01/03/2015
Ano 18 - Número 926


 

ARQUIVO
PEDRO FRANCO

Venha nos
visitar no Facebook


 


 

 

Pedro Franco


Ângulos e perspectivas

Pedro Franco - CooJornal

Olhava de um oitavo andar a rua, onde moro há mais de lustro. Rua com suas velhas figueiras. E encostado no meio fio do outro lado da via, havia automóvel novo, destes lindos compactos. E notei que o teto do mesmo estava danificado. Pareceu que algum ácido havia sido jogado sobre a tinta cinza e fiquei com pena. Que teria acontecido? Como o dono devia estar amolado, pois o automóvel pareceu-me novo. Maldade? Acontecimento fortuito em garagem? De toda a forma minha avó nortista diria que seria um aperreio para o dono. Batida podia ser pior, sabia, pois carro novo e amor recente sempre merecem cuidados especiais. Que nos amores perdurem os zelos. Automóveis para nós pobres mortais, ainda que lhes tenhamos estima e ótimas lembranças, quando ficam velhos, são trocados e nem os primeiros tempos da aquisição são normalmente lembrados. Eis que, quando estava nos meus devaneios de velho e esperando que a tarde caísse mais e uns rosas pintassem lindos horizontes, o automóvel manchado no teto arranca e, pasmo, verifiquei que fora um jogo de luzes e sombras que simularam a feia mancha. O teto do Fiesta estava intato e minhas elucubrações foram ao menos temerárias. Julgou o temerárias forte demais para o corriqueiro fato? O adjetivo adiantou-se ao que pensei depois. Fazemos muitas vezes, por humanos que somos, julgamentos temerários, na vida, na política (homem é ser político, Aristóteles – que pena, tão mal andam os políticos), na profissão, na família. Até na família e lá vai um infelizmente. Em política tenho constatado com decepção que muitos, mesmo que o automóvel mostre teto anormal, o observador por teimosia e falta de julgamento crítico, continua no uma vez Fluminense sempre Fluminense, mesmo quando o clube enfrenta derrotas. Volto aos gramados políticos. O teto do automóvel na penumbra parecia ser normal. Só que fora deformado por tintas corruptas, malfeitos sucessivos, parâmetros arcaicos e defasados. Ele dissera que era daquele renque político e agora teimava em não ver que o automóvel partidário estava profundamente danificado e que seus jogadores não mais mereciam seu apoio. Raul Seixas sacou bem em música e dizia que não queria ter “aquela velha opinião formada sobre tudo” e preferia a “metamorfose ambulante”, esta com inegável liberdade poética. Há que observar o teto do automóvel parado, também em movimento e não botando antolhos para modificações ocorridas perante seus argutos olhos. E nem precisa ser metamorfose ambulante. Basta aceitar o aceitável e não ir de encontro à lógica e até ao patriotismo. A não ser que haja por trás dos discursos inflamados interesses pessoais escusos em urnas futuras. Aí não haverá de fato jeito, muito lamentavelmente.


(Crônica premiada em primeiro lugar no Concurso Literário da Academia Brasileira de Médicos Escritores, novembro de 2014).

 

- Comentários sobre o texto podem ser enviadas ao autor, no email pdaf35@gmail.com

(01 de março/2015)
CooJornal nº 926


Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco



Direitos Reservados
É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor.