01/08/2016
Ano 20 - Número 994


 

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PEDRO FRANCO

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Comadres, criados mudos e até badalhões

Pedro Franco - CooJornal



Tive amigo com empregado de faxina, ótimo de trabalho e uma matraca. Parecia que não conseguia parar de falar e ainda que fosse pessoa de bem, cansava um pouco com sua tagarelice. E meu amigo colocou à socapa o apelido jocoso de criado mudo. De onde mesa de cabeceira virou criado mudo? Ou foi ao contrário? E outra palavra que causa espécie e da mesma forma, foi chamar a peça usada para necessidades fisiológicas de comadre. Talvez nos antigamentes as senhoras ficassem vexadas de pedir o utensílio e apelavam para algo que sempre as auxilia, a comadre. O do homem, para as mesmas finalidades, tem duas designações, compadre, por similitude ao feminino, ou patinho, talvez pela forma do objeto. Tenho amigo, aquele do faxineiro tagarela, que é falastrão também e é danado para criar neologismos familiares e que até já complicaram um neto na escola. Quando este neto morava com ele e esbarrava em algo, o avô rindo, pois sempre foi muito ligado ao mesmo, dizia, estás me saindo um badalhão. E o neto em redação escolar escreveu que o pato era badalhão. A professora reclamou do vocábulo, o neto, hoje advogado de renome e sempre muito criterioso, defendeu a palavra, disse que existia e o avô escritor usava. Colega quis salvá-lo e disse que ele quisera dizer que o pato era batalhão. Era emenda pior que o soneto e o neto defendeu o vocábulo badalhão, ainda que não fosse acatado pelo dicionário que a professora tinha à mão. Este mesmo amigo teima em chamar os controles das televisões de mudadores e argui, não servem para mudar de canais? E os corretores do Word, que muito me ajudam, desde que sejam regrados, já reclamaram de minha pena, que ousou digitar outrossim e todavia, talvez até com razão por julgarem termos mofados. Outras palavras são usadas para contrariar anglicanismos, ou galicismos, exemplo, abajur é galicismo, então chamavam as engenhocas de quebra-luz. Idem detalhe e batalhavam por pormenor, em lutas inglórias que ficaram no passado, A última flor do Lácio vai incorporando palavras principalmente em inglês e muitas vezes de forma tola, como por exemplo, liquidações, saldos, ou promoções por “sales”, aparecendo em muitas vitrines. Gentil leitor, vitrine é montra em livros de português de Portugal. Idem travão por freio, camião por caminhão, descarga por autoclismo etc, principalmente em livros antigos, vide livros de Georges Simenon, sobre o Inspetor Maigret, em edições portuguesas. Ainda que sale fique muito bem na música “Love for sale”, de Cole Porter e na voz de Ella Fitzgerald, em magnífica interpretação. Já que chegamos à música americana e muitos vão reclamar de não colocar logo o do Norte, há a cantada por Billie Holiday, chamada “Strange Fruit”, do poeta Abel Meeropol e publicada com o pseudônimo de Lewis Allan. Quais seriam os frutos estranhos? Os corpos de negros pendurados nas árvores, quando mortos pela Klu Klux Klan. Terríveis e estranhos frutos... É, diz-se que em outras línguas não há tradução perfeita para a palavra saudade. Escrevo em 16 de julho de 2016, no Rio de Janeiro e com imensas saudades de outros tempos e sob muitos aspectos. Nestes antanhos havia mocinhos para torcer, agora sobram os menos ruins ...


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(1º de agosto, 2016)
CooJornal nº 998


Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
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