15/01/2015
Ano 18 - Número 920


 

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PEDRO FRANCO

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Pedro Franco



Menino Pedro Diniz!  menino Pedro Diniz!

Pedro Franco - CooJornal

 O cobrador tinha voz fina e alta. Sempre gritava menino Pedro Diniz duas vezes e na hora do nosso almoço. E eu reclamava com minha mãe, que teimava em manter sua doação mensal. Que tipo de cobrança era esta mensal e de porta em porta? Minha mãe através os anos colaborava com várias instituições de caridade, que traziam pequenos recibos, entregues ao receberem a contribuição. Para ser verdadeiro nem me lembro dos nomes de todas estas organizações, que viviam das contribuições dos chamados sócios. Eram, por exemplo, Lar dos cegos, Casa dos adolescentes, Proteção dos menores, Casa da mãe solteira, Lar São, Casa Santa, enfim cada um amparando determinado grupo de necessitados, ou encobrindo um grupo de vigaristas, que abusavam da credibilidade popular, em maioria donas de casa e idosas. Os sócios não usufruíam de qualquer vantagem pessoal. Assim minha mãe colaborava com cerca de dez a doze sociedades. Se atualizarmos os valores, as contribuições iam de dez a vinte reais por mês, provavelmente totalizando pouco mais de cem reais. E os cobradores chegavam em horas impróprias, nunca tinham troco, a empregada interrompia seu serviço, descia escada etc. Propus então à mamãe, somar todos as suas doações e eu contribuiria com quantia semelhante, procuraríamos entidade de fato benemerente e mensalmente faríamos o pagamento e sem vários cobradores em nossa porta. Qual era o valor de receber um papelucho de agradecimento mensal? Estaríamos fazendo caridade pensada, justa e sem percalços e discussões, se mamãe aceitasse cancelar as demais instituições. Mamãe recusou parar de fazer as pequenas doações, alegando que era sócia de algumas instituições há mais de trinta anos. Diga-se que não havia dia certo e horários, ainda que muitas chegassem nas horas de refeições, tendo a empregada que parar o serviço, receber o papelucho e, às vezes com importâncias aumentadas aos bel prazer da entidade. E minha mãe era tão antiga como colaboradora de determinado lar, que havia inscrito como sócio, o Menino Pedro Diniz, que o cobrador gritava na porta de nossa casa. O menino Pedro Diniz sou eu, agora pai e avô e filhos e netos a cada grito de menino Pedro Diniz estouravam de rir, ainda mais pela hora imprópria do almoço. Que teimosia, mamãe! E lá vinha de novo o Menino Pedro Diniz gritado! Mudamos da casa para um apartamento e não há mais a cantilena repetida. Pior, o menino ficou órfão de mãe. Como a vida mudou! Vibraria emocionado se voltasse a ouvir o duplo menino Pedro Diniz e tivesse que de novo discutir com minha mãe este tipo de assistência. Saudades até do estridente cobrador e incomensuravelmente mais de quem entrou para um lar de cegos e colocou o nome de seu filho único, que sempre cumulou de amor, compreensão e devoção, sentimentos também dedicados a mulher dele e seus filhos. Como seria bom poder dizer, mamãe, de novo está aí o Menino Pedro Diniz.


(15 de janeiro/2015)
CooJornal nº 920



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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