16/12/2019
Ano 23- Número 1.153

 

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PEDRO FRANCO

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Eletrocardiogramas e emoção

Pedro Franco - CooJornal

Em si o invento de Willem Einthoven não é poético, ainda que, o eletrocardiógrafo inventado em 1901, deu-lhe o Prêmio Nobel de Medicina em 1924 e continue como invento sem substituto e contribuindo para salvar milhões de vida. Exagero? Pense no tratamento das arritmias cardíacas, dependente do resultados dos eletrocardiogramas. Sempre brincava em aulas que os cardiologistas deviam nas refeições agradecer ao javanês Einthoven o pão nosso de cada dia. E os eletrocardiogramas me fizeram mudar de rumo na vida. Estava em vestibular para Engenharia e eis que meu pai, julgando-se enfermo e grave, empregou-me. Larguei vestibular para me preparar para o concurso na CEF, onde entrara, para aprender datilografia, cálculos financeiros e trabalhar seis horas por dia. O concurso só foi aberto dois anos depois e eis de novo, agora já com emprego fixo na CEF, a cata de vestibular. Foram dois anos de números na Contadoria Geral da CEF e estava meio cheio deles. Parente, sabendo agora das minhas incertezas profissionais, explica no chão de Barão de Javary o que é a Eletrocardiografia. Com varinha, meu primo e muito mais velho, risca na areia o que é Eletrocardiograma e seus vetores. E comecei o Vestibular para a Escola de Medicina e Cirurgia, hoje da UNI-RIO pela mão deste primo Professor Jayme Graça. Foi escolhida a escola de Medicina e Cirurgia, que era perto da CEF e assim foram seis anos de trabalho e estudo, com casamento no início do terceiro ano. Muita ajuda da mulher, de minha mãe e meu pai. E eis o mancebo lendo o discurso de formatura no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, fevereiro de 1963. E apesar disto tudo não foram estas as razões para vir digitar. Se o eletrocardiograma me levou à Medicina, da escola de Medicina saí, em relação à Eletrocardiografia, tão ignorante quando entrara. Não se aprendia eletrocardiografia nos seis anos de curso. E, para aprender o eletrocardiograma, paguei, oh dificuldade de ainda pagar curso, já formado, de Eletrocardiografia. Antes deste curso aulas com meu primo Carlos Alberto Graça, durante a lua de mel dele, para não perder o emprego no serviço médico da CEF, pois já estava no Serviço Medico e havia que dar laudos eletrocardiográficos. Escolhi o curso da PUC, com o Professor Armando Ney Toledo de mestre. E entro como auxiliar de ensino na escola onde fora aluno, e sendo professor na Clínica Médica C ministrei por alto uns cinquenta cursos de Eletrocardiografia. E vários trabalhos publicados em revistas técnicas, ou apresentados em congressos, sobre o tema médico relacionado ao eletrocardiograma. Ainda não cheguei à emoção. Centenas de acadêmicos de Medicina e até filho e neta foram meus alunos de Cardiologia e Eletrocardiografia. Estreei meu parelho de eletrocardiograma em 1963, fazendo exame em meu avô, que tinha me emprestado o dinheiro para comprar o aparelho e não aceitou receber todo o montante do empréstimo. Meu avô foi de meus ídolos na vida. Também com os estes dois ex alunos, já citados, publiquei trabalho sobre o EKG nos Anais da Academia Nacional de Medicina, em 2017. Já fiz em consultório 59.585 eletrocardiogramas, fora os realizados na CEF e no Hospital Gaffrée e Guinle. Neste atuei no magistério, fui Diretor e professor até me aposentar como Professor Emérito em 1994. Continuei dando cursos de Eletrocardiografia por mais 12 anos no Gaffrée, como dizem, a leite de pato. E se não cheguei à emoção, atinjo agora. Ontem, 30/11/2019, foi dia de levar ao lixo minha coleção de slides, cerca de 800, com os quais dava os cursos de Eletrocardiografia. Filho, também professor, também usou alguns slides. Por que não doar esta coleção? Ninguém mais usa slides em aulas. Vão aos eletrocardiogramas por “data-show”, ou que nome tenha e mostrar slides seria, perante a tecnologia cibernética, risível. E também não dou mais aulas e as caixas metálicas, onde ficavam ordenados os slides, ocupam lugares... Lembrei-me que comprei traquitana, onde acoplava máquina fotográfica especial, para ter slides melhores e cada eletrocardiograma diferente e didático virava slide. Guardei 4 slides de eletrocardiogramas de amigo falecido e a primeira data era de 1964. Agora pegar os slides, encher saco plástico negro e jogar no lixo. Talvez só para mim tenha havido motivo de lembranças e lembranças. Também para o filho. Incrivelmente slides me deram ternas recordações e até poéticas, creia.



Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email pdaf35@gmail.com 



Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.



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