22/11/2013
Ano 17 - Número 867


 

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PEDRO FRANCO

 


 

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Pedro Franco



Dias de vinho e rosas

Pedro Franco - CooJornal

Sei que o título vai lembrar a tradução do título de um filme, “Days of Wine and Roses” (Vício Maldito – 1962), com Jack Lemmon e Lee Remick, sendo que o ator foi indicado para o Oscar pela interpretação do alcoólatra. A música foi depois gravada por vários cantores e inclusive por Frank Sinatra. E esta história nada tem a ver com o filme, ou o disco e sim com um prestimoso tio. E era dele a frase inicial para alguma das moças da família, da geração posterior a sua, que passasse por fase afetiva adversa. Telefonava e com muito jeito, após ouvir as tristezas da sobrinha, a quem sempre acompanhara a vida e crescimento e de perto, dizia: - Você está precisando de um dia de vinho e rosas. Ou, conforme o gosto da sobrinha: - Você está precisando de um fim de semana de vinho e rosas. E a moça era levada a um bom restaurante, onde houvesse música, ou para passar um fim de semana fora do Rio, de preferência em bucólica pousada. Antes de apanhar a moça para a saída noturna, ou no sábado de manhã, para o fim de semana, chegava-lhe um buquê com lindas rosas e um delicado cartão com um texto personalizado e sem ser estereotipado. A cor das rosas variava com a idade e a preferência da jovem. E as sobrinhas chegaram a não ser tão jovens. Um fato importante é que ele sabia as preferências de cada uma, ainda que fosse o único solteiro da família de seis irmãos. Era Professor de Português do segundo ciclo, não nadava em dinheiro, só que sempre sabia levantar a moral das moças da família. Procurava ajudar o único sobrinho, logicamente de outra forma e, quando havia um problema na fábrica entre os irmãos, era chamado para ajudar, ainda que fosse o único que não trabalhava na firma da família. Como a vida, de quem me contou esta história, foi plena de subidas e descidas amorosas, pode receber dias de vinho e rosas pelo menos por três vezes e nem assim foi a recordista entre as seis primas. O tio era um homem feio, magro, respeitoso e elegante. Dançava bem, conversa agradável, ouvindo mais que falando e induzindo a sobrinha a organizar pensamentos e emoções. Era entendido em cinema, daí a frase dita em seus telefonemas de discreto consolo. Não forçava as saídas e nunca uma das sobrinhas saiu com ele de má vontade para restaurante, ou para fim de semana na Serra. Iam porque sabiam que voltariam mais animadas e com as ideias mais em ordem. Todas as sobrinhas tentavam saber de sua vida amorosa. Quanto indagado, ria e dizia que sua vida era um livro em branco, pois nunca desejara fazer mulheres sofrerem, por acordarem e darem com sua carranca ao lado. E apontava o nariz grande e a boca enorme e risonha. Sua irmã contava que fora apaixonado por colega, quando tinha vinte e cinco anos. Ficaram noivos e ela deixou-o para casar-se com um milionário argentino, velho e rico, quando faltavam dois meses para o casamento. O tio largou os empregos, vendeu o apartamento, comprado para o casamento e, com o dinheiro obtido, desapareceu por um ano. Viajou por toda a França. Mandava cartões postais para os parentes, dando sempre boas notícias e contando que cidade visitava. Voltou animado e não aceitou a oferta dos irmãos, que bem de vida e com importante fábrica de ferragens, quiseram fazer o irmão caçula também sócio. Agradeceu, voltou ao magistério e, sem ser importuno, passou a participar da vida da família dos irmãos, estando sempre pronto para desempenhar as tarefas desagradáveis, como ir a enterros e missas, levar idosos a médicos, acompanhar doentes internados e comparecer a festas de fim de ano, ou formaturas. Sempre de bom ânimo e sem se fazer de vítima, estava sempre à disposição de todos. Ainda que nunca tivesse sido uma pessoa importante perante os olhos da sociedade, não houve enterro com tantos alunos e sobrinhos chorosos. Morreu de dengue, internado, aos sessenta anos e sem incomodar qualquer familiar. Todas as sobrinhas sabiam que não teriam mais dias de vinho e rosas, quando seus amores doessem.
 

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(22 de novembro/2013)
CooJornal nº 867



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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