30/06/2007
Ano 11 - Número 535


Sheila Sacks
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Sheila Sacks


O OCIDENTE E A LINGUAGEM DO ISLÃ

 

Em entrevista ao jornal italiano Corriere Della Sera, alguns meses depois da retirada de Israel da Faixa de Gaza, em agosto de 2005, um dos líderes mais radicais do Hamas e atual Ministro palestino de Relações Exteriores, Mahmoud al-Zahar, declarou que o grupo armado não desistirá da Grande Palestina, que inclui a cidade de Jerusalém e a Cisjordânia. “Esta solução que está aí é temporária e pode durar de cinco a dez anos. Mas, ao final, a Palestina voltará a ser muçulmana e Israel desaparecerá da face da terra.” Em outro pronunciamento, desta vez à rede norte-americana CBN News (The Christian Broadcasting Network), Al-Zahar, afirmou textualmente: “Nós estamos em meio a uma terceira Guerra Mundial. Eu digo isso o tempo todo. E mais: Por que o Hamas deveria abrir mão de suas armas? Para satisfazer Israel? Para satisfazer algum ser humano na terra? A resposta é não”.

As ameaças levadas a público em 2005, como tantas outras proferidas por lideranças radicais muçulmanas, antes e depois desta data, têm caído no vazio da surdez generalizada que se espraia pelas terras do Ocidente. À época, o especialista em História e Religião Islâmica da Universidade Hebraica de Jerusalém, professor Moshé Sharon, fez algumas observações sobre as mensagens implícitas presentes nas palavras de Al-Zahar. Profundo conhecedor da língua e do pensamento árabes, professor Sharon vem alertando, já há alguns anos, sobre a necessidade das nações prestarem mais atenção à linguagem usada pelo Hamas (que significa fervor) e por grupos como o Hezbolah e Al-Qaeda. “O que Al-Zahar quis dizer quando falou em terceira Guerra Mundial”, explica Sharon, “é o seguinte: nós, muçulmanos, queremos restabelecer o Califado – da Índia e China à Espanha. Isto porque os árabes ainda consideram a Espanha como território islâmico (a Península Ibérica ficou sob o domínio dos árabes por 700 anos - do séc. VIII ao XV)”.

“Cristãos – Sionistas”

Em outra oportunidade, Al-Zahar chamou os norte-americanos de “cristãos-sionistas” que acreditam em ilusões como a de que o Salvador retornará a Jerusalém e que os judeus devem estar lá para esperá-Lo. “Os americanos incitam o mundo contra o Hamas e outros grupos muçulmanos”, acusou o líder palestino, “e, portanto, não há benefício em manter um diálogo com pessoas que convivem com o Satã (sic).”

Para o professor Sharon está patente que a briga com os chamados “cristãos-sionistas” dos Estados Unidos faz parte de uma guerra maior que o Islã trava contra o sistema de vida judaico-cristã do Ocidente. “Quando Al-Zahar diz que o poder de Israel e dos americanos não é eterno e que isso pode mudar, o que ele verdadeiramente fala é que o objetivo do Hamas é o estabelecimento de um estado palestino muçulmano em Israel e também o domínio de toda a terra pelo Islã.” Sharon adverte que o Ocidente está em perigo e deve enfrentar a situação de maneira séria: “Para muitos pode parecer uma piada esta história de dominar o mundo, mas para os muçulmanos são palavras de Deus. Desde os primórdios, a intenção do Islã sempre foi subjugar os povos e colocá-los sob as suas leis e regras. E hoje, este plano está a caminho e nós precisamos ter consciência do fato”.

