Ronaldo Werneck
Avião é muito devagar
|
|
Tempos de pandemia, de isolamento, a gente
querendo viajar, viajar. E tome vontade: de carro, de trem, de bonde, de
barco, de “vião”. Foi quando lembrei-me dessa crônica “viajeira”que aí vai,
viajando que só ela, vinda lá dos cafundós de 2009, tempos em que ainda se
passeava num Rio de Janeiro de nunca mais.
Sístole & diástole.
Contração & descontração. Tempo & contratempo. Entretempo. Tempo contrário
tempo. Tudo isso pra dizer o que não se disse. O que poderia ter sido dito e
não foi. Como num contratempo – não o do minueto, mas aquele intervalo da
fala quando se contracena. Foi assim quando do recente lançamento de meu
livro Minerar O Branco na Estação das Letras, no Rio. Nem bem terminara de
ler alguns textos quando minha querida amiga Vera Valverde vem à mesa onde eu
estava e fala com a devida propriedade o poema que dedico ao meu amigo
Alcione Araújo, que tem takes que remetem à Commedia de Dante, como “pela
mata erra o poeta/ de minas erra pelo ermo/ erra o poeta pelo erro/ erra o
poeta por não ser / em si manhã e por não ver/ que rever reverberar/ o erro
não mais é errar/ pelo mundo errar aspirar/ errar pelo erro de errar/ errar
pelo tempo profundo/.../ pela mata erra o poeta/ e o caminho aqui se aperta”.
E Vera, à vera, logo me pede veraz resposta à sua pergunta: “você costuma
alterar seus poemas quando os revê”? Ao lado de poemas novíssimos, meu livro
traz vários textos de antanho, poemas com datas de duas, três décadas atrás.
Daí a indagação, que eu podia ter respondido tomando como gancho o próprio
poema que ela lera tão bem: “que rever reverberar/ o erro não mais é errar”.
Mas, na hora, “escapou-se-me” e saí com alguma coisa sobre Manuel Bandeira,
em cujos textos eu – que sempre gostei de mexer, de substituir palavras nos
poemas dos outros, só pra ver no que dá – jamais consegui “bulir”, que é o
mexer de menino curioso. Os poemas de Bandeira são para sempre – irretocáveis
em sua aparente simplicidade. No outro dia, um contratempo. Esse, do
gênero amolação mesmo. Passeio nas Paineiras e almoço com a família em Santa
Teresa, com direito a namorada, neta, filho, mais namorada de filho. E bonde.
Deixei o Obama – meu carro atual, um Corolla preto, verdadeira autoridade
negra, como seu homônimo americano – num cantinho de rua, à espreita. Não sei
bem de quê. Acho que do próximo bonde, pois o pobre, autoridade à parte, foi
devidamente amassado sem a mínima piedade: “errar pelo erro de errar”.
Manhã seguinte, Patrícia e eu voamos num céu de brigadeiro para o Sul, onde
participei pela terceira vez do Congresso Brasileiro de Poesia, organizado em
Bento Gonçalves pelo poeta Ademir Bacca. Mal descemos em Porto Alegre e
Patrícia sacou de lá sua máxima: “que voo chato, que coisa mais sem emoção,
não teve sequer uma turbulência!”. O que me lembrou de um velho dvd da Marisa
Monte, onde a cantora, que está num avião, ao lado do namorado, vira-se para
ele e solta essa pérola: “Não gosto de avião, não, bicho. Avião é muito
devagar. Bom mesmo é ônibus, que tem paisagem”. Pois é, avião é muito
devagar. Que frase mais fantástica. Bom mesmo é o Obama, que nos leva-e-traz:
a vadia viagem e o mundo-paisagem.
Jornal
Cataguases/23.10.2009 Olha só: era meu aniversário. E só agora vejo.
- Comentários sobre o texto podem ser enviados, diretamente, ao
autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
Direitos Reservados É proibida
a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação eletrônico ou
impresso sem autorização do autor.
|