15/12/2015
Ano 19 - Número 964


 

ARQUIVO
PEDRO FRANCO

Venha nos
visitar no Facebook


 


 

 




Rio, histórias, mamãe e eu

Pedro Franco - CooJornal



João do Rio nos contou o Rio Antigo. Muitos cronistas vieram na mesma trilha. Eis Rubem Braga (Ai de ti, Copacabana) e Fernando Sabino pontificando. E Vinicius explicou porque prefere o Rio a São Paulo, nesta ele anda, anda e não chega a Ipanema. De Itaparica chegou João Ubaldo Ribeiro com verve e marcou a cidade, feitos acompanhados por muitos outros cronistas.
Conta a lenda que Dom Pedro I, nos tempos em que ainda não andava com o Chalaça, apanhou o Leonardo Pataca do “Memórias de um sargento de milícias” e os dois meninos cometerem estripulias em São Cristóvão.
Andavam nas Laranjeiras o Barão do Rio Branco e Coelho Neto, quando uns garotos começaram a gritar para o Barão, careca, careca, careca. Eram os próprios filhos do escritor, que vendo a zanga do Barão, explicou, não ligue, são uns moleques muito mal-educados, filhos da lavadeira. Nas Laranjeiras está o Fluminense Futebol Clube, Flu, Nelson Rodrigues e Chico Buarque, que em “Samba de Orly” pede beijo para seu Rio de Janeiro e em “Pivete” o pivete depois de muita estripulia sobe o morro do Borel na Tijuca.

Lembrei-me de muitos anos atrás e com terna saudade, quando ia às compras no Centro com mamãe. O Rio era outro.

No apartamento de Nara Leão, Copacabana, teria nascido a bossa nova, alguns teimam em dizer que ainda nas noites de Copacabana, do violão de João Gilberto, vieram as harmonias da bossa. E em Copa houve o histórico Quatorze do Forte, onde vamos encontrar o não político, que tentou fazer política mais tarde, o Brigadeiro Eduardo Gomes. Santa Tereza representa um pouquinho cada bairro do Rio, com seu jeito especial. Nascimento Silva as ruas, pois no 107 Vinicius ouviu “você ensinando pra Elizeth as canções de “canção do amor demais”. E os subúrbios da cidade ficam por conta de “Professora”, onde havia um “louco de amor no teu rastro, vagalume atrás de um astro, atrás dela em tomo o trem”. E o poeta maior de Vila Isabel avisava que “a Vila não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também”. De Noel a Orestes Barbosa e mostrando que “ a lua furava nosso zinco e salpicava de estrelas nosso chão...” “tu pisavas os astros distraída...”. Morros são diferentes, infelizmente menos poéticos, mais vida verdade talvez.

Pegávamos o ônibus do Grajaú, depois do almoço e usualmente eu dormia. Ao chegar ao centro da cidade, era acordado, estava estremunhado e percorria de início as casas comerciais meio dormindo. As senhoras, quando iam às compras, andavam de cansar qualquer criança, apesar dos saltos altos e chapéus. A cidade no caso era o centro do Rio de Janeiro. Ruas do Ouvidor, Gonçalves Dias, Uruguaiana, Largo da Carioca e adjacências. Havia os bairros da zona Norte, da zona Sul, os subúrbios, a da zona Rural e as ilhas. Nem se falava na Barra da Tijuca e muito menos no Recreio dos Bandeirantes. Pasmem os mais novos, não havia shoppings!

