01/11/2019
Ano 22- Número 1.147


 

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PEDRO FRANCO

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Mulata, nova e gorda

Pedro Franco - CooJornal

Queriam que fosse branca, loura e curvilínea? Não era. Quero contar uma história alegre e digitando quatro palavras talvez esteja incidindo no politicamente não correto, pois disse que era gorda e não pode e também a classifiquei como mulata e talvez não deva. E apenas estaria descrevendo e com gratidão o que vi. E vinha dirigindo chateado até pelas notícias de Brumadinho, rememorando as tristezas de Mariana. Irritava-me também que há por parte de autoridade da Educação a intenção dos pais não serem obrigados a pôr filhos nas escolas. E são exemplos apenas, além dos achaques da velhice, custo da vida etc, etc. E eis que surge, quando paro no sinal, a mulata, nova e gorda. E sabe o que ela faz? Chupa um picolé! Vou fazer o anúncio do picolé, vou gritar-lhe que procure Nutricionista, vou reclamar da bermuda curta, de bordas franjadas? Nada, nadinha disto. Roubar-lhe o picolé, que se me afigura delicioso? Foi bom o sinal abrir, que buzinaram logo, porque, quem sabe, largasse o volante, abrisse a porta e fosse ternamente abraçá-la e agradecer penhoradamente a imagem. Se julgarem que o penhoradamente caiu mal, foi mofado, excessivo, explico-me depois. Seria abraço fraternal, ingênuo, apenas de ser vivo para ser vivo e de devedor de imagem para fornecedor. Sou-lhe devedor, visto que estava sobrecarregado de imagens negativas, preocupações e pensamentos catastróficos, julgando que estamos em fase tão difícil, que quase recorri ao palavrão. Contive-me porque vi moçoila abusando do peso, tendo linda cor de pele e chupando um picolé. De quê? Não sei e nem posso saber, que já estou longe dela, atolado no trânsito e neste maçarico janeiro-rio-de-janeiro-2019. Que tinha de graças a moça, mulata, gorda e seu picolé? A satisfação de chupá-lo. Poucas vezes vi alguém tão alegre por estar desfrutando de comestível, ou de fato. Era a criança vendo Papai Noel, a mãe abraçando o filho que volta de longa viagem, ou cão festejando o dono, que chega. Era a beleza da cabeça do bico de lacre, vibração de alazão crinas ao vente em galope sem cavaleiro. Era o bebê depois de mamar, satisfeito, acariciando a mãe; era a visão de mulher linda, que o recebe saudosa; era pai vendo filho (a) querido (a) em formatura. Pera aí! Não está botando força na visão, não esta tentando enganar leitores, tirando água de pedra? Fique com sua dúvida, que entendo e me deixe com a imagem da felicidade da mulata gorda, chupando um picolé. Não lhe vi nem os dentes, que a boca estava de picolé. A face toda, o corpo todo, cantava o momento e a alegria daquele picolé. O que lhe ia na alma de fato não sei, como nada conheço de sua vida, ou mesmo seu nome. Menina, muito obrigado pelo que me passou de alegria, ingenuidade, prazer, neste mundo tão zoneado. Enfim a mulatinha gorda me deu esperanças. E, sendo assim, não tive intenção de ofendê-la, já que sou seu, confesso e por muito tempo, devedor. Se a encontrar de novo, estaciono o carro, compro dois picolés e vou tentar acompanhá-la em alegria.

* Prêmio em crônica no Concurso Literário da Academia Feminina Mineira de Letras - 2019

 



Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email pdaf35@gmail.com 



Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
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