Bíblia versus Corão

Professor Ph.D. do Departamento de Estudos Islâmicos da Universidade Hebraica de Jerusalém, Moshé Sharon já publicou 10 livros sobre a história, religião e a cultura árabes, incluindo uma trilogia sobre a dinastia Abbasid (750 a 1258), que implantou o império islâmico em Bagdá. É especialista em epigrafia árabe (inscrições antigas), profundo conhecedor da Shi’a (seita xiita predominante no Irã e no Iraque) e foi Consultor para Assuntos Árabes do Governo de Israel, no período do Primeiro-Ministro Menachem Begin (1977-1983). Em 2003, em um artigo para a revista eletrônica do Movimento Juvenil Betar, da Inglaterra, ele já avisava: “A guerra está aí há muito tempo. É a guerra entre duas civilizações: a da Bíblia versus a do Corão. Isto deve ficar claro”.

O professor Sharon é incisivo ao questionar a posição de políticos ocidentais que, sem conhecerem uma palavra do idioma árabe, se arvoram em vozes e intérpretes de uma cultura que não entendem. “Esses políticos criaram uma falácia denominada fundamentalismo islâmico. Algo como um Islã bom e um Islã mau. Isso não existe. Há apenas um Islã (significa submissão), aquele dos oradores das mesquitas que vociferam horríveis sermões contra os judeus e os cristãos.”

Idioma do Islã

A adoção de uma linguagem que se convencionou chamar de politicamente correta, por parte dos países ocidentais, é outro fator que enseja equívocos, esconde a verdade e favorece a impostura, sublinha Sharon. “Usar o nosso vocabulário e a nossa terminologia sobre temas como democracia, parlamentarismo ou fundamentalismo, equivale a escrever sobre futebol usando termos de beisebol. “Para falar com o Islã, você precisa usar o idioma do Islã”, acentua o professor.

Em conversa pelo telefone, diretamente de Jerusalém (em 2 de agosto de 2006, no auge da guerra de Israel contra o grupo terrorista Hezbolah), Moshé Sharon revelou que jamais foi convidado a realizar palestras no Brasil ou em qualquer outro país da América Latina. Ele também foi diretor da “World Zionist Organization” em Joanesburgo (África do Sul), e desde 1999 preside o Centro de Estudos Bahá’í, na Universidade de Jerusalém. Nascido em Israel, é o primeiro judeu a dirigir a área de história e desenvolvimento desta crença oriental e pacifista (originária do Irã), que possui cinco milhões de seguidores em 200 países, inclusive no Brasil (57 mil), com sede em Haifa, no Monte Carmel (atualmente os adeptos do Bahá’í estão sendo perseguidos e presos pelo regime islâmico do Irã).

Religião Verdadeira

Repetindo o que tem dito em seminários acadêmicos na Europa e nos Estados Unidos, Sharon ressalta alguns pontos que mostram um Islã em “eterna guerra” com o mundo não-muçulmano, ancorado pela sua auto-suposta superioridade religiosa: 1- Está escrito literalmente no Corão (Repetição) que “Alá enviou Maomé (570 – 632) com a religião verdadeira para governar sobre todas as religiões”; 2- Maomé (Mohamed) afirmou que os judeus e os cristãos falsificaram os livros da Bíblia e que todos os profetas são muçulmanos, inclusive Abraão, Isaac, Jacob, David e Moisés; 3- O sistema islâmico diz que é preciso lutar contra aqueles que não querem viver sob o domínio do Islã. A guerra contra os infiéis, sejam judeus ou cristãos, chama-se Jihad (esforço, empenho); 4- O Corão divide o planeta em duas Casas: uma é denominada Dar al-Islam (Casa do Islã), onde o Islamismo governa, e a outra é Dar al-Harb (Casa da Guerra), como é conhecido o restante do mundo. Esta Casa da Guerra será conquistada no final dos tempos e subjugada pelo Islã; 5- Os atos terroristas se fundamentam na corrente islâmica Hanbali, proveniente da Arábia Saudita. Nesta escola não existe jogo de palavras nem interpretações. Se o Corão fala em guerra, então o significado é guerra; 6- Para a civilização islâmica, se uma terra, no passado, foi dominada pelo Islã, ela sempre será propriedade do Islã. Daí os árabes só se referirem a Israel como território; 7- O propósito do Islã é de se constituir em uma força militar divina para impor a cultura islâmica. Cada muçulmano que entrega a sua vida na luta pela disseminação do Islã se constitui em um mártir (shaheed), não importando a maneira como essa morte possa vir a ocorrer. Em resumo, este é um conflito bélico eterno, uma guerra sem fim, entre duas civilizações.

