16/02/2021
Ano 24 - Número 1.210


 

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SHEILA SACKS

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Sheila Sacks



O futuro que nos espera, será?




Sheila Sacks, colunista - CooJornal






Há mais de duas décadas, um antigo editor do jornal britânico The Times publicou um livro intrigante cuja primeira página se inicia com a citação “o futuro é desordem”, extraída da peça Arcádia, do dramaturgo de origem tcheca Tom Stoppard, de 83 anos.

O autor, Lord William Rees-Mogg, falecido em 2012 e que ganhou o título de nobreza, em 1988, das mãos da dama de ferro Margaret Thatcher, teve como parceiro um guru de investimentos com livros na área da economia, o americano James Dale Davidson, 74 anos. A obra foi apresentada em 1997.

Um mundo instável e desigual

Intitulado “O Indivíduo Soberano: a futura revolução econômica e como sobreviver e prosperar nela” (em tradução livre do inglês, o texto previa que a tecnologia digital tornaria o mundo extremamente competitivo, mais desigual e instável. Os almejados estados de bem-estar ficariam impossíveis de financiar, com as sociedades mais fragmentadas, os impostos menos pagáveis e os governos mais fragilizados financeiramente. Assim, em um mundo mais difícil e cruel, apenas a pessoa mais talentosa, ágil, autossuficiente e tecnologicamente apta – o indivíduo soberano – alcançaria sucesso e independência econômica.

Por outro lado, os chamados “perdedores” da economia se voltariam para o nacionalismo e a nostalgia ácida, tentando impedir o movimento do capital e das pessoas através das fronteiras.

No livro, os autores citam o ano de 2010 como ponto inicial da ascensão desses novos tempos de tecnologia imperial e feroz, assumindo previsões pioneiras como a guerra eletrônica nos sistemas de comunicação, a criação de criptomoedas (moedas digitais), o domínio dos smartphones e a possibilidade de bots online (robôs) imitarem os humanos. Uma visão quase apocalíptica do futuro que recebeu críticas na Inglaterra porque o Ocidente, na época, entrava em um período de relativa prosperidade, igualdade social e otimismo político.

Livro de cabeceira

Nos Estados Unidos a obra foi mais bem recebida, principalmente pelos acadêmicos da Universidade de Stanford, um dos principais campos de recrutamento da elite do seleto Vale do Silício, na Califórnia, maior centro de startups e empresas globais de tecnologia. Peter Thiel, o criador do PayPal, o primeiro sistema de pagamentos online, confessou em entrevista à revista Forbes, em 2014, que o “Indivíduo Soberano” foi seu livro de cabeceira e fator fundamental para o sucesso de sua vida profissional.

Uma obra sobre a qual o jornalista e consultor estratégico Alastair Campbell, principal assessor do primeiro-ministro britânico Tony Blair, classificou de “o livro mais importante do qual você nunca ouviu falar”. Ainda que seus autores não visualizassem o advento de uma pandemia e a implantação do Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia), acontecimentos históricos que marcaram 2020, eles acertaram na previsão do crescimento vertiginoso do fluxo e da consolidação das tecnologias digitais, abarcando e influindo em todos os aspectos da existência humana.

Novos bilionários

Analisando 2020 é fácil observar que diante de um coletivo global impactado e fragilizado economicamente por conta da Covid-19 (103,3 milhões de casos confirmados e 2,2 milhões de mortes no balanço do início de fevereiro de 2021), coube aos mandarins das indústrias farmacêuticas assumirem o protagonismo, como indivíduos soberanos, impulsionados pelo boom das pesquisas científicas e na busca de tratamentos e fabricação de vacinas contra o coronavírus.

A pandemia, que resultou em produtos e serviços altamente monetizados, criou novos bilionários como foi o caso do chinês Zhong Shanshan, 65 anos, dono de uma indústria de água engarrafada e que se tornou o maior acionista da gigante farmacêutica Beijung Wantai Biological, produtora de testes e vacina anticovid. Hoje ele é o homem mais rico da China e a oitava fortuna do mundo.

Ainda segundo a Forbes, Shanshan faz parte da lista dos 50 novos bilionários globais. Todos do setor da saúde. São cientistas, médicos e empresários envolvidos com o estudo e a fabricação de vacinas. Magnatas originários basicamente da China, mas também da Alemanha, Estados Unidos, França, Itália, Canadá, Dinamarca e Índia.

União Europeia e o Brexit

No campo político das nações, o Reino Unido se impôs como indivíduo soberano em relação ao coletivo europeu com a destemida iniciativa do Brexit - junção das palavras Britain (Bretanha) e Exit (saída) -, após 47 anos integrando a União Europeia (UE). Desde então, bandeiras e símbolos britânicos foram retirados do Parlamento e do Conselho Europeu, com mudanças significativas nas relações comerciais, de trabalho e de trânsito no bloco, algo impensável há poucos anos. Uma dissidência que implica na quebra da aparente solidez da unidade europeia, construída a partir de 1993 e que tem, como símbolo maior, a queda do Muro de Berlim, ocorrida em 1989.

Vale ressaltar que o Reino Unido já colheu uma importante vitória no processo de vacinação. Sem estar compromissado com a UE, começou a imunizar no início de dezembro (2020) e já conta com mais de 10% de sua população vacinada (fevereiro/2021). Por sua vez, a vacinação nos países do bloco europeu caminha lentamente e somente um pouco mais de 2% de seus cidadãos foram imunizados até a data mencionada.

Sem empregos

Enfim, o horizonte que se avista com a imposição do primado das tecnologias digitais traz um aprofundamento da crise social, alijando pessoas de empregos tradicionais, eliminando postos de trabalho, mudando a geografia urbana, desordenando as finanças das nações, concentrando riquezas transnacionais e configurando um mundo de falsas utopias e ansiedades. Os governos permanecerão amarrados a continuados programas de transferências de recursos, com o encolhimento de investimentos em infraestrutura, visando aplacar a fome de milhões de pessoas e evitar convulsões sociais. Em paralelo, o nacionalismo exacerbado tenderá a provocar rupturas internas e externas, abalando o conceito político de solidariedade entre povos e nações.

Já no campo da ciência, cientistas alertam para a possibilidade de novas pandemias oriundas da vida selvagem transmitidas para os seres humanos. O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), o pesquisador Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, afirma que mais de 99,9% da virosfera do planeta não é conhecida. Apenas cerca de 10 mil vírus estão catalogados e a estimativa é que devam existir vários milhões de vírus, passando talvez do bilhão. Um conhecimento pífio e preocupante sobre esses terríveis agentes de doenças.


Sheila Sacks é jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
http://sheilasacks.blogspot.com

 


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