03/11/2020
Ano 23- Número 1.195

 

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PEDRO FRANCO

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Realejos

Pedro Franco - CooJornal

Realejo. Dicionário. Palavra que designa diversos instrumentos musicais movidos por uma manivela. O tipo mais comum é o barril, ou piano, órgão portátil usado pelo músico de rua. Esse instrumento consiste em uma caixa que contém foles, tubos ou palhetas de metal e um rolo ou cilindro no qual estão adaptados alguns registros. Quando o tocador aciona o cilindro por meio da manivela, os registros abrem as válvulas de determinados tubos, o ar penetra neles e produz música.
Antes que tudo Mário Quintana, que sempre é ótimo para começar.

Canção de outono

O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida…

Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
de carícia a contrapelo…

Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma…
mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte alguma.

Tenho nostálgica preferência por músicas dos realejos. Se ouvi muitos realejos, nem sei. A malvada da velhice deixa dúvidas. Vivi, ou quis viver realejos e então vivi. Minha memória afetiva vai mais em função de “Velho realejo”, música de Custódio Mesquita e Sadi Cabral, do que propriamente ouvir o terno e rudimentar instrumento. Os dois autores foram fundo e incrivelmente mais, sob o ângulo estritamente poético, que a ótima “Realejo” de Chico Buarque. A dupla Mesquita/Cabral para mim foi a ponto que me marcou em relação ao instrumento e à sua melancolia. “No velho bairro afastado, em que crianças vivias, a remoer melodia, numa ternura sem par. Passava todas as tarde..” Do Chico temos . “Estou vendendo um realejo” e três vezes “Que vai comprar.” A poesia vinha a seguir no resto da letra. E realejos não ficaram só em ternuras e “O macaquinho do realejo”, composição de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, foi ao Carnaval na voz de Linda Batista e fez sucesso. “O macaquinho do realejo só tira sorte pr'a quem ele quer, fica danado quando vê barbado e assanhado quando vê mulher”. Então viva o macaquinho, mostrando extremo bom gosto, ainda que nem sei se o politicamente correto aceitasse as preferências do trêfego animal. Será que chamar o macaquinho de trêfego é “bullying”? E por enquanto deixemos a terna música dos realejos e caiamos na poesia Realejo, poesia de Mário Machado. O autor começa com doze macaquinhos e sua filha. Depois fica um no realejo, animando a filha. Tenta dourar a pílula e com sabedoria poética, ainda que de forma crítica, bem encoberta, mostras as dificuldades da vida do macaquinho, a fome e tem que trabalhar, enfim existência difícil e vai até a morte por maus tratos. Mentiu o autor? Creio que não. Contudo na vida, se não podemos excluir malfeitos e como os há, podemos escolher os lances mais amenos e, por exemplo, fixarmo-nos na poesia de Custódio Mesquita/Sadi Cabral, ou na do Chico Buarque, ou ir carnavalescamente às sortes do macaquinho. Se não pudermos influir naquele momento, que se deixe a poesia florir e encantar. A letra do “O velho realejo” era, é, tão bem feita, que letra e acordes se completam e parece que na minha tarde pandêmica neste pseudo inverno carioca, vou ser chamado à janela e entre as altas figueiras do Grajaú, na calçada, passa um tocador de realejo. E o que ouço é Orlando Silva (nos bons tempos).cantando. “Naquele bairro afastado, em que crianças vivias..“ E quem vivia longe e ouvia realejo está comigo na janela e, embevecidos, ouvimos “a remoer melodias de uma ternura sem par...”Estaríamos entretidos com nossos sonhos e nem ouviríamos o “depois tu partistes, ficou triste a rua deserta”.


Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email pdaf35@gmail.com 



Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.



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