Moshé Sharon adverte ainda que para os muçulmanos a verdadeira paz só poderá se concretizar se eles forem os vencedores. “Nesta guerra entre civilizações são utilizados artifícios do tipo cessar-fogo ou acordos de paz , como instruiu Maomé, que usou desta tática em Hudaybiya (728 E.C.). Nesse local ele firmou um tratado de paz de dez anos com a tribo Quraish que vivia na cidade de Meca. Em dois anos quebrou a promessa e marchou com 10 mil soldados sobre a cidade.”

Tal fato histórico, aliás, foi lembrado por Yasser Arafat quando semanas depois do Acordo de Oslo (1994) ele se justificou em uma mesquita na África do Sul. O professor Sharon gravou o discurso em que Arafat pedia desculpas pela sua assinatura no documento: “Vocês acham que eu poderia assinar algo com os judeus contrário ao que dizem as regras do Islã? Não foi assim. Eu fiz exatamente o que o profeta Maomé fez”. Para Sharon, Arafat estava simplesmente falando: “Lembrem-se da história de Hudaybiya”.

Tática Milenar

Enfim, o que o tempo tem demonstrado é que qualquer armistício aceito pelos muçulmanos não passa de uma opção tática em meio a uma guerra global. Sharon cita um provérbio árabe - palavras não pagam impostos - para definir as características das negociações levadas a efeito pelos muçulmanos e que devem ser entendidas da seguinte forma: “tratados não são permanentes”. O professor lembra que aconselhou Begin a não ser o primeiro a falar sobre as propostas de Israel, em qualquer acordo ou tratado de paz com os árabes. “Eles seguem o exemplo do Califa muçulmano Ali Ibn Abu Talib - primo e genro de Maomé e mártir dos xiitas - que, em uma contenda em Damasco, no século VII, deixou a palavra inicial ao inimigo e assim conheceu os seus planos, dando a impressão de uma concordância que, mais adiante, não se concretizou.” Para Sharon, Israel está na linha de frente nesta batalha de civilizações, mas precisa da ajuda das nações do Ocidente, porque no momento em que o radicalismo muçulmano se apropriar do controle de armas de destruição em massa – químicas, biológicas e atômicas – estas serão implacavelmente usadas.

Apesar de os avisos de Moshé Sharon projetarem um futuro inquietante para o nosso planeta, a grande mídia tem preferido fazer ouvidos de mercador e apenas boiar na superfície dos fatos. Entretanto, alguns estudiosos de religiões monoteístas e observadores da cultura islâmica, remando contra a maré, já citam o especialista israelense como importante fonte de referência. É o caso do teólogo Samuele Bacchiocchi, doutor em História Cristã e da Igreja, com quinze livros publicados. Formado pela “Pontifícia Università Gregoriana”, de Roma, e professor de Teologia na “Andrews University”, em Michigan, Samuele introduziu os conceitos de Moshé Sharon em suas conferências e também no artigo “Reflexões sobre Terrorismo e Intolerância”. É dele a seguinte frase: “Lamentavelmente, os repórteres que cobrem o conflito entre Israel e os palestinos/árabes não oferecem quaisquer lampejos de quais são as forças ideológicas em ação por trás destas guerras”.

 

(30 de junho/2007)
CooJornal no 535


Sheila Sacks é jornalista
trabalha, há 25 anos, na Assessoria de Imprensa da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop). Também escreve para o NOSSO JORNAL-RIO, uma publicação voltada para a comunidade judaica.
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