06/12/2013
Ano 17 - Número 869


 

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PEDRO FRANCO

 


 

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Pedro Franco



 Rio e suas nuances

Pedro Franco - CooJornal

A alma carioca já cantou: “Rio de Janeiro/cidade que me seduz/de dia falta água/de noite falta luz”. E quase tudo mudou. Ainda bem que quase. Para melhor? Às vezes. O Cristo Redentor é maravilha do mundo e por votação. Então votação é ótima conduta? Também às vezes, só que sem urnas, tudo piora, já tivemos experiência triste no passado recente. E o Rio deixou de ser malandro, malandro no bom sentido, malandro de bossas mil, Brasil, Brasil. Sediará o final da Copa! Só veremos o time do Brasil no Maraca, se o Brasil chegar ao jogo final da Copa do Mundo. Em 2016 a cidade sediará as Olimpíadas. Está preparadíssima, dizem vozes oficiais. Menos, menos, pois falta muito. Só que o Rio não é só o Rio. Parece frase do Conselheiro Acácio, personagem de Mestre Eça de Queiroz, que, ainda que luso, tem saídas e picardias cariocas. Voltemos à frase que parece de efeito, o Rio é mais que o Rio. Está bem, Paquetá é do Rio, segundo os Correios e seus cepes. Também fazem parte do território emocional do Rio, Petrópolis, Itaipava, Teresópolis, Nova Friburgo, Barão de Javary, Angra dos Reis e Búzios. Quer lugar mais Rio, que a Rua das Pedras de Búzios, à meia noite! É Lapa mais chique e com algum sotaque de Argentina e Chile. Que bairro representa mais o Rio? Se olharmos o cancioneiro popular, viria Copacabana e até Bing Crosby cantando Copacabana “lovely place in Brazil”, tradução torpe de Copacabana “princesinha do mar” e bela também na voz de Dick Farney, que se chamava Farnézio Dutra. Como nossas lindas letras da bossa nova tiveram versões adulteradoras para o inglês... Houve o sábado em Copacabana, “a beira mar, um só lugar, Copacabana”, enfim muita música poética. Até boate nos “estates” de nome Copacabana fez furor. Só que Adriana Calcanhoto contou que “carioca é sacana” e que “o inverno no Leblon é quase glacial”. Leblon e Ipanema têm metros quadrados entre os mais caros do mundo. Vinicius reclamava de São Paulo, porque andava e andava e não chegava em Ipanema, logo preferia Ipanema ao Leblon. Tom e Vinicius falaram na Rua Nascimento Silva cento e sete e a notável Elizeth Divina Cardoso entrava na música. Devia caber na música também Elis, as duas damas da MPB. Leblon e Ipanema representam o Rio? Julgo que não, até porque de Paquetá dizia-se que “agarradinhos e descuidados ainda dormem namorados sob um céu de flamboyants”. E ainda há o “Luar de Paquetá”, que tem até parodia, que brinca com os ilhéus, “Paquetá é um céu profundo, onde só tem vagabundo que não quer trabalhar”, quando de fato Freire Júnior cantava no Luar “jardim de afetos, pombal de amores, humildes tetos de pescadores”. Paquetá de fato é bucólica e de Macedo há “A Moreninha”, livro muito terno passado na praia da Moreninha, em frente a ilha de Brocoió. E as “Memórias de um sargento de milícias”, do patrono da Academia Brasileira de Médicos Escritores, Manoel Antônio de Almeida, começa com “era no tempo do rei” e vai logo ao centro da cidade, para falar do nascimento de Leonardo Pataca. Logo a Rua do Ouvidor pode simbolizar a cidade e Virginia Lane no “Sassaricando”, falava no velho na porta da Colombo, que era um assombro, sassaricando. Chegamos então ao Carnaval. Carnaval e Futebol, Brasil il il. Então o Carnaval é o Rio! É e não é, pois está mais para festa para inglês ver, ainda que seja muito animado para assistir umas, duas vezes, depois se repete. É de Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto) o “Samba do Crioulo Doido”, que disseca risonho os sambas enredo do Carnaval Carioca! Aparecem lindas mulatas nas escolas de samba! Viva a Estação Primeira de Mangueira! Mulatas então são paradigmas da cidade. E as morenas, louras, negras, nipo-brasileiras e haja miscigenação espetacular! E Santa Tereza? Dizem que filósofo abriu determinada janela de hotel do bairro e avisou que ali começava sua loucura. E Santa Tereza, tirando seus morros conflitados, é tão calma! Bondinhos, largos, vida antiga. Só que não é muito emblemática. Os morros do Rio têm “Chão e Estrelas”, onde Orestes Barbosa contava que “a lua, furando nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão”, enquanto Moreira da Silva, menos poético ficava dizendo com verve carioca o que lhe contaram na subida do morro. Vale ouvir. E Vila Isabel tem Noel, fonte na qual outro ótimo poeta da cidade, Chico Tricolor Buarque, avisa que bebeu na obra Noel, que filosofou em música, “palmeira do mangue não cresce nas areias de Copacabana”. Quando Noel Rosa morreu e no Carnaval, apareceu música triste, dizendo que “choram bordões choram primas, soluçam todas as rimas” e o poeta da Vila não era de choros, era de risos e alegrias, vide “Conversa de Botequim”. Vila Isabel tinha até o “Boulevard”, que chique, hoje Avenida Vinte e Oito de Setembro. Seria ingratidão não falar na Tijuca e no Grajaú, ou não citar Méier, ou Cascadura. Encantado, encantado com o que? Perto das Laranjeiras, onde está o Fluminense Futebol Clube, há o Cosme Velho, onde morava um bruxo, chamado Machado de Assis, que o mundo continua descobrindo. Este escritor poderia simbolizar o Rio Cidade, só que o RJ estado foi cooptado pela cidade e assim ela ficou mais complexa. E há muitos fatos tristes e evitáveis na cidade? Apesar de tanta beleza, vide a Floresta da Tijuca, ou a Barra da Tijuca, há muita coisa de chorar, as lágrimas de esguicho de Nelson Rodrigues; só que importo nesta Álvaro Moreyra, que apregoava que “As amargas, não”. E podia terminar com o hino oficial da musa, “Cidade Maravilhosa”, só que opto por algo mais poético. Ao ver do digitador mais representativo do sentimento carioca, a Valsa de uma Cidade, “vento do mar no meu rosto e o sol a queimar, queimar, calçada cheia de gente a passar e a me ver passar, Rio de Janeiro gosto de você” e por aí em alegria vai. Deixei fora a Tereza da Praia, que tinha “uma pinta do lado” e também a Garota de Ipanema e seu “doce balanço a caminho do mar”. E então, que, quem, simboliza o nosso Rio? Julho de 2013, o Papa Francisco em Copacabana, minuto de silêncio na vigília de três milhões de pessoas na madrugada fria e chuvosa. Um silêncio diferente, emocionante, carioca, pedido pelo Pontífice, acontece. E dizia-se que carioca vaia até minuto de silêncio, homenagem por morte, no início dos jogos nos campos de futebol. Um Papa Argentino, o povo do mundo em Copacabana, em vigília pela paz, consegue o milagre de comunhão humana! Rendo-me. Copacabana, onde nunca morei, fica simbólica. “Um bom lugar para se amar, Copacabana!”


Crônica “hors concours” no Concurso Literário da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - RJ, novembro de 2013.
 

(06 de dezembro/2013)
CooJornal nº 869



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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