, Desenvolvimento Regional, Minas e Energia, entre outros, e agências nacionais que tratam das Telecomunicações (Anatel), Petróleo (ANP), Transportes Terrestres (ANTT) e Defesa Econômica (CADE), além do IBGE e INSS, estão no rol de órgãos que implantaram o home office de maneira eficaz e produtiva. Uma portaria institucional inclusive padronizou as orientações, regras e metas para os servidores que optarem por essa modalidade de trabalho. Assim, com a redução considerável do fluxo “casa-trabalho-casa”, cada cidade terá que encontrar uma melhor solução urbanística para superar a situação.

Moradias em zonas comerciais

No Rio de Janeiro, o poder público planeja mudar as regras urbanísticas e tributárias que vigoram no centro comercial e histórico da cidade - onde estão concentrados 800 mil empregos - devido ao esvaziamento dos prédios que abrigam escritórios. A ideia é estimular a transformação dos espaços vazios em possíveis moradias, mudando a característica eminentemente comercial da região.

Com a imposição de medidas oficiais restritivas para enfrentar a Covid-19, a partir de março do ano passado, a estimativa é que existam 500 prédios, no centro do Rio, fechados ou parcialmente desativados, aos que se somam centenas de restaurantes, bares e lojas que encerraram as suas atividades. Revitalizar essa parte da cidade, instituindo áreas residenciais, é o projeto que se encaminha para o aval da esfera pública competente em uma iniciativa para minimizar os prejuízos econômicos que se acumulam.

Por outro lado, municípios da Região Serrana do Rio viram a procura por compra e aluguel de imóveis crescerem cerca de 40%, principalmente na cidade de Petrópolis, a 66 quilômetros do centro da capital. Em Cabo Frio, na Região dos Lagos, houve um aumento de 30% na locação de imóveis por temporada, um movimento atípico no setor que registra maior movimento nos meses de férias escolares.

Readequação de espaços e serviços

Enfim, o teletrabalho mudou a perspectiva laboral dos profissionais, o modo de vida e as prioridades, com reflexos importantes no ambiente urbano sustentado por componentes econômicos, como taxas e tributos, e conexões sociais e culturais tradicionais. Frente à aceleração abrupta de um processo digital que vinha caminhando, até então, em compasso aceitável com a gradual evolução tecnológica da sociedade, novos parâmetros de ajustes terão que ser buscados, repensados e alinhados pelos gestores públicos, tanto na readequação dos espaços e serviços urbanos, quanto na implantação de programas sociais para atender a uma legião de centenas de milhares de trabalhadores alijados de seus empregos e que perderam a fonte de sustento (somente no setor do trabalho doméstico formalizado a perda chegou a 1,7 milhão de empregos).

No Rio de Janeiro, um programa estadual que se desenvolve desde setembro do ano passado chegou a marca de 1 milhão de quentinhas ofertadas diariamente (café da manhã, almoço e janta), em locais fixos, para pessoas que perderam seus empregos e se encontram em situação de vulnerabilidade social. Devem ser reativados os restaurantes populares e até uma biblioteca pública, no centro da cidade, planeja abrigar um ponto de acolhimento e de entrega de refeições, com distribuição de livros e leitura de poesia.

Com a expectativa de que a vacinação em 2021 alcance grande parte da população global, há de se observar os desdobramentos da crise social e as perspectivas pragmáticas e imediatas que mirem à recuperação dos ambientes urbanos das grandes cidades, visando devolver o brilho e o poder de atração peculiares de cada uma delas, ainda que o fenômeno do teletrabalho e a aceleração das tecnologias digitais se mostrem um caminho sem volta.


Sheila Sacks é jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
http://sheilasacks.blogspot.com

 


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