10/07/2010
Ano 13 - Número 692


Sheila Sacks
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Sheila Sacks



Terror: quem está a salvo?

 

Sheila Sacks, colunista - CooJornal

Mais uma vez a Tríplice Fronteira (Argentina, Paraguai e Brasil) ressurge na mídia como rota de fuga e abrigo de procurados da Justiça e de supostos integrantes de movimentos radicais islâmicos. Em 16 de junho a agência espanhola EFE divulgava a informação de que os EUA haviam requerido a extradição de um libanês naturalizado americano, preso pela Interpol (Internacional Criminal Police Organization) no dia anterior, em Ciudad del Este. Escondido no Paraguai, na zona da Tríplice Fronteira, o árabe Moussa Ali Hamdan, de 38 anos, é acusado pelo governo norte-americano de 31 delitos cometidos em 2007 e 2008, entre eles o de falsificar passaportes, roubar carros, traficar armas e arrecadar verbas para as atividades do grupo Hezbollah. O chefe da Interpol no Paraguai, José Chena, teve o apoio do Departamento de Prevenção e Investigação contra o Terrorismo daquele país para identificar o fugitivo que não portava nenhum documento que o identificasse.

A jornalista Marta Escurra, que acompanhou o caso em Assunção, informou que Hamdan foi indiciado pelas autoridades dos Estados Unidos em 2009 por sua conexão com a célula terrorista, na época em que residia em Nova Jersey. Em reportagem publicada no portal Infosur hoy, ela conta que Hamdan foi a principal figura investigada nos quatro anos da operação encabeçada pela Força Tarefa Antiterrorismo do FBI. Diz ainda que não se sabe como o homem entrou no Paraguai. Segundo uma fonte policial que pediu anonimato, o árabe “provavelmente entrou por Ciudad del Este para poder transitar livremente pela Tríplice Fronteira onde se presume haver células do Hezbollah, que, por sua vez, têm conexões com células da Venezuela e (Hamdan) seria o líder de ambas as células”.

O responsável pelo atentado

Já em 2007, no documentário “Hezbollah: ameaça terrorista na América Latina”, exibido pelo canal Telemundo, de língua espanhola, da rede de TV norte-americana NBC, a Tríplice Fronteira era apresentada como o lugar mais importante para o grupo extremista xiita libanês (fundado no Irã em 1979), depois do Líbano. Na reportagem do correspondente Pablo Gato, o local é descrito como a capital do contrabando, do narcotráfico e da lavagem de dinheiro da América Latina, com um movimento comercial que atinge de 2 a 3 bilhões de dólares anuais, parte dos quais canalizados para o financiamento do Hezbollah.

Mas, para o jornalista e cientista político Segadas Vianna existem outros movimentos radicais atuando na região. No artigo “A Luta Armada no Brasil”, publicado no site Vote Brasil, ele afirma que “no Sul do país, na chamada Tríplice Fronteira, há fortíssimas evidências da existência de bases ativas da al-Qaeda e de grupos palestinos como o Hamas, sendo que a maioria dessas bases destina-se a abrigar militantes queimados em suas áreas de ação e à obtenção de fundos para as suas atividades.” Estudioso das políticas públicas de segurança, Segadas Vianna foi correspondente na Nicarágua e atuou em 1995 como observador e consultor de um grupo especial da Polícia Civil do Rio.

Em maio deste ano, por ocasião da visita do presidente Lula ao Irã, o diretor do Centro judaico Simon Wiesenthal de Buenos Aires, Sergio Widder, lembrou que a pessoa assinalada como líder da conexão local do ataque terrorista ao prédio da associação israelita Amia, em Buenos Aires, está refugiado em Foz de Iguaçu. Para o procurador argentino Alberto Nisman, responsável pelas investigações, o colombiano Samuel Salman el Reda foi o responsável pela coordenação da entrada, estadia e partida do grupo operacional responsável pelo atentado, assim como das operações de logística e demais atividades que o grupo executou na fase final do ataque.

Ataques na gestão Menem

Há seis anos, a revelação de que dois atentados ocorridos em Buenos Aires foram organizados no Brasil, na região de Foz de Iguaçu, partiu de Carlos Alberto Costa, português naturalizado norte-americano (hoje com cidadania brasileira em razão da esposa e filho serem brasileiros) que chefiou a seção do FBI (Federal Bureau of Investigation) no Brasil por quatro anos. Destacado para agir no país em 1999, depois de servir em várias missões mundo afora, ele alcançou a qualificação nº 36 dentre os “top 50” da polícia federal norte-americana. Na entrevista à revista Carta Capital (edição 283, de 24.03.2004) Costa afirmou que as pessoas que tramaram e executaram os ataques não viviam no Brasil e nem eram brasileiros. Logo após a publicação da entrevista, o então presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, Eduardo Suplicy (PT-SP) considerou preocupante o conteúdo das declarações, solicitando a presença de ministros em uma reunião para esclarecer o assunto. Também a Superintendência da Polícia Federal, em nota divulgada na imprensa, disse que intimou o ex-adido policial dos Estados Unidos no Brasil a prestar depoimento formal sobre os temas abordados.

