14/11/2008
Ano 12 - Número 607


Sheila Sacks
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Sheila Sacks



IRÃ MAIS PERTO DO BRASIL?

 

A crise financeira global precipitou, neste início de novembro, uma iniciativa da diplomacia brasileira que rendeu algumas manchetes e desdobramentos fora da imprensa. Trata-se da viagem do chanceler Celso Amorim ao Irã, que a pretexto de um encontro comercial entre empresários brasileiros e iranianos aterrissou em Teerã como portador de um convite do presidente Lula para que Ahmadinejad visite o Brasil. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, Amorim externou ao presidente iraniano os objetivos do governo brasileiro no sentido de estreitar os laços comerciais bilaterais entre os dois países.

Na entrevista que concedeu à imprensa local, ao lado de autoridades iranianas, Amorim declarou que, além da crise financeira global que atinge o mundo, existe uma crise de “governança” e que é importante os grandes países em desenvolvimento, como o Brasil, Irã e outros, conversarem e “procurarem influenciar o redesenho da ordem internacional”.

OPEP E URÂNIO
Vale lembrar dois fatos: o aceno do Irã ao Brasil, em setembro, quando o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, revelou que o país estava avaliando um convite formal do governo do Irã para se juntar à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep); e a afirmação do presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Francisco Rondinelli, em junho, de que o Brasil poderá ter a segunda reserva de urânio do mundo, abaixo apenas do Cazaquistão (elevando de 300 mil para 800 mil toneladas o volume do minério cujas reservas são conhecidas), caso venha flexibilizar o monopólio da atividade da exploração do urânio. “Faltam recursos para que o país dê continuidade ao processo de enriquecimento do urânio, cujo ciclo já domina em sua plenitude, e assim se vê na obrigação de realizar o enriquecimento no exterior”, explicou. Já o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tomasquim, confirmou que essa possibilidade de abrir a exploração de urânio ao capital privado está sendo analisada por um grupo interministerial instituído pela Casa Civil.

ELOGIOS

Ainda durante o encontro que manteve com o presidente iraniano, Amorim ouviu de Abmadinejad elogios “a prudência e sabedoria” dos líderes sul-americanos, em especial de Lula, por promover a solidariedade, a coordenação e a unidade entre os países. “Os sistemas que hoje dominam o mundo estão se degenerando e é preciso dar as mãos para estabelecer novos sistemas. Daí a importância de países como o Irã e o Brasil trabalharem juntos para fazer desaparecer os efeitos das economias colonizadoras”, enfatizou.

Por fim, segundo a Agência Brasil, Abmadinejad destacou que não existe nenhum obstáculo para a ampliação das relações entre os dois países, agradeceu a mensagem de Lula e recebeu com alegria sua próxima visita ao Irã, cuja data não foi divulgada.

Quanto ao comércio bilateral entre os dois países, o embaixador iraniano em Brasília, Mohsen Shaterzadeh, afirmou que a expectativa é de que se desenvolva dos atuais 2 bilhões de dólares para 10 bilhões, com previsão de que esse valor se multiplique de forma astronômica, visto que pelo cálculo do diplomata, em 20 anos a cifra atingirá a marca de 3,6 trilhões de dólares.

IRÃ NUCLEAR
O ministro brasileiro também aproveitou a sua estadia na capital iraniana para comentar sobre a questão nuclear que envolve o Irã. Segundo a Agência Brasil, órgão oficial de notícias do governo federal, Amorim enfatizou que o assunto deve ser resolvido pelo diálogo: “O Brasil reconhece que todos os países têm o direito de desenvolver programas nucleares para bens pacíficos”. O chanceler disse ainda que cabe à Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA) procurar soluções para sanar as divergências entre o Irã e os países que criticam o governo daquele país por sua política energética. E afirmou que o Brasil pode colaborar nas negociações para essa busca de soluções.

ADESÃO
Retrocedendo a maio de 2007, a mesma Agência Brasil noticiava que o Brasil tinha aderido oficialmente às novas sanções contra o programa nuclear do Irã, previstas na resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), expedida em 24 de março daquele ano. O decreto assinado pelo presidente Lula e publicado no Diário Oficial da União (22/05/2008) obrigava as autoridades brasileiras a cumprir as novas normas, aprofundando as medidas já adotadas em fevereiro daquele ano, também por meio de decreto presidencial.

Dessa forma, segundo a Agência Brasil, o governo brasileiro estaria oficialmente proibido de transferir para o Irã material, equipamento e tecnologia que servisse para desenvolver armas nucleares e teria de exercer “vigilância e cautela” à entrada, no país, de indivíduos que se dediquem ou prestem auxílio a atividades nucleares no Irã ou relacionadas ao desenvolvimento de armas nucleares. Além disso, deveria proibir cidadãos brasileiros de adquirir armas no Irã e nem poderia também assumir novos compromissos em relação à assistência financeira com o governo iraniano, “salvo para propósitos humanitários e de desenvolvimento”. Este último, um item que poderia estar dando margem a interpretações equivocadas.

VIOLAÇÃO
Ainda em 2007, dois meses antes da publicação do decreto de Lula, a diplomacia brasileira, inexplicavelmente, ajudava o Irã a escapar de uma condenação da ONU sobre violações de direitos humanos. Foi em Genebra, onde se realizou uma importante reunião com representantes diplomáticos, tendo como base dezenas de alegações de violações “sistemáticas e massivas” de direitos humanos recebidas pela ONU, em relação ao Irã.