Paquetá sediou “A Moreninha” e era cantada como “jardim de afetos, pombal de amores, humilde tetos de pescadores”. E o Cristo Redentor virou Maravilha do Mundo. Só que antes do laurel já, de braços abertos, abençoava todos. E a “Lapa vadia ´teve sua glória, botou seu nome na História”. Volto à Copacabana, com seus 31 de dezembro e réveillons. Da praia, da princesinha do mar, vou ao Maracanã de glórias mil e que se livrou do fatídico 7 a 1. Falei de Ipanema, que tem sua garota mundo à fora cantada e “em doce balanço a caminho do mar”, ainda que do bairro ao lado outra música afirme que “o inverno no Leblon é quase glacial”. E não vai falar do Carnaval do Rio, das escolas de samba, do aplaudido por do sol em Ipanema? O Rio é tão cheio de belezas, que não dá para contar tudo e nem vou chegar, oh pena, a Petrópolis, cidade imperial, quase, não fiquem zangados petropolitanos, bairro importante do Rio, tão bonito e perto é. Idem Búzios. Novidade boa, de três anos para cá, voltou o carnaval de rua no Rio e com seus alegres blocos. Na apoteose, ainda que espetáculo magnífico, fica um pouco para inglês ver.

Voltemos às senhoras, acompanhadas de outra, ou de filho, pois uma senhora não andava só e maridos não faziam compras. Especulavam preços e muitas vezes voltavam à primeira loja visitada. Eu era vestido no “Príncipe”, “o que veste hoje o homem de amanhã”. Quando as pernas começavam a doer e os sorrisos minguavam, mamãe olhava-me e vinha a frase salvadora, _ Vamos lanchar? Bol, Palmira ou Colombo. Esta, segundo música de Carnaval, tinha velhos que “sassaricavam” em sua porta. Lanche era festa para os pés e farra para a barriga.

Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes precisam de trovadores próprios. E em situação impar está o Grajaú e a história anexa de um garoto fala nele.

Depois continuávamos as andanças. Íamos ver papai na Tesouraria da Caixa Econômica Federal. Ouvi muito como está crescido! E muitas senhoras tinham o mau hábito de apertar-me as bochechas. Andávamos principalmente nas ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias. Crianças da classe média ganhavam menos presentes do que as de agora, não tinham computadores e arrisco-me a dizer que eram mais crianças e mais felizes!

2016, amanhã, Olimpíadas no Rio. Concordar, ou não, com o acerto da candidatura, já perdeu relevância. Agora é bola para frente, de preferência acertando o gol e onde o goleiro não estiver. Se a bola não entrar, ficam as meninas do José Roberto e os meninos do Bernadinho encarregados de vitórias. O Brasil, no Rio Olímpico, será a pátria em metafóricas chuteiras. Apesar de tudo.

De há muito não lancho na cidade. Já não volto de ônibus cochilando, às vezes incomodando algum estranho, quando não havia lugar ao lado da mamãe. Sou e agradeço ser no hoje avô de três ótimos netos. Com estas lembranças dos “milk shakes” com sanduiches de presunto da infância, bateu uma saudade danada da mamãe. Tudo vai passando e persistem as teimosas esperanças, doces lembranças, de um tempo bom que ficou para trás. Fui Pedrinho no Sítio do Picapau Amarelo. É, Pedrinho, Narizinho e Emília nunca foram lanchar no centro do Rio. Mamãe e eu fomos. E muitas vezes. Saudades eternas com esperanças semelhantes.

Créditos especiais: Manuel Antônio de Almeida; Ruy Castro; Mário Filho; Vinicius de Moraes e Toquinho; Benedito Lacerda e J. Farad; Noel Rosa; Orestes Barbosa e Silvio Caldas; Joaquim Manuel de Macedo; Hermes Fontes e Freire Júnior; Wilson Batista; Braguinha e Alberto Ribeiro; Tom Jobim e Vinicius de Moraes; Adriana Calcanhoto; Luiz Antônio, Jota Júnior e Oldemar Magalhães; Monteiro Lobato.

Prêmio João do Rio, da Academia Carioca de Letras, dezembro/2015, quando foi finalista com outras 4 crônicas. A crônica “Viajantes indesejados”, de Mônica Chaves de Melo tirou o prêmio e as demais, inclusive esta, de minha autoria, menções honrosas.
 




_______________________________

Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email pdaf35@gmail.com


(15 de dezembro, 2015)
CooJornal nº 964


Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco



Direitos reservados. É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor.