01/11/2013
Ano 16 - Número 864


 

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PEDRO FRANCO

 


 

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Pedro Franco



 O amigo com quem nunca estive pessoalmente
 

Pedro Franco - CooJornal

Em 29/05/1981 recebi esta carta do Artur da Távola: “Só agora arranjei tempo (Itaipava) para uma lida no seu livro de contos. É incrível como o fato de ser de uma geração marca a visão do mundo, as palavras, a forma de escrever, a respiração do texto. Talvez por isso, aventurei-me com interesses por suas histórias. Ao final, “geração, nada: é que o cara é bom, escreve direto, ação e personagem (e não o autor) comandando a obra.” “Foi muito bom ler o ELAS, só ficando chateado por não saber o que houve com a Isabel e o Dr. Cardoso em Petrópolis... Grato, amigo, Paz e Luz. Sempre. Artur da Távola” Deste ano até 09 de maio de 2008, quando faleceu, trocamos mais de cinquenta cartas, bilhetes, telegramas e telefonemas. Um adendo, ontem, depois da crônica pronta, há meses, estava revendo a correspondência antiga recebida e espantei-me com o número de cartas e cartões, que um homem tão ocupado mandava-me, a grande maioria escrita de próprio punho. Quando Senador da República criou a publicação Contato do Senado Federal e nela escrevi dois pequenos ensaios, a pedido do então Senador. Descobrimos que tínhamos amigos comuns, ambos torcemos pelo Fluminense, Paulo Alberto M. Monteiro de Barros, seu verdadeiro nome, já morara no Grajaú, onde sempre morei, enfim tínhamos afinidades. Ele apresentou-me à série de livros de aventuras de Winnetou, escritos pelo escritor alemão Karl May, que li com prazer. Marcamos até um jantar na minha casa e desmarcou, pois estava em Barbacena, onde esperava ficar poucos dias. Representava o MDB (ainda não era PMDB e depois AT passou para o PSDB), só que um político mineiro quis lançar-se Governador do Estado e a maioria do MDB não concordou. E o então Artur da Távola teve que ficar mais tempo em Barbacena do que esperava. Este político, por não ter sido aceito candidato a Governador de Minas Gerais, saiu do MDB naquela época, candidatou-se depois a Vice Presidente de um Presidente que foi eleito e cassado e o político, que não servira para ser candidato a Governador, acabou Presidente da República. Brincava com o Senador que dele fora a culpa pelo ocorrido. Esta permanência em Barbacena, maior do que esperava, fez cancelar o jantar, que foi adiado, adiado. Enfim Artur da Távola morreu e nunca nos vivos, ainda que tivesse grande admiração e respeito pelo político, que se livrou até de um período triste do Senado neste 2009 e pelo intelectual, interessado em muitas áreas culturais e com profundos conhecimentos. E todos que com ele conviveram destacaram a gentileza do trato. Termino com poema do amigo, que nem sei se já foi publicado.

A Garça

Irritante, egoísta e superior,/ macérrima estafeta do sutil/ exclamação arrogante e desafeta,/ a garça é indiferença e solidão.

O silêncio é elegante e implacável/ como o passo cauteloso de tísica/ Vaidosa, assexuada e impermeável/ a garça é geômetra e intolerante.

Curiosa, pragmática, pontual,/ autista, longilínea, insuportável/ em seu hierático olhar de rapina,/ a garça não cogita, bica.

Estável, fléxil, sobeja pernalta,/ álgido filete de brio, zen na meditação,/ virgíneo clarão de um venábulo,/ a garça é sina, seca e supina.


(01 de novembro/2013)
CooJornal nº 864



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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