09/12/2006
Ano 10 - Número 506


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Sheila Sacks
 


ASIMOV E OS VÍDEOS DA MORTE

 

Há quase cinco anos, um vídeo de pouco mais de três minutos chocou o mundo. Suas imagens mostravam o correspondente norte-americano Daniel Pearl, do Wall Street Journal, inicialmente vivo, e depois, decapitado. A Internet e a TV foram os veículos utilizados pelos terroristas para difundir a mensagem da barbárie. O jornalista, de 38 anos, estava no Paquistão realizando uma reportagem quando foi seqüestrado e, antes de ser executado, o obrigaram a falar de suas raízes judaicas que motivaram a sentença. No vídeo, as mãos que seguravam a cabeça decepada de Pearl  eram do paquistanês  Khalid Sheik Mohammed (conhecido como KSM), o arquiteto dos ataques de 11 de setembro de 2001, e responsável pela produção e distribuição do vídeo. Capturado e preso, em 2003, KSM era o homem-forte da Al Qaeda que liderava as ações terroristas no Paquistão e no Kuwait, e partiu dele a ordem de matar o jornalista.

Em maio de 2004, dois anos depois do assassinato de Pearl, um outro vídeo de igual teor é exibido pela Internet. As imagens mostram o técnico de comunicações Nicholas Berg, de 26 anos, sendo obrigado a dizer os nomes de seus familiares – dos pais Michael e Susan e dos irmãos David e Sarah - antes de ser degolado. Norte-americano de origem judaica, Berg estava trabalhando em Bagdá quando foi raptado. As pistas sobre a sua execução levaram ao terrorista nascido na Jordânia, Abu Musab al-Zarqawi, comandante das ações da Al Qaeda no Iraque e morto em junho deste ano.

Os grandes e o pequeno

A estratégia de utilizar gravações em vídeo para difundir ameaças, execuções e ações de terror, tem sido empregada, há mais de dez anos, pelo saudita Osama bin Laden, 49 anos, o chefe supremo da organização terrorista Al Qaeda. Desde 1995 ele tem enviado dezenas de mensagens gravadas – transmitidas preferencialmente pela Internet e a TV árabe Al Jazeera -  convocando os árabes a atacarem as forças norte-americanas e os seus aliados, elogiando os bombardeios a alvos ocidentais e incentivando os homens-bomba a realizarem mais atentados. O modo de agir do terrorista mais procurado do mundo tem sido comparado, por alguns especialistas, àquele desenvolvido por um personagem bastante conhecido dos leitores de ficção científica (Sci-Fi). Trata-se do matemático  Hari Seldon, da trilogia conhecida como A Fundação, escrita por Isaac Asimov.

Concebida entre os anos de 1940 e 1950, a série de contos de Asimov -  que depois se transformou na obra que é considerada um marco na literatura de Sci-Fi -  tem como cenário um futuro distante (12.000), habitado por Seldon, que cria uma ciência chamada psicohistória, capaz de prever os comportamentos coletivos e a partir daí a queda do próprio Império Galáctico. Ele então despacha uma expedição para um lugar remoto onde estabelece um núcleo – A Fundação - do que seria o novo centro de poder. Face à força militar do Império, Seldon também grava mensagens de vídeo para serem transmitidas aos seus seguidores nos momentos críticos, mesmo depois de sua morte.

Em um trecho do livro, o matemático explica a estratégia de luta da Fundação: “Tivemos de desenvolver técnicas e métodos novos que o Império não pode imitar(...). Com todos os seus escudos nucleares, gigantes o bastante para proteger uma nave, uma cidade ou um planeta inteiro, nunca haviam sido capazes de criar algo que pudesse proteger a um único indivíduo(...). Toda a guerra é uma batalha entre esses dois sistemas, entre o Império e a Fundação, entre os grandes e o pequeno”.