Vale lembrar que em 18 de julho de 1994 a explosão de um carro-bomba com 300 quilos de nitrato de amônia conduzido por um suicida (Ibrahim Hussein Berro, de 21 anos) até a entrada do prédio de sete pavimentos da Amia e que provocou o seu desabamento, resultou em 85 mortes e 300 feridos. Nascido no Líbano e treinado no Irã, Hussein era militante do Hezbollah e ingressou na Argentina através da Tríplice Fronteira. O fato foi confirmado em 2005 por seus irmãos que residem em Detroit e prestaram depoimento ao promotor argentino do caso.

Anteriormente, em 17 de março de 1992, outro ataque com carro-bomba já havia destruído a embaixada de Israel em Buenos Aires, causando a morte de 29 pessoas e ferindo 242. Em 2006, as investigações das autoridades argentinas apontaram a culpabilidade de integrantes do Hezbollah e do governo do Irã em ambos os atentados, e em 2009 o ex-presidente Carlos Menem, em cujas gestões foram cometidos os ataques, foi acusado de obstruir as investigações que envolviam um amigo empresário de origem síria. De família árabe muçulmana, Menem se converteu ao cristianismo para assumir a presidência da Argentina.

Filmes sobre a Tríplice Fronteira

No Brasil, uma reportagem de Bruno Rodhe publicada no jornal Extra do Rio de Janeiro, em 23 de setembro de 2009, dava conta de que um libanês suspeito de participar da explosão no prédio da Amia cumpre pena de onze anos em regime fechado no presídio federal de segurança máxima de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Preso em 2006 pela Polícia Federal por tráfico de drogas, Farouk Abdul Hay Omairi, de 63 anos, é acusado de financiar o Hezbollah e aliciar pessoas para o transporte de drogas de Foz do Iguaçu, onde morava, para a Europa, Amã e a Jordânia. De acordo com a matéria, ele usou durante sete anos a agência de viagens de sua propriedade para facilitar a remessa de entorpecentes para o exterior. Atuando na zona da Tríplice Fronteira, Farouk ajudava a financiar o grupo extremista com os lucros provenientes do tráfico de drogas e também auxiliava na obtenção ilegal da cidadania brasileira ou paraguaia. Seu filho, Kaled Omairi, de 33 anos, também foi condenado por tráfico de drogas e cumpre pena no mesmo presídio.

As autoridades dos três países, porém, são veementes em suas negativas quanto ao fato da Tríplice Fronteira abrigar terroristas. Recentemente, os ânimos ficaram acirrados diante do fato da diretora Kathryn Bigelow (premiada com o Oscar 2010 pelo filme Guerra ao Terror) estar desenvolvendo um projeto cinematográfico que tem como foco a região, o contrabando, o narcotráfico e o financiamento do terrorismo islâmico. O filme “Triple Frontier”, do mesmo roteirista de Guerra ao Terror, Mark Boal, está previsto para se rodado nas Cataratas do Iguaçu, uma área considerada Patrimônio da Humanidade, na divisa do Brasil com a Argentina. Os governos do Paraguai e da Argentina já se posicionaram contrários à produção, argumentando que “a trama da película retrata de forma negativa os países da América do Sul, criminaliza a região e amendronta os turistas estrangeiros”.

O financiamento às redes terroristas na Tríplice Fronteira também é tema de um outro filme norte-americano, em fase de produção, desta vez sob a direção do brasileiro José Padilha (Tropa de Elite). No filme “A Willing Patriot”, um agente federal dos EUA chega clandestinamente à Tríplice Fronteira para desarticular uma organização que arrecada fundos para atos terroristas.

“Áreas de difícil fiscalização e controle”

A esse respeito, em 2007 uma reportagem da revista Época (Os terroristas estão aqui?) informava:

“Sabe-se que, em 1995, Khalid Shaikh Mohammed, um dos mentores dos ataques de 11 de setembro, passou cerca de 20 dias no Brasil para visitar integrantes da comunidade muçulmana de Foz do Iguaçu. Lá, teria ajudado a fundar uma entidade beneficente que seria financiadora da al-Qaeda. Capturado no Paquistão (2003) ele está preso na base americana de Guantánamo, vizinha a Cuba (deve ser julgado em 2010). Em 1996, a polícia brasileira descobriu que o libanês Marwan Al Safadi, perito em explosivos acusado de participar em 1993 do primeiro atentado ao World Trade Center, em Nova York, vivia em Foz do Iguaçu. De lá, Safadi fugiu para o Paraguai, onde foi preso e depois extraditado para os EUA.”

