01/04/2016
Ano 19 - Número 978


 

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PEDRO FRANCO

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São Cosme e São Damião

Pedro Franco - CooJornal

No dia vinte e sete de setembro comemora-se o dia de São Cosme e São Damião, os santos gêmeos. Minha mãe dizia e tinha sido Filha de Maria, que havia um terceiro gêmeo, que se chamaria, se a memória não me falha, Doum. Os dois gêmeos são considerados os santos protetores dos médicos e esta categoria profissional está tão desprotegida em nosso País, que precisaria de trigêmeos e talvez até de Todos os Santos para protegê-la. Vide a vinda dos médicos cubanos no Mais Médicos, talvez Despreparados. Um dia ainda vou dissecar o tal “mais médicos”. E não gosto da data, ainda que simpatize com os dois santos e seja ligado a doces. A tradição manda dar doces às crianças em homenagem aos santos gêmeos e pelo menos no meu bairro, o Grajaú e adjacências, o costume é mantido e muitas promessas são retribuídas com a distribuição de doces, em saquinhos evocativos aos santos. E as crianças do morro descem ao asfalto e hordas de mães e crianças enchem as ruas, emprestando-lhes um alarido diferente. Lembro-me que muito corri por estas ruas, eu e outros meninos da classe média, disputando doces com os menos protegidos pela sorte. Crianças, se não são deseducadas, não distinguem elites e “zelites”. Que doces gostosos! E, mesmo assim, com estas boas lembranças, invoco com o dia. O desfile de mães pobres com filharada enorme, molambenta, fere-me, não no senso estético, ao constatar a total falta de planejamento familiar, engodo e desassistência. A família pobre, que não pode prover a alimentação e a educação de seus filhos, é a que mais filhos tem. O desfile, que vejo, me faz pensar na desassistência em que vive. É, lamento dizer, um bloco de andrajosos, doentes, carentes, mal educados e mal avisados. Bolsas ao invés de saúde e educação. As frases podem ter ranço de elitismo, quando são apenas de lastimável constatação. Este dia possivelmente sirva as crianças de válvula de escape, como o Carnaval e estaria preenchendo uma função lúdica. Eu que engula minhas reflexões e críticas e os deixe gozar um dia de barriga cheia, gulodices e brinquedos. Haja diarreias depois e quem sabe desidratações e dispensáveis mortes. Estou sendo mórbido? Possivelmente. Ou a exibição deste bloco de miséria e falta de educação e saúde pode mexer um pouco com os que têm o dever de ajudá-los? Vã esperança, pois as medidas para as soluções, se empreendidas, trarão resultados demorados, mesmo se a classe política estivesse cumprindo suas funções com devoção (a base da crônica é antiga, mais de vinte anos e a política irremediavelmente não é a mesma, é ainda pior!). Só que minha birra com o dia vinte e sete de setembro é mais prosaica. Parece-me perigoso dirigir. Se alguma criança sabe que há uma distribuição de doces e isto acontece com crianças necessitadas, ou não, dispara pela rua, esquecida de veículos e atropelamentos ocorrem. Todas querem o entrar na fila e no empurra, empurra, no me dá, me dá. Depois é sair vibrando, esquecendo-se alguns meninos que suas geladeiras estão bem equipadas e com doces, tão bons quanto os que recebeu. É como temer criança atrás da bola nas ruas, nos tempos em que criança corria atrás de bola e, sem computadores, alegravam ruas e quebravam vidraças. Com os doces de São Cosme e São Damião as vias ficam mais perigosas, pois há são bandos de crianças em disputas. Posta esta minha dificuldade com o vinte e sete de setembro, que é especialmente motivada pelo medo, pavor, de atropelar uma criança, conto que dirijo com mais atenção, se possível não dirijo e sirva esta crônica para passar esta aflição para algum leitor, que vive em local onde há morros, há crianças, que correm atrás dos doces e brinquedos, para comemorar o dia dos santos gêmeos Cosme e Damião. Além de proteger médicos, têm que estar muito atentos, eles e os anjos da guarda, nos dias vinte e sete de setembro e sem se importarem com outras divagações, levantadas por mim e de passagem. Olho nas ruas, freios atentos e pés mais brandos nos aceleradores. Cuidado! E viva São Cosme e São Damião!



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(1º de abril, 2016)
CooJornal nº 978


Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
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