Modelo de estudo

Coincidentemente, o termo Al Qaeda significa “A Base”, em árabe, que tem conotação semelhante à palavra Fundação, na obra de Asimov. O sociólogo franco-iraniano Farhad Khosrokhavar, diretor da Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais (EHESS), em Paris,   e autor de vários trabalhos sobre o terrorismo-suicida, dá a sua interpretação sobre o significado do nome da organização: “Al Qaeda significa a base de dados que foi posta em um sistema de informática com os nomes dos que iam lutar contra os soviéticos, no Afeganistão”.  Para o sociólogo a motivação política dos atos terroristas da  Al Qaeda é bem maior do que a dimensão religiosa que muitos acreditam existir. “Bin Laden conhece muito bem os EUA, jogou lá na Bolsa de Valores e, durante muitos anos, colaborou com a CIA (Central Intelligence Agency). O número dois, Al-Zawairi, era cirurgião e não um muçulmano tradicional. Também os que atacaram o World Trade Center, em Nova York, 15 deles, de um total de 19, eram da Arábia Saudita e da alta classe média. E os que são convocados para o trabalho subalterno, estes são freqüentemente ocidentais, que viveram e muitas vezes nasceram no Ocidente, como na França, Inglaterra ou mesmo nos EUA. Não são árabes no sentido de terem nascido em um país árabe. A sua educação foi no Ocidente.”

Um pesquisador que tem estudado as semelhanças entre a Al Qaeda e A Fundação é o físico espanhol Juan José Miralles Canals, professor da Universidade de Castilla-La Mancha, em Toledo. Ele escreveu um extenso artigo publicado na revista de informática Mundo Linux, intitulado  Internet, Redes Complexas, Guerras de Quarta Geração e Al Qaeda. De acordo com o professor, o 11 de setembro formalizou o início da 4ª Guerra Mundial. “A identificação da Al Qaeda com A Fundação oferece um modelo de estudo sobre um projeto de poder para a conquista do planeta, a partir de um núcleo inicialmente muito débil frente a uma força mais poderosa”, registra Miralles.

Em surdina

Para o físico, alguns paralelismos entre as duas organizações são bem aparentes: 1- A ação é global; 2- O objetivo é a conquista do poder mundial: 3- A base física da organização fica em lugar remoto; 4- A religião funciona como instrumento para alcançar os objetivos; 5- A cada crise surge um vídeo com mensagens; 6- A Internet é usada como uma rede condutora para alterar a percepção da realidade, manipular a inteligência, incutir medo e provocar desastres. Sobre este último item, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos já informou que foram encontrados computadores no Afeganistão – provavelmente relacionados com a Al Qaeda – com informações sobre interruptores digitais utilizados para o controle de energia elétrica, água, transporte e telecomunicações.

Segundo o diretor do Centro de Pesquisa de Informação da França (CF2R), Eric Dénéce, “ hoje é mais difícil de se penetrar nas estruturas da Al Qaeda do que no aparato soviético, à época da Cortina de Ferro”. Especialista em Ciência Política e autor do livro Al Qaeda: a nova rede de terror, Dénéce revela que Bin Laden formou a organização de maneira reticular, imitando os princípios da Internet, o que dá condições para melhor resistir aos ataques exteriores. "A Al Qaeda não tem estrutura hierárquica, dispõe de menos elementos financeiros do que imaginamos e limita-se a comunicação de pessoas que estão sozinhas em um determinado momento. Os terroristas e os hackers ( ciberpiratas) são recrutados pela Internet para explodir alvos e provocar estragos nos sistemas”. Em sua opinião, não há nada mais difícil do que lutar contra uma organização com um modelo deste tipo.

É o que a genialidade de Isaac Asimov (1920 –1992)  já previa, há mais de cinqüenta anos. Ph.D em Bioquímica, Asimov nasceu na Rússia, de uma família judaica, e chegou aos Estados Unidos aos três anos.  Aos 11 já escrevia as suas histórias e aos 15 entrou na faculdade. Foi professor na Universidade de Boston e escreveu em torno de 500 obras sobre diversos temas. Mas, foi na ficção científica que ele conquistou a celebridade, inúmeros prêmios e milhões de leitores em todo o mundo. E no caso específico de A Fundação,  Asimov se superou ao criar, de fato, duas Fundações: uma visível, que utilizava as ciências da física e atacava o Império, e a outra oculta e misteriosa, que trabalhava em surdina para exercer o domínio sobre as mentes de toda a Galáxia.

 

(09 de dezembro/2006)
CooJornal no 506


Sheila Sacks é jornalista
RJ
ssacks@oi.com.br