30/12/2006
Ano 10 - Número 509


 



Sheila Sacks
 


CRISTÓVÃO COLOMBO OU SALVADOR ZARCO?
O MISTÉRIO CONTINUA
                                           

 

A pequena Vila de Cuba, situada na região de Alentejo, no sul de Portugal, pode guardar um segredo que atravessa, incólume, cinco séculos, e parece longe de ser desvendado. Em meio a muita polêmica e até pesquisas de DNA de possíveis descendentes, completaram-se, em 20 de maio de 2006, exatos 500 anos da morte de Cristóvão Colombo. Para inúmeros historiadores portugueses, este pacato povoado de pouco mais de 3 mil habitantes, a 200 quilômetros de Lisboa,  é o verdadeiro berço natal do navegador conhecido como Cristóvão Colombo. O engenheiro Carlos Calado, presidente do NAC – Núcleo dos Amigos de Cuba, defende a tese de que o descobridor que ficou na história com o nome de Colombo, era na realidade o português Salvador Fernandes Zarco, natural de Cuba, que usava o pseudônimo de Cristóvão Colon. E esta certeza é tamanha, que a Câmara Municipal de Cuba –localidade cujas origens remontam ao século XIII- já registrou o  navegador no seu panteão de notáveis e inaugurou, em outubro último, o primeiro monumento em homenagem ao descobridor das Américas em território português: uma estátua de bronze de mais de uma tonelada de peso e com 2 metros e meio de altura. Com a concordância de inúmeros historiadores portugueses que há anos se dedicam às pesquisas sobre o grande Almirante dito genovês.

Em 2004, atendendo ao convite do Centro Cultural da cidade, dois destes ilustres pesquisadores estiveram na pequena Vila de Cuba, que abriu seu único teatro para um sarau todo especial. Tanto o médico e historiador português radicado nos Estados Unidos, dr. Manuel Luciano da Silva (fundador da Federação Luso-Americana e membro da Sociedade de Geografia de Lisboa), quanto o pesquisador Mascarenhas Barreto (autor do best-seller Cristóvão Colombo, Agente Secreto do Rei Dom João II), apresentaram um resumo de seus trabalhos sobre o que é hoje popularmente noticiado como o Enigma Colombo. Em comum, a convicção de ambos da origem luso-judaica do descobridor da América.

Com o seu mais recente livro lançado em Portugal - “Cristóvão Colon (Colombo) era 100% Português” – dr. Manuel da Silva explica que quando realizou a sua pesquisa na Biblioteca do Vaticano, há mais de dez anos, encontrou documentos relacionados com a descoberta da América em que aparece o nome de Colombo grafado como Cristofõm Colon, ou seja, em português antigo. “Devemos esclarecer que o navegador fabricou o nome de Cristóvão Colon, porque o seu nome verdadeiro era Salvador Fernandes Zarco”, assinala.

Mas, nacionalidades à parte, de onde viria esse nome Zarco, indaga o pesquisador para responder em seguida: “Da mãe, Isabel Gonçalves Zarco, filha do navegador João Gonçalves Zarco, judeu sefaradita português, da cidade de Tomar, descobridor do Arquipélago da Madeira, em 1418 ( na cidade de Tomar ainda existe a sinagoga d’Arco ou do Zarco). O pai de Colombo era o Infante D. Fernando, Duque de Beja ( irmão do rei D. Afonso V), e sendo aquele um amor proibido, a mãe foi dar à luz em Cuba, uma aldeia que ficava a 18 quilômetros ao norte do distrito de Beja.  Alguns anos depois,  Colombo foi levado pela mãe para a Ilha da  Madeira, onde esta casou-se com um nobre português. Quanto à primeira esposa de Colombo, chamava-se  Filipa Moniz de Perestrelo, de ascendência sefaradita, filha do Governador da Ilha da Madeira.

