01/12/2014
Ano 18 - Número 917


 

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PEDRO FRANCO

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Pedro Franco



POLITICAMENTE. CORRETO, OU INCORRETO?

Pedro Franco - CooJornal

O anúncio, cantado começava com “Eu vou contar/a história do Joãozinho/um garoto que era fraco/ficou forte e bem gordinho”. Avisava a seguir que Joãozinho comera o produto X e a cantoria terminava com, “ficou logo um valentão/já bateu numa porção”. Então o produto fez o Joãozinho ficar forte e bem gordinho e então ele saiu distribuindo bordoadas. Veja que hoje não seria politicamente correto apregoar obesidade e pancadas em valentões. E quem escreve tem se chocado com os politicamente corretos, que muitas vezes cheiram a censura e fazem quem escreve, ou dialoga, perder a capacidade de discutir, ou expressar-se. Vou dar exemplo da tentativa de censura aos livros de Monteiro Lobato, que seria racista ao descrever a bondosa Tia Anastácia, cozinheira do Sítio que muito frequentei há mais de setenta anos, o do Picapau Amarelo, principalmente lendo “As caçadas do Pedrinho” e “As Reinações de Narizinho”, pois tenho a certeza que a ótima doença que é gostar de ler, foi incutida em mim, principalmente pelo citado Lobato, inicialmente com obras lidas por minha mãe para mim, até que me alfabetizei. Não estou discutindo se o autor era, ou não racista; defendo apenas que a descrição de Tia Anastácia correspondia a de muitas cozinheiras que trabalhavam na época e que o autor apenas com verve incomum descreveu e nunca a personagem deixava de ser pessoa bondosa e engraçada. Dizia, elogiando Pedrinho, que era tão esperto, que acabaria Delegado de Polícia, o maior cargo político na sua visão. Visão inocente, pouco culta? Verdade, pois assim eram as tias Anastácias de antanho, cozinhando muito bem e para ninguém vencê-la no seu importante mister. Pobre Monteiro Lobato, quis levar as Caçadas do meu xará para a biblioteca da escola publica, que durante cinco anos frequentei no Grajaú e fui impedido, porque o escritor era comunista. Então Emília era comunista. Emília, para os mais novos, era uma boneca que falava e em espírito era o “alter ego” de Monteiro Lobato. Emília, criando graças e trapalhadas sem fim no sítio, é dos personagens mais espertos e interessantes da literatura infantil do Brasil e em todos os tempos. Então reclamei do anúncio, para mim politicamente incorreto, já que apregoava obesidade, Joãozinho gordinho e violento e danei com a tentativa de censura por um racismo, que não existia nos livros infantis do autor. E se pensam que prego a censura do jingle do produto? Aviso que sou tão contra censuras, qualquer uma diferente da autocensura, parece-me dispensável. E sempre que vem o politicamente correto em relação a piadas, lembro-me dos tipos do maior humorista televisivo do Brasil, Chico Anysio. Tantos são os personagens que o grande autor e intérprete apresentava, que teria que se criar cemitério especial, onde ficariam enterrados cerca de noventa e cindo por cento dos tipos criados no papel e perante as câmeras da televisão e que aparentemente tivessem algo de desagradável para alguém. Também os tipos de Jô Soares e haveria lista enorme de tipos politicamente incorretos no humorismo brasileiro e universal. Se fossem podados no nascedouro, deixariam o mundo muito sem graça, já que os autores nunca visaram atacar minorias e sim fazer-nos rir e inclusive na maioria dos casos os pretensos ofendidos, ao invés de chorarem, riam e divertiam-se. E nem os pediatras hoje em dia cuidam de robustez infantil e nunca querem deixar gordinhos os pequenos pacientes. Pena que estes não mais se divertem com Emília no Sitio do Picapau Amarelo e ficam apenas com seus brinquedos cibernéticos, usados por mais tempo que o bom senso educacional recomenda.


(1º de dezembro/2014)
CooJornal nº 917



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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