O jornal Estado de São Paulo (29.03.2007), que teve acesso ao resultado da votação secreta, afirmou que o Irã foi favorecido pelas abstenções de países como Brasil, Equador, Japão e Coréia do Sul. Também publicou que diplomatas estrangeiros que estiveram dentro da sala de reuniões revelaram que o Brasil nem se deu o trabalho de explicar sua abstenção. Outros países do Ocidente, incluindo latino-americanos como a Argentina, votaram pela continuação das investigações, mas a vitória iraniana se consolidou com os votos de Cuba, Rússia e alguns países da África e da Ásia.

REAÇÃO
O mal-estar que a visita de Amorim ao Irã causou à comunidade judaica brasileira e ao estado de Israel foi comentado pelas redações e agências de notícias nacionais, que destacaram o fato de que a embaixada israelense, em Brasília, “disparou” e-mails para a imprensa com mensagens de crítica ao governo iraniano.

O jornal “A Folha de São Paulo” publicou uma das mensagens que dizia: “Ahmadinejad fala e age como se fosse o novo líder do Terceiro Mundo. O Irã está se preparando para ser o líder do 'Eixo do Mal' do Oriente Médio". Entrevistado pela Folha, o chefe interino e encarregado de Negócios da embaixada de Israel, Raphael Singer, admitiu: “Estamos um pouco incomodados com o ‘timing’ dessa visita, pois Ahmadinejad voltou a pregar que Israel seja varrido do mapa. É um líder anti-semita”.

A posição de Singer e principalmente a divulgação da “mensagem” pela Folha resultaram em embaraço para o representante diplomático. Sob a chamada “Israelense (por que faltou o termo ‘diplomata’ no título?) é convocado para prestar esclarecimentos sobre críticas a Amorim”, o jornal paulista veiculou, em 4 de novembro, que o Ministério das Relações Exteriores havia chamado Singer para prestar esclarecimentos sobre as críticas à visita oficial do chanceler Celso Amorim ao Irã e que a atitude do diplomata estava sendo interpretada como ingerência do governo de Israel na política externa brasileira. O jornal destacou ainda, salgando bastante o assunto, que pelos códigos diplomáticos vigentes, “convocar um chefe de missão estrangeira para prestar esclarecimentos equivaleria à formalização de um protesto contra atos vistos como prejudiciais à relação bilateral” entre Brasil e Israel.

PREOCUPAÇÃO
A B'nai B'rith do Brasil, entidade judaica de direitos humanos, imediatamente externou a sua preocupação com a crescente aproximação dos governos do Brasil e do Irã. A organização, em comunicado, lembrou que a política do pragmatismo econômico e da expansão dos negócios não pode fechar os olhos para a realidade de um Irã comprometido com a violação dos direitos humanos, o financiamento do terrorismo e a destruição de um estado democrático como Israel. “O governo iraniano hoje persegue as minorias religiosas como os bahai`s que são presos e torturados e considera crime, condenado com a morte, a conversão de um muçulmano ao catolicismo ou a qualquer outra religião.”

Por sua vez, em um pronunciamento na tribuna do plenário da Câmara, ocorrido em 5 de novembro, o deputado federal Marcelo Itagiba (PMDB-RJ) mostrou-se indignado “com a visita de Amorim a um país cujo presidente nega o Holocausto e vem propugnando a extinção do Estado de Israel”. Afirmando o seu respeito ao Itamaraty, aos seus membros e as propostas de uma política externa independente, Itagiba fez um paralelo entre a atual política externa e a da época do chanceler Oswaldo Aranha, no final dos anos 40 do século passado. “Não posso admitir que alguns atuem a Chamberlain, primeiro ministro inglês, que com a sua pouca visão permitiu o fortalecimento do nazismo e a II Guerra Mundial. Como política externa, prefiro a do Itamaraty que apoiou a criação do Estado de Israel”, concluiu.

Em tempo: 1 - Os Estados Unidos são o maior parceiro comercial do Brasil e de acordo com dados publicados em agosto pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, a corrente comercial com a maior economia do planeta somou 49,2 bilhões de dólares, nos últimos doze meses, ou seja, quase 25 vezes a mais do que o comércio Brasil-Irã; 2 – O recém-eleito Barak Obama terá, provavelmente, como secretário-geral da Casa Branca o linha-dura Rahm Emanuel, de 48 anos, democrata pelo estado de Illinois e o primeiro nome a ser anunciado pelo novo presidente norte-americano para a sua equipe de transição. Emanuel, que terá um posto estratégico no governo, é filho de um antigo combatente israelense do grupo de guerrilha (Etzel) que atuou contra as tropas britânicas antes da criação do Estado de Israel, em 1948, e que imigrou para os EUA nos anos 60.
 



(14 de novembro/2008)
CooJornal no 607


Sheila Sacks é jornalista
trabalha, há 25 anos, na Assessoria de Imprensa da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop). Também escreve para o NOSSO JORNAL-RIO, uma publicação voltada para a comunidade judaica.
Rio de Janeiro, RJ
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