16/10/2019
Ano 22- Número 1.145


 

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PEDRO FRANCO

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Dancings e cercanias

Pedro Franco - CooJornal

Corrida de terno e gravata nas cercanias, isto é, na Lapa. A turma do basquete da Atlética do Grajaú ia tomar chope na Lapa. E paquerar, ainda que não me lembre de nenhum sucesso de alguém do grupo, que podia ter de quatro a sete incautos e de acordo com o poder aquisitivo momentâneo de cada um. Ônibus Grajaú cidade. Um de nós bebia mal, era metido a brigão e no fundo não era de nada. E grita no meio do boteco. _ Está me olhando por que, negão? Negão se levanta. Alguém de juízo grita. _ É Madame Satã. Corria que já batera ali mesmo na rua em oito policiais, que queriam prendê-lo por desordem. Por sorte já pagáramos a conta e não me lembro de ter corrido tanto de terno e gravata. E os corredores combinaram que o Paulinho não andaria mais com eles nas incursões sabatinas. Quem não sabe beber, que beba mijo. E sem recorrer à Lapa, descobrimos os dancings da Avenida Rio Branco. Explique-se como funcionavam. Salão bom, cercado de mesas, onde se consumia. Músicas dançantes, amorosas, tipo boleros e sambas, choros também. Moças esperavam cavalheiros e eram tiradas. Ângela Maria e Elis Regina entre outras cantaram “Vida de Bailarina,” (Américo Seixas/Chocolate), onde se descrevia muito propriamente a vida das dançarinas. Só mudaria o título para Vida de Dançarina. Como se pagava cada dança? Havia um picotador, de terno, gravata, tipo malandrinho Coca-Cola. Tive professor de Anatomia, que se vestia como picotador e quem sabe fora. Como decorria o enredo dos dancings? Amélia não era grande coisa como mulher, ainda que dançasse bem, Alfredo dançava com ela cinco músicas e ela avisava ao picotador, por exemplo, três e o picotador dava três furos no cartão do freguês que, ao sair do dancing, pagava por música dançada. Dançou cinco e picotou três, querendo agradar o cliente. Já Maria, aí vai de nome, tipo homenagem, que a moça era bonita, dançava bem e sabia seu valor expresso nos picotes. Dançou três, avisava ao picotador cinco e lá iam cinco furos no cartão. E o esbulhado não reclamava? Nunca. As bonitas e muito concorridas faziam isto, era da regra não escrita e ninguém ousava reclamar, para cobrarem da forma certa. Normalmente com as boazudas se pagava mais e ainda se queria bis. Havia excelentes casais, conhecidos dos habituais frequentadores, que, dançando, davam exibição e eram aplaudidos nos momentos mais empolgantes da música. Brigas não ocorriam, que os dancings tinham funcionários que intimidavam confusões, hoje denominados leões de chácara. E eis que lá fui dançar com Maria. Dancei comedidamente três e ao acabar ouvi espantado três. Dancei três e paguei três. Dançava bem, era bonita, corpos colados e ainda não disse que a música era muito boa, com orquestra e cantor de primeira. A lenda diz que Elizeth Cardoso começou lá. Com a mesma Maria arrisquei cinco músicas e ao final ouvi três. Os de fora contavam músicas e conferiam picotes. Duas vezes, oito músicas seis picotes. E os do grupo tiraram a dançarina. Três danças seis picotes. O picotador não contava, apenas obedecia às ordens das soberanas moças. O fato de dançar três e picotar mais aconteceu com todos em relação à Maria. E então dancei seis músicas. Dois picotes. E chegou o fim da noite. Nesta me pagaram o chope final, eu era um herói. Logicamente no próximo sábado todos no Dancing Avenida. E de saída dancei seis músicas com Maria e recebi dois picotes. Com os demais do grupo, o de sempre, três músicas e seis picotes. No terceiro sábado eu, herói, com meu sem jeito de conquistador, perguntei-lhe no ouvido, posso esperar você, para levar em casa? Obrigado, mas tenho quem faça isto todas as noites. Agora ela me arrebenta de picotes. Eram seis músicas, dois picotes. E então aconteceu o infortúnio. E se aconteceu o infortúnio, passamos a frequentar o Dancing Brasil, ainda na Avenida Rio Branco, em frente à Cinelândia, perto do Avenida. Não era tão aconchegante como o anterior. E escolhi morena bonita, tipo dona do lugar e a tirei a dançar. Tipo como dançava no Avenida. E ouvi e com voz zangada. _ Pensa que sou prostituta? Afastei-me, dancei comportado e parei na segunda música. Cinco picotes e a galera vibrou. Esqueci dancings e minha vida tomou outros rumos e dos dancings só saudades da aurora da minha vida. E o infortúnio no Avenida. Festa a rigor em clube militar na cidade. Eu e um dos colegas tínhamos convites e atacamos de smokings alugados. Gostávamos de dançar. Festa tipo uma mulher para vinte homens. Assim não dá. Vamos ao Avenida. Lá haveria Maria E saímos, outros tempos pela madrugada da cidade de smoking e adentramos no Dancing Avenida. Ela lá. A dança não foi tão colada como sempre. E, fora minha ousadia, dançávamos sempre calados. E assim foi por seis músicas. Dez picotes e nenhum sorriso. Nem tentei mais. Pus a culpa no smoking e então no sábado seguinte fui ao Dancing Brasil, antes de encerrar minha carreira de dançarino nos dancings da vida. E a dançarina Maria? Quem sabe?
 



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Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
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