25/10/2013
Ano 16 - Número 863


 

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PEDRO FRANCO

 


 

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Pedro Franco



 Tenho uma história para você
 

Pedro Franco - CooJornal

Quem escreve passa por estes apertos Algum amigo tem determinada experiência, ou ouve-a de outro e julga que é material ótimo para um conto, ou crônica. E já me trouxeram ótimos motes e saíram textos ao menos aceitáveis. Em contrapartida outros casos foram contados e com a melhor boa vontade tentei, na impressão de que o contado serviria de base para crônica, ou conto, ou, quem sabe, o romance, que sempre pretendi e nunca cheguei lá por falta de engenho e arte. Tentei com a base que me foi contada e, sem maior sucesso, engavetei a ideia. E, passado um tempo, de acordo com a ansiedade do contador, vem a pergunta. Já escreveu sobre o que lhe contei? Não escrevi e não foi falta de interesse. Tentei e não consegui. Quem sabe se fosse cronista, feito Mestre Rubem Braga, ou contista, do nível de Rubem Fonseca, sairia obra prima? Não sou um, ou outro e ainda que tenha passado o tema várias vezes pela cachola, nada saiu de aproveitável. O contador da história lamenta que tão especial caso nem fique ao menos de quarentena. Exemplifico em relação ao aproveitamento de história. Um grande amigo contou-me o ocorrido, passado-lhe por amigo, que até conheço. O personagem está entre cinquenta e cinquenta e cinco anos agora, tem profissão extra música, apesar de ser ótimo guitarrista e compositor. Se estivesse em outro país, poderia ser “showman”, pois sabe encher, no bom sentido, um palco. Paro com a identificação por motivos óbvios. Adianto que estou pretendendo ir à crônica. Idos anos setenta/oitenta, mais precisamente, 03/11/1974. Seu grupo meio “hippie” saiu do Rio e foi à Praia de Itaipuaçu, em Niterói. Moças e rapazes, violão, cerveja e raros cigarrinhos de maconha, que nenhum do grupo era viciado. Eis que bate polícia. Dá tempo e os cigarros são enterrados, ou afogados e o grupo, alegre grupo, julga-se livre. O guitarrista toma anticonvulsivante e dos comprimidos não se separa. Qualquer coisinha e receitavam anticonvulsivante “ad eternum”. E os comprimidos são achados pelos homens da justa. O fato é explicado. Explicação não aceita pelas autoridades e todos em cana. Os comprimidos são julgados tóxicos e a turma toda é levada para a cadeia. Não esperem agora fatos tristes ocorridos com o grupo de moças e rapazes. Os tempos eram outros. E deixaram o grupo até com seus cigarros. Valiosos cigarros, como se mostra adiante. Todos sentados no chão à espera da solução do quiproquó, rapazes com os outros presos, moças em sala especial, até quando o Delega aceitasse que os comprimidos eram inocentes. E há nas cadeias, como nos hospitais, os habituais e eis que um deles grita para outro. _ Johnny, canta uma Johnny Mathis para nós. Veio “It´s not for me to say”, a capela e em ótimo desempenho. _ Outra Johnny Mathis. “Misty”. A moçada da praia gostando muito. Animaram-se e pediram outra, ao que ouviram. _ Só se me derem cigarro. Rapidamente os cigarros foram fornecidos, o carcereiro talvez gostasse de música e o hoje guitarrista e compositor, além de funcionário criativo de grande empresa, lembra-se que de madrugada ouviu encantado “Evie”, que vencera um festival internacional da canção no Rio. Agora, no distrito, na excelente voz do Johnny da Cadeia. E O Delegado lá pelas dez horas da manhã aceitou que os comprimidos não eram ilegais. Então o rapaz, só de molecagem, pediu ao Delegado um copo d´água e, para gozar a autoridade, tomou um comprimido, ainda que não fosse hora. Voltaram, moças e rapazes, à praia e, oh prova dos “antigamentes”, nada havia sido roubado. O que ficou na memória do sensível músico foi “Evie”, cantada com muito sentimento e sem a gritaria do cantor, que ganhara o festival. Então o fato marcante foi a emoção do Johnny Mathis da Cadeia, cantado Evie! Grande e inesquecível madrugada!


(25 de outubro/2013)
CooJornal nº 863



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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