Para o diretor do Centro de Coordenação das Atividades de Prevenção e Combate ao Terrorismo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Márcio Paulo Buzanelli, existem indícios da presença de conhecidas organizações criminosas transnacionais no Brasil. Na publicação de 2004 que reuniu os trabalhos sobre terrrorismo apresentados no 2º Encontro de Estudos promovido pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Buzanelli admite que “por abrigar uma comunidade de origem árabe e de confissão islâmica numericamente significativa em áreas de fronteira de difícil fiscalização e controle, talvez já estejam sendo aqui estabelecidas as condições propícias para o trânsito e homizio de suspeitos de colaborarem com o terrorismo internacional.”

Oficial da Inteligência, ex-chefe das Divisões de Contraterrorismo e de Crime Organizado do Serviço de Inteligência Federal, Buzanelli foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), de 2005 a 2007, e está à frente do centro brasileiro de antiterrorismo desde a sua implantação, em junho de 2009.

Guerra ao terror como prioridade

Em 2005, a cidade argentina de Mar Del Plata sediou a “4ª Cúpula das Américas”, com a participação de 34 países, inclusive o Brasil. Em uma decisão histórica, ao final do encontro foi emitida uma Declaração reconhecendo o combate ao terrorismo no continente como uma das prioridades que merecem a atenção dos governos.

Quatro anos depois, com a presença de Barak Obama, a “5ª Cúpula das Américas”, realizada em Trinidad e Tobago, pequeno país caribenho de língua inglesa, ratificava a disposição das nações do continente americano em lutar contra o terrorismo. Na “Declaração de Compromisso de Port of Spain” editada ao final do encontro, em 19 de abril de 2009, o item 69 registrava:

“Reiteramos nossa mais enérgica condenação ao terrorismo em todas as suas formas e manifestações, por considerá-lo criminoso e injustificável sob quaisquer circunstâncias, em qualquer lugar e independentemente de quem o pratique, e porque representa grave ameaça à paz e à segurança internacionais, à democracia, à estabilidade e à prosperidade dos países de nossa região. Comprometemo-nos a prevenir, punir e eliminar o terrorismo e a continuar a luta contra todas as atividades criminosas que o financiem e facilitem, respeitando plenamente o direito nacional e o direito internacional, aqui incluídos o Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados. Comprometemo-nos, igualmente, a fortalecer a cooperação, inclusive a assistência jurídica recíproca e a extradição, na luta contra o terrorismo e o seu financiamento, de acordo com as legislações nacionais e as convenções internacionais estabelecidas. Instamos os Estados que ainda não o fizeram a que adiram às convenções internacionais sobre terrorismo.”

De olho na Copa de 2014

A guerra ao terror já é uma das prioridades da Copa do Mundo de 2014 a ser realizada no Brasil. E o Rio de Janeiro saiu na frente em seus preparativos porque a cidade também vai sediar as Olimpíadas de 2016. Integrantes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio estão recebendo treinamento especial para combater o terror, inclusive tendo aulas de História e Geopolítica para entender as aspirações políticas de grupos terroristas. Na reportagem de Vânia Cunha para o jornal “O DIA” (28.06.2010), fica-se sabendo que o contingente desses policiais deverá dobrar, de 400 para 800 homens, e que o condicionamento físico será mais rigoroso, com a maior duração dos cursos e com instruções de rapel e montanhismo. Para o comandante do Bope, Paulo Henrique Azevedo de Moraes, apesar do Brasil não ter histórico de atentados terroristas, é preciso aprender para poder combater.

A Polícia Federal igualmente está em estado de alerta para prevenir qualquer tipo de ação que possa macular a disposição do Brasil de realizar com segurança esses eventos esportivos de repercussão mundial. Matéria do jornal “O Globo” (04.07.2010) informa que o órgão tem feito mais de 10 mil escutas telefônicas diárias no Rio de Janeiro, autorizadas pela Justiça. Na mira, traficantes, contrabandistas, milicianos, bicheiros, policiais civis e militares, criminosos de colarinho branco e agentes da própria PF, totalizando cerca de 350 pessoas. A finalidade é tirar das ruas até 2014 criminosos de várias esferas. Policiais federais também estiveram na África do Sul durante a Copa para coletar informações sobre planejamento estratégico e operacional nos setores de imigração, inteligência, segurança e antibomba.

Com um esquema de segurança sem precedentes, de acordo com o presidente da Fifa, Joseph Blatter, a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul também sofreu pressões consideráveis. Em maio, um mês antes do início dos jogos, a rede islâmica al-Qaeda fez publicar em seu site um artigo imediatamente veiculado pela rede americana de televisão CBS, onde ameaçava as seleções dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e Itália. Dizia o texto: “Que incrível seria quando, durante um jogo entre os Estados Unidos e a Inglaterra, transmitido ao vivo em um estádio cheio de espectadores, se sinta o som de uma explosão, e o número de cadáveres seja de dezenas ou de centenas.” O grupo ainda avisava em tom provocativo que “todo o aparato de segurança e aparelhos de raio x que os Estados Unidos enviarem depois de lerem esse artigo não serão capazes de detectar como os explosivos entraram no estádio.”



(10 de julho/2010)
CooJornal no 692


Sheila Sacks é jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
ssacks@oi.com.br



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