Abrindo um pequeno parênteses, observamos que cinco séculos depois deste intrincado enredo familiar, onde misturam-se nobres e os chamados cristãos-novos, um outro Zarco, igualmente judeu e português, surge em cena, agora como o personagem do festejado livro “O Último Cabalista de Lisboa”(1996). O autor Richard Zimler, norte-americano radicado na cidade do Porto, revive os horrores de uma Lisboa de 1506 – data da morte de Colombo – assolada pela peste e pelo terrível progrom que levou centenas de judeus às fogueiras. No centro da trama, o jovem Berequias Zarco, a cujo manuscrito, datado de 1507, Zimler teve acesso quando de sua estadia em Istambul.  A saga da família Zarco prossegue em mais dois livros do autor: “Meia-Noite ou o Princípio do Mundo”, contando a história de John Zarco Stewart e “Goa ou o Guardião da Aurora”, onde o protagonista é Tiago Zarco.

Uma outra observação diz respeito à cidade de Tomar (no centro do país, a 140 quilômetros ao norte de Lisboa), onde nasceu o avô materno de Colombo, João Gonçalves Zarco. Conhecida como a Cidade dos Templários - porque as suas terras foram doadas à Ordem do Templo em 1159, que ali ergueram a sua sede -, especulações não faltam sobre o possível envolvimento de familiares de Colombo com os seguidores da Ordem e a participação de seus integrantes nos Descobrimentos.

Curiosamente, um descendente da família Zarco se fez presente na solenidade de inauguração do monumento a Colombo, alegando ser parente do navegador. Residindo em Lisboa, Henrique Zarco, acompanhado da esposa e filha, revelou que Cristóvão Colon era neto de seu 20° avô, João Gonçalves. “Somos parentes do lado da família de minha mãe”, afirmou orgulhoso. Em entrevista ao jornal português Correio da Manhã, Zarco conclamou Portugal a lutar por esta verdade e mudar o curso da história.

Mas, voltando às pesquisas do dr. Manuel da Silva, outro detalhe importante sobre a origem de Colombo, apontado pelo historiador, está contido nas 12 últimas cartas que o navegador escreveu para o filho Diogo Colon, em 1504.  No alto das páginas as duas letras hebraicas, iniciais da frase Baruch Hashem, não deixam dúvidas quanto a sua ascendência judaica. A descoberta foi feita por Simon Wiesenthal, em 1973, assinala dr. Silva.

Estas revelações surgidas nos últimos anos, além de provocarem controvérsias apaixonadas, têm estimulado a aparição de textos considerados fantasiosos, apesar de muitos deles serem fruto de um profundo trabalho investigativo. No livro “Cólon, El Almirante sin Rostro” (2005), o escritor espanhol Mariano Fernandez Urresti reafirma que Colombo ainda é um perfeito enigma histórico. “Não se conhece o lugar onde ele nasceu, nem tampouco o lugar em que foi enterrado. Em 2003, quando uma equipe de pesquisadores abriu a sua suposta tumba na Catedral de Sevilha para realizar estudos de DNA dos restos mortais que deveriam estar lá, deparou-se com apenas 20% de um cadáver. Onde estaria o restante de seus ossos?” pergunta Urresti. Para o Dr. Silva, os restos mortais de Colombo podem estar em Santo Domingo, na República Dominicana, a ilha do Caribe citada no testamento de Colombo. Já o italiano Gianni Granzotto, autor de “Cristobal Colon”, assegura que os restos mortais de Colombo jamais saíram da Espanha. Estão no Convento de São Francisco, em Valadolid.

Uma outra versão da vida do navegador, desta vez misturando ficção e história, foi apresentada em 2005 pelo jornalista José Rodrigues dos Santos, da Rádio Televisão Portuguesa (RTP). O romance Codex 632 segue a receita vitoriosa do Código da Vinci, onde uma mensagem codificada serve de pretexto para um enredo de mistério e aventura, em meio a cenários de cidades emblemáticas como Gênova, Sevilha, Tomar, Jerusalém e até o nosso Rio de Janeiro. Baseado nas teorias que dão conta de que Colombo era judeu e tinha sangue nobre português, o livro vai em busca da verdadeira identidade e missão de Cristóvão Colombo, que o autor define como “os mais bem guardados segredos dos Descobrimentos”.

