28/11/2009
Ano 13 - Número 660


Sheila Sacks
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Sheila Sacks



Visitas, apagão e teorias conspiratórias

Na semana em que o mundo louvava os vinte anos "sem muro" de Berlim e a mídia definia os "muros de hoje", erguidos em Israel (Cisjordânia) e nos Estados Unidos (fronteira com o México), como "barreiras construídas na contramão da história" (O Globo), o presidente de Israel, Shimon Peres, desembarcava em Brasília (10 de novembro) para uma visita emblemática, do ponto de vista político e diplomático, dada a confirmação da presença de Mahmoud Ahmadinejad no país, seis meses depois de uma anunciada visita que não se concretizou.

Com a missão subliminar de dar suporte emocional à comunidade judaica brasileira surpreendida com a disposição do governo de acolher o líder iraniano, visita defendida pelo presidente Lula, Peres amanheceu no Brasil justamente após uma noite de cão vivida por milhões de brasileiros por conta de um baita apagão que deixou às escuras 18 estados e o Distrito Federal. O colossal blecaute que interrompeu todas as atividades produtivas, provocando o caos nas ruas das cidades, a queima de aparelhos eletro-eletrônicos, a falta de água e prejuízos materiais da ordem de 340 milhões de reais, também esquentou os ânimos na capital federal.

Somando-se aos danos contábeis e à indignação da população, o apagão vazou na mídia internacional como um rastilho de pólvora, ganhando as manchetes internacionais que repercutiram a grita geral da imprensa local. A multiplicidade de versões e de declarações dos porta-vozes oficiais instalou um ambiente de cataclismo político em Brasília, forçando o presidente Lula, desde os primeiros minutos do day after, a focar a sua atenção na administração de mais esse pepino nacional. Com o circo armado, partilhar os efeitos danosos do curto-circuito com a recepção a Shimon Peres mantendo inalterado o bom humor não deve ter sido tarefa das mais fáceis para um anfitrião empenhado na luta por seu sucessor.

Cobertura ampla

Para esquentar ainda mais a situação, 48 horas antes dos dois eventos, um dos programas jornalísticos de maior credibilidade nos Estados Unidos – 60 Minutes –, da rede CBS, alertava sobre a possibilidade de países sofrerem ataques cibernéticos por parte de hackers. E citava o Brasil como exemplo de vulnerabilidade, ao revelar que os sistemas de controle de fornecimento de energia do país foram paralisados por invasores, nos apagões de 2005 e 2007. As afirmações, feitas por funcionários da CIA, foram igualmente lembradas pelo presidente Barak Obama, em maio último, em discurso sobre segurança em computadores.

Imediatamente articulistas se apossaram dessa probabilidade para desenrolar alguns novelos de teses conspiratórias associadas à visita do presidente de Israel. Feichas Martins, jornalista e mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília, em sua coluna no site da ABN News – Agência Brasileira de Notícias, escreveu que "o apagão teria sido uma sutil resposta a Peres, até que o governo brasileiro esclareça com seriedade esse transtorno". Segundo ele, "o Movimento dos Sem-Terra e grupos radicais islâmicos que estariam radicados na zona de fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina (Foz do Iguaçu) planejam de forma conjunta o controle das usinas hidrelétricas situadas na região sul brasileira e noroeste do estado de São Paulo, as quais abastecem a indústria brasileira e as principais capitais, assim como o controle das imensas reservas de água potável do Aqüífero Guarani, que se estendem da Argentina até a região de Ribeirão Preto". Tese rebatida pelo presidente da Itaipu Binacional, Jorge Miguel Samek, que descobriu um motivo mais singelo para o acidente. "Foi a Lei de Murphy", ponderou.

Já no Rio de Janeiro, Peres teve que concorrer com a badaladíssima estadia da estrela pop Madonna, que deslumbrou e polarizou as atenções da imprensa, de megaempresários e das autoridades estaduais, desdobradas em atenções para com a deusa loura. Seus passos, passeios e atividades sociais e filantrópicas tiveram ampla cobertura, preenchendo preciosos espaços na mídia e chutando para escanteio outros assuntos relevantes. O que levou a secretária de Educação do município, Claudia Costin, a comentar, em tom jocoso, que ainda assim preferia Peres a Madonna.

Religião partidária

Entretanto, para a grande massa do eleitorado brasileiro a imagem que ficou da visita de Peres ao país é mesmo aquela em que o prêmio Nobel da Paz, ao lado do jogador Ronaldo, exibe a camisa número 9, do Corinthians, presente do "Fenômeno" ao ilustre estadista israelense. Foto made in São Paulo, cidade que Madonna – ainda bem – ignorou.

No mais, a escolha do presidente Lula pelo estado da Bahia, governado pelo correligionário judeu Jaques Wagner, para cenário de seu encontro com Mahmoud Abbas, da Autoridade Nacional Palestina, mostrou mais uma vez que ser filiado ao PT é, prioritariamente, professar a religião petista em todos os momentos da vida nacional. Com ou sem explicações posteriores in off às organizações judaicas.

E “pra não dizer que não falei de...” Ahmadinejad no Brasil, vida longa, mente lúcida, mão precisa e voz firme para o gigante do Norte, a nação amiga que ainda de fato faz a diferença. Missiva de Obama ao Planalto na véspera da visita sugere mais equilíbrio e cautela nas decisões da diplomacia externa brasileira. Setor que vive fase de deslumbramento irresponsável ao colocar nos ombros de Lula a possibilidade de solução de conflitos seculares e complexos, em nada semelhantes aos nossos problemas cotidianos.




(28 de novembro/2009)
CooJornal no 660


Sheila Sacks é jornalista e trabalha em Assessoria de Imprensa no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, RJ
ssacks@oi.com.br



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