Outros indícios da origem luso-judaica de Colombo, estes mais conhecidos do grande público, se referem à data da partida da frota de Colombo, de Palos, em 3 de agosto de 1492, um dia depois de expirar o prazo para a expulsão dos judeus da Espanha; e as tábuas de declinação do sol, escritas em hebraico, utilizadas por Colombo na travessia do Atlântico. A relíquia, de autoria do matemático judeu Abraão Zacuto, encontra-se no Museu Judaico de Nova Iorque e foi dada a Colombo pelo rei D.João II . Quanto ao termo genovês, esta também era uma expressão usada para designar os judeus clandestinos que tinham ido se refugiar na Península Ibérica, após os progons em Gênova, no século XIV.

O pesquisador dr. Manuel da Silva lembra que em dezembro de 1999, no último “Te Deum” solene na Basílica de São Pedro, no limiar do novo século, o Papa João Paulo II revelou que a descoberta da América foi para ele o principal acontecimento dos últimos mil anos, porque abriu uma nova era para a história da humanidade. Porém, estranhamente, o Papa não mencionou o nome do descobridor daquilo que considerou “o acontecimento que marcou o milênio”. Um evento que está registrado em quatro Bulas Papais editadas pelo Papa Alexandre VI, em 1493, sendo que em duas delas destacando o nome do navegador, conforme é possível conferir na Biblioteca do Vaticano.

Este relacionamento nebuloso entre a Igreja Católica e o descobridor da América resultou, recentemente, em mais uma notícia que deu à volta ao planeta, desta vez empurrada pela declaração bombástica do doutor em Ciências Náuticas e capitão do Comando Marítimo da província espanhola de Torrevieja, Oscar Villar Serrano. Autor de inúmeros livros sobre navegação, clima e geografia, Villar Serrano publicou uma obra intitulada "Cristóbal Colón: el secreto mejor guardado" (2005), onde assegura que a Igreja não canonizou Colombo por saber que ele era judeu (o processo de beatificação foi proposto pela própria Igreja em 1866). E cita também as cartas de Colombo ao seu filho Fernando, onde recomenda comportamentos diferenciados, em público e na intimidade do lar (onde diz textualmente que entre nós, temos que conservar os nossos costumes). Na entrevista à agência espanhola Efe, Serrano também destacou que o irmão de Colombo morreu na fogueira em Valência (1493), justamente por ter ascendência judaica.

Diante de tais pontos de vista, o que o nosso continente tem a dizer? Bem... aqui na América do Sul, a Venezuela já se adiantou e deu o seu recado: em 2004, um grupo ligado ao presidente Hugo Chavez destruiu a centenária estátua de Colombo, instalada em uma das principais praças de Caracas, e a arrastou pelas ruas da capital. O que sobrou do monumento – uma escultura de bronze de 1904, do venezuelano Rafael de la Cova – foi posteriormente recolhido pelas autoridades. Manifestantes justificaram a depredação como sendo um protesto bolivariano contra o colonialismo e a imposição histórica de uma farsa chamada Colombo.

Farsa ou ocultação de um segredo, a polêmica deve continuar. Mas, apesar de todo o mistério que cerca a origem e a missão dos Descobrimentos, Colombo parece ter tentado enviar uma mensagem pessoal para a posteridade. Cinco anos antes de sua morte, ele escreveu “O Livro das Profecias”, um manuscrito que só foi dado a conhecer em 1984. Escondido até então na Biblioteca da Catedral de Sevilha, o documento foi apresentado com 14 páginas arrancadas. As profecias (que muitos julgam versar sobre o resgate de Jerusalém do controle muçulmano) sumiram com as páginas desaparecidas, permanecendo, porém, textos do Velho Testamento, como os Salmos de David e as palavras de Isaías.




(30 de dezembro/2006)
CooJornal no 509


Sheila Sacks é jornalista
Rio de Janeiro, RJ
ssacks@oi.com.br